8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
contraditorios que estavam em luta, era o mesmo que provocar conflictos immediatos, talvez não com o Governo, mas entre os elementos interessados. D'ahi nasceria, naturalmente, a impossibilidade de obter d'essa Camara as medidas constitucionaes precisas para a vida constitucional, e a clara necessidade, ou de uma restauração do elemento preponderante na Camara, o que considerei um perigo, ou a decisão d'esse conflicto por meio de uma dissolução. Mas nessa dissolução definir-se-hia a opinião do Chefe do Estado contra a vontade da maioria, e, entre este perigo ou aconselhar o Chefe do Estado a que legalizasse o que já estava de facto feito e consultar o país sobre a nomeação do Governo existente, pareceu-me o segundo procedimento o mais honesto e o mais sincero.
Se me perguntam se para as vantagens politicas do Governo o outro procedimento seria o mais habil, direi que sim. Não era porem, a uma habilidade politica que o Governo visava; era ao sereno exercicio da Constituição que elle aspirava. Dentro da antiga camara poderia o Governo organizar uma situação politica que lhe desse existencia autónoma, mas não era essa nem a sua aspiração nem a sua intenção; e, como a sua missão não é nem pelos partidos constituidos ou constituendos, nem contra uns ou contra outros, mas pela manutenção da Constituição, julgo ter interpretado da forma mais sincera a vontade do país, o que as eleições liberrimas a que presidi por completo confirmaram.
Se o Governo tivesse aspirações a larga carreira na administração publica, seguramente o outro alvitre seria o mais asado a taes pretensões; se o Governo quisesse, ou isso estivesse nos seus intuitos, intervir no prolongamento da vida ou na cessação da existencia dos partidos tradicionaes, talvez seguisse caminho diverso, mas a sua intenção não tem taes ambições; a aspiração do Governo é viver emquanto tiver a confiança da Camara, e os que foram eleitos exigirem d'elle este sacrificio; é deixar que o país se governe através do seu Parlamento, e segundo a vontade das suas maiorias. Nem mais, nem menos.
A minha aspiração é que no estrangeiro se saiba que Portugal é um país monarchico-representativo, onde a tudo sobreleva a opinião das maiorias parlamentares; o meu desejo não é nem formar partidarios, nem conservar-me no poder, a despeito da vontade do país, definida pelo procedimento das maiorias parlamentares; o meu intuito é cumprir desinteressadamente o meu dever patriotico, e a isto resumo a aspiração unica do meu sentir.
Não é um Governo que possa dizer-se (como de muitos se tem dito, não discuto se com justiça ou sem ella) nascido de intrigas palacianas, ou que por ellas queira ou diligencie manter-se; é um Governo nascido de um conselho seguido pelo Chefe do Estado, no uso liberrimo das suas funcções de escolher os seus Ministros; é um Governo que não saberá ser senão o que a Constituição exige que seja, e por isso a vontade popular foi consultada e nella principalmente se apoia a sua existencia.
Diz-se que a lei eleitoral por que mais uma vez se elegeram os representantes do povo está longe de permittir confiança na legitimidade d'essa representação.
Pode ser que assim seja; mas a verdade é que todas as leis eleitoraes são boas quando se executam com sinceridade, como na ultima eleição succedeu, e tanto assim que nem una só das parcialidades politicas deixa de ter representação e que os eleitores volaram em quem quiseram, e como quiseram.
Deu-se á propaganda eleitoral a maxima tolerancia; a Camara eleita representa genuina e claramente o sentir politico do país que vae á uma e ali affirma a sua vontade.
Pode não ter agradado o resultado da eleição a muitos que ficam em casa quando se trata da propaganda eleitoral e dos trabalhos que ella representa; mas quem está eleito é quem os eleitores quiseram eleger.
Por isso, e na forma por que se fez a eleição, desapparece o peccado original de haver mais uma vez eleições pela lei vigente, unico argumento que a meu ver se poderia com justiça adduzir contra o procedimento do Governo, e que ainda assim só colheria, se pudesse conceber-se que da antiga Camara se poderia arrancar a votação de uma lei eleitoral, o que seguramente ninguem acredita.
Para mim, uma lei eleitoral moldada segundo as indicações geraes da de 1884, é o que de mais perfeito se pode applicar ao nosso país. Nella se estabelecem os circulos plurinominaes e os uninominaes, nella se regulam em justo equilibrio as pretensões demasiadamente regionalistas com as que é necessario produzir para que as opposições possam fazer-se representar.
Nesta ordem de ideias, o Governo apresentará opportunamente a sua proposta de lei, que o Parlamento apreciará como melhor entenda.
Tambem o Governo cumprirá a sua promessa de indicação de quaes os artigos da Carta que suppõe precisarem de alteração e que a Camara tambem apreciará como melhor entenda.
Neste ponto, desde que o poder judicial seja só obrigado a cumprir os decretos dimanados do poder legislativo, e que as Camaras se possam reunir por direito proprio, em determinadas condições, parece-me que pouco mais se poderá exigir, a não ser uma cousa que tem de exigir-se para todos os artigos reformados ou não reformados, e é que todos se cumpram por quem tem de cumpri los e que o povo não permitta que fiquem sem execução uns ou outros.
O Governo não julgou opportuno aconselhar a amnistia para os criminosos sob a acção do artigo 253.° do Codigo Penal.
Hoje todas as nações, mesmo as mais adeantadas, defendem a ordem social, contra essa especie de crimes e, por isso, Portugal não pode constituir-se em excepção, pelo menos emquanto não possuir uma policia como a da Inglaterra, que inspire inteira confiança em tudo e a todos.
Tomei, porem, nota dos nomes dos condemnados que o Digno Par suppõe credores de clemencia e mandei indagar do seu paradeiro e qual tem sido o seu procedimento, segundo o qual o Governo terá de opinar se é ou não opportuno seguir a indicação do Digno Par.
(Observando o Digno Par Sr. Sebastião Baracho que esses individuos não dependem de amnistia, pois estão á disposição do Governo, o orador repete que se informará das condições em que se adiam, sob o ponto de vista do seu comportamento).
Entende o Digno Par que o Governo deve trazer á Camara com o bill de indemnidade do Ministerio João Franco, o do Ministerio José Dias, e especialmente o decreto da criação do almirantado.
Sem discutir, porque seria superfluo, se a lei do almirantado carece de ser submettida ás Côrtes, não estando tal lei em vigor, parece-me por demais trazê-la á discussão parlamentar, tão largo já é o elenco d'este genero que o Parlamento terá de julgar.
Se, porem, os escrupulos da Camara exigirem que assim se faça, e que se aumente assim o trabalho da Camara com uma diligencia inutil, o Governo não tem duvida alguma em trazer á camara o bill que desde 1893 figura no guarda-roupa constitucional, como peça obrigatoria, de que ainda ninguem se occupou e que se torna cada vez menos preciso votar, tão differente é hoje a legislação da que então se deveu á iniciativa do Ministerio de que eu fiz parte, e tão convencida está toda a gente de que em nada foram excedidas as autorizações parlamentares.
Censurou o Digno Par as despesas com a policia preventiva, e fez reparo em que ellas ainda fossem acrescidas com um credito supplementar.