96 DIABIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
são a largueza do intervallo decorrido entre a realisação de alguns d'esses excessos de despeza e o pedido da realisação d'elles ao parlamento por meio de uma proposta de lei, cuja falta ou demora por nenhuma fórma poderia raputar-se perfeitamente supprida pela simples apresentação, ainda que era tempo opportuno e legal, das contas da gerencia do respectivo ministerio.
D'estas considerações, porém, não entende a vossa commissão tirar n'este momento outra conclusão senão e direito de notar tão inconvenientes praticas de administração, e de apontar-vol-as bem como aos factos a que a lei n.° 145-D diz respeito, como novos e valiosissimos argumentos praticos em favor de tres dos mais importantes projectos de lei, submettidos na presente sessão lagislativas á vossa apreciação: o que sob o n.° 131 [...] a responsabilidade ministerial; o que com o n.° 174 reorganisa o serviço da contabilidade publica; e o que com o n.° 207 tem por objecto a, reforma do quadro e atribuições do tribunal de contas."
É costume sorrir e encolher desdenhosamente os hombros quando se falla em uma lei de responsabilidade ministerial. Mas, sr. presidente, em paizes bem mais adiantados do que o nosso na pratica do systema representativo existe sempre essa lei.
Ainda mais. A reforma da contabilidade o do tribunal de contas, quando as levassemos por diante, nos termos em que foram propostas, inspirariam lá fóra a maior confiança.
Tenho presente um jornal dos mais serios da Hollanda, O economista, e ahi se assevera que, se o nosso paiz conseguisse ter um tribunal de contas e um systema de contabilidade igual ao da Belgica, deixariam de existir, em virtude da boa ordem e regularidade administrativa, grande parte das dificuldades financeiras, que nos tem assoberbado.
Era isto o que eu; pela minha parte, desejaria conseguir, e foi n'essa convicção que apresentei ás caixeiras as propostas, uma das quaes já por ellas foi votada.
Creio, sr. presidente, haver defendido o governo das accusações que lhe foram feitas com respeito a actos da sua administração. Se me referi tambem aos actos do ministerio anterior, fil-o unicamente para levantar as insinuações gravissimas que nos foram dirigidas pelo sr. Serpa Pimentel.
Concluindo, direi apenas que? se estas são as nossas calumnias, n'ellas perseveramos impenitentes; e, se as prophecias do digno par tiverem de se realisar, nós, os membros do actual gabinete, voltaremos para o seio das nossas familias com a consciencia tranquilla, levantando tem alto a fronte, porque foram nobres os motivos que dictaram a norma do nosso procedimento. Condemnámos um systema de administração, respeitâmos os homens. Sustentámos que era ruinoso contentar as localidades com melhoramentos publicos, os homens com a satisfação das suas pretensões individuaes, o funccionalismo com o systema das gratificações sem limite, os capitalistas com o que pelo sr. Mello Gouveia, no seu relatorio ácerca do estado da fazenda publica, foi mais tarde classificado de apogeu das illusões e deslumbramento das miragens.
Se tudo isto levanta contra nós uma tempestade de interesses feridos; se a lucta persistente de quasi toda a imprensa da capital toda a imprensa da capital, e digo da capital e não do paiz; e a par de tudo o mais, a exigencia dos impostos tem gasto este governo, e elle devo em breve, o que não creio, ouvir soar a sua hora, derradeira, os homens que levarão comsigo a consciencia de terem sido meis
para o para os seus esforços, e confortal-os-ha a esperança de verem mais tardo, a opinião publicar e até aos proprios adversarios, fazer-lhe a justiça que hoje pretendem-se renegar-lhe.
VOZES: - Muito bem.
O sr. presidente: - Segue-se na ordem da inscripção o sr. Fontes, mas não sei se s. exa. quererá usar da palavra agora em vista do adiantado da hora.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Usarei da palavra nos limites da hora, ficando com a palavra reservada para amanhã, se v. exa. e a camara m'o permittirem.
O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Tambem eu tenho a minha consciencia tranquilla. Tambem eu e os meus collegas deixámos os negocios publicos convencidos de termos praticado um acto de patriotismo. Tambem eu vi, sr. presidente, impassivel, socegado e sereno, que o governo, que succedeu ao ministerio, a que tive a honra de presidir, publicara decretos que organisavam devassas, e inqueritos, para indagar, em todas as secretarias d'estado, os actos da administração de que eu tinha feito parte, distingiu-se essa administração do todas as outras, como se antes d'ella não tivesse havido governos n'este paiz!
Sr. presidente, o que ou não podia suppor, comtudo, o que não esperava, é que esses inqueritos estivessem organisados, completos, impressos, e que servissem unicamente para esclarecimento dos srs. ministros.
Sr. presidente, porque se não manda ás camaras legislativas o resultado dos inqueritos feitos ás secretarias d'estado?
(Aparte.)
Mas porque é que e governo não usa da sua influencia junto da camara dos senhores deputados, que a commissão de infracções cumpra o seu dever, e accuse os ministros responsaveis? (Muitos apoiados.)
(Sussurre nas galerias e apoiados.)
O sr. Residente - É necessario que haja ordem nas galerias; aliás, faço cumprir o que dispõe o regimento da camara.
O Orador: - É a v. exa. que compete dirigir os nossos trabalhos; mas eu, como par do reino, tenho direito de dizer que esta camara é uma assembléa de homens livres, que discutem e deliberam com isenção e independencia.
Sou liberal, antigo parlamentar, e em toda a minha vida publica não me accusa a consciencia de ter recorrido nunca expedientes menos dignos; não quero, portanto, que alguem supponha que póde haver cumplicidade entre a minha pessoa, e quaesquer applausos ou vituperios, que provenham das galerias; basta-me a serenidade do meu animo, o sentimento do meu dever, e o direito indisputavel que me assisto para responder a todas as arguições, e a todas as injurias.
Quero que sejam accusados pela camara dos senhores deputados esses ministros prevaricadores, que desviaram os dinheiros publicos; esses ministros que eram arguidos todos os dias de terem mettido as mãos nas arcas do thesouro, para se locupletarem a si ou aos seus amigos.
Examine-se tudo, faça-se luz para que todos vejam. Nunca pedi misericordia aos meus adversarios. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.) Não a peço agora. Quero justiça, e nada mais.
E quando, depois de ser accusado na camara da senhores deputados, como é da privativa attribuição d'aquella assembléa, vier a esta camara responder pelos crimes ou pelas faltas que tiver commettido, eu trarei aos bancos dos réus muitos homens illustres, e alguns dos meus accusadores.
Declaro antecipadamente que não peço favor a ninguem, nem aos pares antigo, nem aos pares modernos, nem aos da fornada anterior, nem aos da ultima fornada.
Acceito todos como juizes, porque tenho a consciencia tranquilla e segura de ter cumprido sempre e meu dever. (Apoiados.)
Acceito, repito, para juizes todos os dignos pares, sem discrepancia de partido; acceito ainda os meus mais implacaveis adversarios, se aqui os tenho.
É preciso que se saiba que póde ter havido erros, póde ter havido faltas, mas que não houve roubos. (Apoiados.)