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106 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Aproveito o ensejo para additar, ou antes desenvolver o meu programma de governo, para que se não pense que mudei de proposito n'esta transformação geral que presenceâmos.

Eu não me refiro unicamente a este ou áquelle governo, fallo indistinctamente e em absoluto; mas entendo que nenhum governo póde conseguir marchar desaffrontado no meio de uma sociedade bem governada, sem observar rigorosamente estas quatro condições essenciaes:

1.ª Que o governo tenha toda a moralidade nos seus actos, e que não cuide só de si; que proveja tambem á segurança externa, porque se só cuidar na interna, e deixar aquella á mercê, póde ter serios cuidados e acarretar ao seu paiz serias complicações.

2.ª Que, a par da segurança externa, haja tambem a interna, para que a nossa propriedade e as nossas pessoas estejam a coberto de quaesquer aggressões que nos queiram fazer.

3.ª Que dê a liberdade a todos os cidadãos, para exercerem a sua livre actividade, emquanto estes não forem prejudiciaes á sociedade.

4.ª Que seja economico, gastando o menos possivel na sustentação do machinismo com que é necessario manter as outras tres condições.

Haja um governo com estas condições, sr. presidente, que a sociedade ha de ser bem governada; não haja receios de que o não seja. Mas infelizmente é isto que eu não vejo no governo actual, e portanto não posso, ainda que queira, ter confiança no ministerio que se acha á frente da gerencia dos negocios publicos, porque elle não me satisfaz o meu ideal politico, que eu entendo a unica fórma de governar, e muito especialmente nas conjuncturas difficeis em que estamos.

Eu peço á camara a sua attenção por alguns momentos, porque preciso dizer algumas cousas que interessam a todos; peço que me acompanhe na peregrinação que vou fazer pelos actos do governo.

Sr. presidente, eu creio nas intenções do actual governo como muito boas; mas o que é certo é que elle é infeliz, e não sou só eu que o digo, é o proprio governo que assim se alcunha. Mas, porque é elle infeliz? Por sua propria culpa; a sua infelicidade provem das medidas que adopta.

Se nos voltarmos para a India, o que é que se nos depara? A ordem publica alterada, requisições fervorosas feitas pelo governador para lhe ser enviada força de mar e terra, e antes d'essas forças marcharem, vem novamente o governador, e diz: "Tudo se sanou, não me é preciso a força que requisitei, preciso que me seja confirmada a amnistia que concedi aos revoltosos, que sejam mantidas as minhas promessas".

E o que faz o governo, em vez de confirmar essa amnistia? Não a aceita, e teima em enviar forças, fazendo com isso grandes despezas, e envia um novo governador, quando já nada era preciso; quanto gastou com esse apparato não sei, porque ainda não vi a conta d'essas despezas, mas calculo que não podiam ser muito pequenas; e quando todos estavam na expectativa e esperavam ver punido o governador antigo, viu-se premiado com outra commissão de serviço, talvez mais importante; isto realmente admirou a todos que presencearam o que o governo fez.

Chegaram as forças á India, e que fizeram? Nada, porque, tudo estava sanado; mas como as promessas do antigo governador se não pozeram em pratica, e como se não tratou de evitar a verdadeira causa que existia do germen de discordia, as cousas voltaram á mesma, se não estão peiores; a India está cheia de salteadores, e todos os dias se lêem nos jornaes novas catastrophes.

E o que fez o novo governador em Macau? Para se manter foi mister supprimir as publicações do unico jornal que ali havia, trancar os typos e deportar para Timor o redactor! Eis-aqui está o que se vê ali. O expulso de Goa não cabia em Macau, e para ali viver, torna-se tyranno!

Voltâmo-nos para Moçambique, e o que vemos? Conservar-se o Bonga na sua aringa muito bem descansado, o d'onde ninguem ainda foi capaz de o desalojar. Foi o nosso governo que fez a expedição de 1868, que foi infeliz, contra a espectativa de todos nós; mas depois d'isso o que se tem feito para o desalojar? Nada, o Bonga continua zombando da bandeira portugueze.

Voltâmo-nos para a Africa occidental, e o que vemos tambem? A guerra com os Dembos, a immoralidade e anarchia no governo, e no entanto havia mais de um anno que muitos pares do reino e deputados requisitavam todos os dias ao governo que enviasse providencias para Angola, porque, por cartas que recebiamos, tinhamos conhecimento do que ali se passava, e o governo sem tomar em consideração os nossos pedidos, porque tinhamos informações que lhe não mereciam confiança, deixava-se adormecer pelo que diziam as suas communicações ofiiciaes, que de nada o preveniam; foi preciso para o despertar que um navio mercante vindo para Inglaterra, trouxesse a noticia de se achar caído e ensanguentado no meio da rua o governador da provincia. Esta noticia era tambem particular, e o governo que não tinha feito caso das cartas ou noticias particulares até ali, fe-lo só n'aquella occasião, quando já se achava assim desprestigiada a auctoridade. Acordou pois do seu lethargo, e veiu então a toda a pressa propor novas medidas ao parlamento, e pedir com toda a urgencia para ser auctorisado a mandar forças de mar e terra. Mandou portanto novo governador, e tudo trata de se apromptar para marchar para Angola.

As forças que tinham partido para o Dembo, regressaram para Angola, e o commandante foi mettido em conselho de guerra.

Mais ou menos justificadamente a opinião levantou-se contra o governador geral e houve um jornalista que lhe dirigiu diversas censuras; elle porem, tomando por norma o arbitrio, supprime o jornal e apodera-se-lhe da imprensa.

E, no fim de tudo isto, o que faz o governo para melhorar o estado d'aquella provincia, victima de uma auctoridade sem prestigio? Só quando lhe vieram noticias aterradoras, é que tomou providencias, e hoje para restabelecer a tranquillidade ha de custar muito mais dinheiro e muito mais sangue.

Agora vamos passar em revista os factos que se têem dado no continente.

Votam-se precipitadamente as leis de fazenda, sem se discutirem bem, n'uma palavra, quasi sem se pensarem! Promettem-se regulamentos que não se fazem, e mandam-se executar leis que os empregados não entendem. Estabelece-se a chamada anarchia tributaria; em uma parte manda-se executar a lei, em outra manda-se suspender a sua execução, para que a anarchia mansa não se tornasse viva. E foi n'estas circumstancias que o governo aconselhou uma viagem a El-Rei!

Eu não aconselharia tal viagem, não porque receiasse que a familia real fosse mal recebida, porque onde ella apparecer ha de o ser sempre bem, mas porque não me póde esquecer uma viagem que, ha annos, se fez ao Alemtejo, e que foi bem infeliz, escusando renovar os dolorosos transes passados.

O governo, porém, que esperava certas vantagens d'essa viagem, ficou desapontado, porque appareceram as representações contra as medidas tributarias e pedindo a convocação das côrtes.

Ás representações espontaneas respondeu elle com as contra-representações promovidas pelas auctoridades, que andavam de porta em porta, pedindo assignaturas a favor do governo!! Este expediente, afóra ser vilão e ascoroso, passara a ridiculo.

Depois despertou-se o paiz com a noticia de uma tenebrosa conspiração que se descobrira em Lisboa, e que ti-