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330 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

aquellas regiões, passam um ou dois domingos sem cumprirem o preceito da Igreja.

Pouco mais occuparei a attenção da camara e desde já vou apresentar a conclusão de tudo quanto tenho dito.

Se o padroado não é uma parte da nossa soberania, se não é um elemento de influencia, se não é um monumento de glorias passadas, o que é?

Quanto a mim é apenas um encargo, e mais nada. É um encargo pura e simplesmente, supportado em favor do, clero de Goa, que precisa ter prebendas, conezias e parcchias.

Vou concluir, sr. presidente, mas antes de o fazer não quero deixar de me referir a uma phrase que hontem pronunciei e que desejo esclarecer.

Disse eu que ficaria completamente satisfeito no dia cru que visse consignado na constituição do meu paiz o unico preceito que considero verdadeiro em materia de relação do estado com a Igreja, ou melhor, como eu não o disse, e como o disse Cavour, a Igreja livre no estado livre.

Defendendo esta doutrina defendo os meus principiou sociaes que me levam a negar ao estado o exercicio de direitos que pelo cidadão podem ser exercidos sem a sua intervenção e não vejo a necessidade d’elle, para que eu ou qualquer dos meus concidadãos subsidie o culto que mais lhe aprouver. Não póde haver justiça em obrigar o judeu, o protestante, (e não deixão por isso de ser cidadãos portuguezes) o proprio indifferente, a contribuirem para um culto que não seguem, para a propagação de uma fé que não é a sua, e se esta violencia recáe sobre um crente, porque tambem os ha fóra da religião catholica, fóra mesmo de qualquer religião, é um dos attentados mais crueis a que está sujeita a consciencia humana. Repito, obrigar qualquer a subsidiar um culto que a sua consciencia ou a sua educação repudiam, é um dos factos mais revoltosos que eu conheço.

Só n’uma hypothese seria admissivel o regimen da religião do estado, tal como existe em Portugal; quando num paiz nem um só homem deixasse de professar a religião subsidiada. Ora, embora a minha crença me diga que um dia ha de chegar em que a fé ha de ser uma só, a historia affirma-me que até hoje esse ideal nunca foi realisado.

Poude-se com extraordinaria violencia obter uma apparente unidade, mas mesmo então sempre appareceu um Galileu, que com o seu e pur si muove lavrava em presença ainda do tribunal que o condemnava um solemne protesto contra a violencia que lhe impunham. Obteve-se temporaria e apparente unidade, mas mal das valvulas, que em França se chamavam as dragonadas e na Peninsula a inquisição, se aliviava o peso que as mantinha, surgia um Voltaire a dizer que tinha sido baldado o esforço empregado, e um espirito como o de Voltaire não apparece isolado, provem sempre de uma longa geração de pensadores.

Venha pois a liberdade para todos, para os catholicos como para os que o não são, e que cada um adore e sirva Deus e a sua Igreja como lhe approuver, comtanto que o faça pelos proprios recursos e que se sujeite á lei que deve ser para todos.

Eu bem sei que espiritos eminentemente liberaes objectam, que, no actual estado de civilisação das massas, desde o momento que a religião catholica deixasse de ser a religião do estado, os inconvenientes eram maiores do que as vantagens. Não os temo. Parece-me facil o remedio. Está elle na propria liberdade e na melhor organisação da escola, tornada obrigatoria, e em que se ensine a verdade; a verdade historica e sobretudo a verdade politica, que essa anda muito esquecida pela Igreja e por ella muito deturpada. Não são factos de ha cem annos, são factos de hoje. Quem se esqueceu já que Pio, IX, um dos Papas que pelas .suas virtudes pessoaes maior brilho tem dado ao solio pontificio, mas tão bem um dos que pelo exaggero das suas doutrinas, filhas da sinceridade das suas crenças, mais contribuiu para lançar a sizania entre os fieis catholicos, entre os filhos da mesma nação, anathematysou no syllabus tudo quanto constituo a organisação social das nações modernas?

E não é porque a Igreja devesse desconhecer a verdade politica que desde a origem lhe foi revelada. Encontra-se no Evangelho onde tudo se encontra. Christo foi o primeiro que formulou a doutrina da Igreja livre no estado livre quando disse: «Dae a Cesar o que é de Cesar»; mas n’este caso, como em muitos, a letra matou o espirito, e como o Cesar de então era Tiberio; a Igreja entendeu que todos os Césares deviam ser Tiberios, e para ella Reis constitucionaes tutelados por assembléas, as proprias assembléas e os directorios não são Cesares.

O ideal para mim seria pois, sr. presidente, a completa separação da Igreja e do estado; mas como esse ideal está longe, e como, se eu não receio um regimen de liberdade em que á sombra da lei e respeitando-a cada qual exerça o seu ministerio como quizer, em congregações ou fóra d’ellas, receio pelo contrario a acção abusiva d’aquelles que a lei não reconhece, direi agora que emquanto a liberdade não for geral para todos, é necessario a maxima cautela, para que alguns não saiam dos limites que a, lei lhe impõe.

Prevejo, sr. presidente, que o que vou agora dizer me tornará para muitos ridiculo.

Não ignoro como hoje costuma ser acolhido o homem que se preoccupa com os jesuitas.

Provoca o sorriso, encolhem-se-lhe os hombros e diz-se-lhe: «Isso é de 1830, não é de hoje». Pois, apesar de todos estes inconvenientes, eu não hesito em confessar que tenho medo dos jesuitas, e por isso mesmo que os temo hei de combatei-os em toda a parte onde os encontrar.

Não sei qual será o meu futuro politico, creio mesmo que não terei futuro politico, sobretudo se continuar a usar da franqueza de que tenho usado ha dois dias n’esta casa. E não me preoccupo com isso porque as minhas ambições são curtas. Limitam-se, sr. presidente, a ter uma tribuna onde diga o que penso com a franqueza que me é propria; se for n’esta camara, a ser o successor de um membro d’ella que todos choramos, que todos respeitamos, e seu muito especialmente, o visconde de Fonte Arcada. (Riso.)

Ter uma tribuna onde com a liberdade e franqueza que me é garantida, tão livre de compromissos como hoje estou, possa louvar o que for louvavel, defender o que julgar defensivel, e censurar o que for digno de censura.

Com isto, sr. presidente, ficam as minhas ambições completamente satisfeitas.

Voltemos aos jesuitas. Por tal forma me preoccupam que eu não posso deixar de chamar a attenção do governo para os factos que se estão passando.

O sr. ministro da marinha, na occasião em que fallava o digno par que habitualmente se senta n’esta cadeira, a respeito dos frades, proferiu uma aparte, que talvez a camara não ouvisse, mas que eu ouvi; disse s. exa. quando o digno par insistia para que não houvesse frades nas colonias, que já lá os havia, e isto com satisfação, e eu acrescento que não os ha só lá, tambem já cá os ha.

S. exa. deseja interromper me?

O sr. Ministro da Marinha: — É unicamente para esclarecer um ponto. No meu aparte referia-me ás missões do Congo, que pelas estipulações do tratado de Berlim são livres, não só no Congo propriamente dito, mas em todo o valle do Congo, que é extensissimo, e abrange todos os territorios entre o Zambeze e o Zaire. Era a isso que me referia.

O Orador: — Estimei immenso que v. exa. me. interrompesse. Registo com satisfação a declaração do illustre ministro, porque d’ella concluo que não ha missionarios congreganistas senão no Congo; e ahi pouco me importa, porque, já o disse, creio pouco na colonisação d’aquella provincia, e não penso do mesmo modo com relação a Angola.