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328 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dito o contrario de tudo quanto se disse a respeito do Congo e já teria tido o gosto de ver a minha opinião, muito parecida com a que tenho sobre o padroado, confirmada por factos que já n’esta camara se revelaram. Não ha muitos dias que, não me lembra se o sr. Antonio de Serpa se o sr. Bocage, interpellou o governo para saber o que se fazia do Congo portuguez, porque se não nomeavam as auctoridades, porque se não organisava a provincia.

Se o Congo chegar a ser organisado, ha de viver sempre como o padroado, uma vida mesquinha, porque com os nossos limitados recursos, tendo ao lado d’elle Angola e por traz de Angola Moçambique, as perolas dos nossas possessões, seria um crime de lesa nação se distratássemos um real sequer d’aquellas colonias para o virmos gastar n’uma possessão que evidentemente nunca poderemos explorar proficuamente. Se na occasião do tratado do Congo eu estivesse, por desgraça rainha, occupando uma cadeira de ministro, não hesitaria em ceder de todos os direitos de soberania. E não havia que receiar que a gloria com isso se perdesse, pois havia de ficar consignada, reconhecida, homologada pela Europa inteira num tratado solemne e nunca mais depois d’este facto alguem ousaria contestar-nos a prioridade d’aquella descoberta. E mais alguma cousa havia de salvaguardar; se eu entendia que o estado não podia nem devia ambicionar a posse de novos territorios, nem por isso eu queria coarctar e pôr peias á iniciativa particular dos subditos de Portugal e havia de estipular, e era facil n’aquella occasião, que em todos os tempos fosse qual fosse o soberano a quem o Congo obedecesse, o portuguez, o representante do descobridor, havia de ser sempre privilegiado, havia de ter direitos iguaes, senão superiores, aos dos subditos d’esse soberano, e nunca inferiores aos que hoje lá tem. É possivel que depois dotal façanha a opinião publica desvairada, a meu ver, fizesse cair o ministerio a que pertencesse. Pouco me importava, caia abraçado a uma idéa, não ficava agarrado a uma cadeira contra os dictames da minha consciencia.

Deixando o incidente e voltando ao meu assumpto continuo no meu empenho em demonstrar que o padroado não é padrão de gloria que valha, a pena conservar.

Eu não venho aqui fazendo estendal de erudição, que não tenho, apresentar factos desconhecidos em favor da minha these cito apenas factos que todos conhecem e de que é licito tirar conclusões.

As glorias de Portugal não estão ligadas a assaltos a principes, que se, não podiam defender ou a roubos de pagodes. As nossas glorias nacionaes são mais subidas e de caracter puramente militar. Estão compendiadas na historia dos governos de D. Francisco de Almeida, de Affonso de Albuquerque e dos governadores, da India até D. João de Castro, e paro aqui. Não foi para propagar a fé que Affonso de Albuquerque atacou Aden, por duas vezes assaltou Ormuz e conquistou Malaca. Não era a cruz que empunhava, mas uma espada de boa tempera.

A sua idéa, o seu plano verdadeiramente genial realisou-o a Inglaterra seculos depois. Merecia ter sido inglez, merecia ter tido atraz de si uma Inglaterra, um paiz forte e poderoso que podesse colher os fructos da sua empreza?

Commemorará o padroado esta gloria? Não. Os chronistas quando narram estas façanhas inumeram cuidadosamente os homens que combateram, arrolam minuciosamente as armas empregadas, os berços, os leões, os espalhafatos e as panellas de polvora, e não nos dizem que ao missionario pertença o que o soldado realisou. Não desprezemos, pois, as glorias nacionaes, mas, por Deus, não chamemos gloria ao que o não é.

Alguem dirá que nem só as glorias militares são dignas de ser conservadas, e que as glorias religiosas se não lembram actos de força, provam a elevação do espirito dos nossos maiores, as suas virtudes e abnegação.

Não o contesto, nem desprezo as glorias religiosas mas sustento que não é ao estado que incumbe fazer sacrificios para as conservar, pertence á igreja, á igreja lusitana, não como parte integrante do estado portuguez, mas como parte inseparavel d’esse grande todo que constituo a igreja universal. Não é nos fastos das conquistas que devemos procurar os martyrios dos nossos sacerdotes, devem achar-se consignados nos annaes da fé catholica.

Para os que presam sobre tudo glorias d’esta ordem, direi de passagem, que não precisam ir á India, e fazer sacrificios, porque sem sair de Portugal as encontram, como poucos paizes as terão iguaes. Basta lembrar que duas das instituições mais elevadas devidas á fé religiosa, á piedade christã, são portuguezas: os hospitaleiros fundados por S. João da Cruz, um portuguez, cuja caridade, nem foi igualada por S. Vicente de Paula, porque se empregou em misteres mais repugnantes, e as misericordias, a mais completa das instituições de caridade, que ainda não póde ser igualada até hoje, fundada por uma minha portugueza, inspirada pelo seu confessor, que na verdade não era portuguez, o que não tira o merecimento á fundadora que o era.

Analysemos agora essas glorias religiosas, tão apregoadas, e que o padroado é destinado segundo dizem a conservar. Perguntarei: São todas de boa lei? A minha resposta é: Não.

Já hontem disse aqui, o que signifivaca no seculo XV o resgatar almas na costa de Africa; mostrei que devia ler-se: vender pretos. Agora tocarei em alguns pontos caracteristicos da nossa acção religiosa na India.

O digno par o sr. Costa Lobo mostrou o seu espanto pela fórma por que se faziam tão numerosas conversões e tantas ao mesmo tempo; trezentos, quatrocentos n’um dia. Voltem os tempos, voltem as circumstancias, e s. exa. verá como essa facilidade reapparece tambem. Se s. exa. examinar bem os auctores onde encontra essas narrações ha de ver sempre ou quasi sempre que o rajah que assim se convertia tinha um tio, um primo, um irmão, cujo throno usurpara, ou cuja usurpação temia e que, ao mesmo tempo que pedia a agua do baptismo, requisitava o troço de soldados que lhe consolidasse o solio; e estas conversões, em que a cruz ia escoltada pelas lanças, duravam o tempo que durava o interesse que as determinara, e não me consta que um só dos soberanos da India convertidos por esta fórma se conservasse na fé catholica. O trabalho paciente, diario, constante do missionario, e n’esse houve muito exemplo de virtude, de valor, muita palma de martyrio, era o que produzia resultados duraveis, e d’esse provem ainda hoje os subditos do padroado.

Tambem as chronicas registam e apontam como acções meritorias e serviços á fé a destruição dos templos pagãos. Vejamos em que consistiam. Estas expedições, verdade seja dita, foram quasi sempre de iniciativa particular. Dava-se a noticia que em tal ou tal ponto não muito distante do territorio occupado existia um pagode em que os Idolos cobertos de oiro e pedrarias eram detentores de thesouros fabulosos, e logo, a cubica despertava no animo de algum d’aquelles aventureiros.

Juntavam-se trinta ou quarenta d’aquelles homens, sem fé nem lei, que só confiavam na espada, e só pensavam em juntar o peculio com que haviam de voltar á patria, fosse qual fosse o meio por que o conseguissem e, verdadeiros piratas, destruiam o pagode e os idolos, mas recolhiam o oiro e a pedraria. Scenas d’estas são as sombras de tanto feito glorioso; não illustram, deslustram.

Para complemento, para fecho do edificio religioso que edificámos na India, veio finalmente a inquisição de Goa, a mais horrivel, a mais cruel, a mais tremenda manifestação d’aquelle nefando tribunal; pois se no reino a illustração relativa permittia que todos podessem ter conhecimento da doutrina catholica e eram justificaveis, se justificação podem ter, os meios empregados para conservar intacta a unidade da fé, como desculpar o uso dos mesmos rigores para com os indios imperfeitamente convertidos, ignorantes