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130 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

não restaria outro recurso senão a revolução ou o golpe de estado.

Todo o poder que não tem contrapeso converte-se em despotismo. No governo constitucional a realeza é contida pela responsabilidade dos ministros. A camara dos deputados póde ser contida pela imminencia da dissolução, e a camara dos pares não póde ser contida senão pelo receio de nomeações novas. O direito de nomear pares corresponde, no jogo do governo parlamentar, á faculdade de demittir os ministros e á de dissolver a camara dos deputados.-Esta faculdade constitue um recurso heroico, applicavel só em casos graves e extremos, para salvar a liberdade ou algum grande interesse do estado, e da qual nada ha que receiar, porque o Rei nunca governa só, mas precisa, sempre, do concurso dos ministros: e desde que o principio da responsabilidade ministerial está sanccionado na constituição, - desde que existe uma camara popular deliberante que com a sua intervenção concorre para a escolha dos ministros, e da qual depende a sua conservação, - desde que a confiança da nação é tão necessaria aos ministros como a confiança do Rei para o exercicio do poder, as instituições não correm perigo. - Com a responsabilidade ministerial a nação é sempre senhora dos seus destinos, sejam quaes forem as faculdades que compitam ao chefe do estado, e os defeitos ou imperfeições que possam notar-se na constituição. Com responsabilidade ministerial jámais se póde temer um governo pessoal.

Bastaria, porém, e seria sufficiente que a camara dos pares fosse nomeada pelo Rei, e não tivesse numero fixo para corresponder plenamente á missão a que é destinada, de medianeira e intermediaria entre os outros dois orgãos da soberania, fazendo-os manter sempre nos justos limites marcados á sua auctoridade? - Teria esta magistratura o poder, a independencia indispensavel para corresponder ao seu fim? - Seria ella bastante animada dos sentimentos de estabilidade que deve constituir o seu caracter?

Ao nosso legislador constituinte pareceu que não, e foi por isso que, alem de a tornar dependente exclusivamente da nomeação regia e de lhe dar a garantia da inamobilidade, a constituiu tambem hereditaria.

Não nos pertence discutir agora este principio, nem nos compete apreciar n'esta occasião a gravissima questão de hereditariedade do pariato, a qual tem dividido as opiniões dos mais eminentes publicistas, a dos homens d'estado mais notaveis, e a respeito da qual ainda estão divergentes as constituições dos paizes mais prosperos, mais livres e mais bem governados da Europa. - Este problema, para nós, está resolvido na constituição, e falta-nos a jurisdicção constitucional precisa para de novo a pôr em litigio e sujeital-a a nova resolução. - Escusado e inutil é portanto dar-lhe aqui o amplo desenvolvimento que comporta; mas não podemos fugir á tentação, e ao dever, de indicar que, no espirito da carta e na intenção do legislador, a hereditariedade do pariato não significa a idéa, nem envolve o pensamento, de estabelecer uma oligarchia de casta e de privilegio, isenta do cumprimento da lei, e da observancia da preceitos do direito commum.-Dizer que a hereditariedade do pariato constitue um privilegio, ou que offende o principio de igualdade, exclamava Mr. Thiers em 1831, é desconhecer que o pariato está aberto a todos os homens eminentes de todas as origens.

A hereditariedade do pariato foi estabelecida na carta para garantir a independencia da instituição, e para obviar á excessiva ascendencia que sobre ella teria o principe se fosse creatura exclusivamente sua, tornando mais raras as occasiões de fazer uso da prerogativa, e dos pretendentes recorrerem a elle. Não significa hostilidade contra o principio da liberdade, é, pelo contrario, uma garantia para ella, porque é um contrapeso posto á corôa, emquanto lhe diminue os meios de preponderancia e de influencia.

Muitos paizes na Europa ha ainda que são prosperos, livres e bem governados, e que admittem e conservam esta instituição. - Entre nós, a hereditariedade do pariato é um facto constitucional, do qual, em differentes periodos da nossa pequena historia moderna, já temos tirado fructo e proveito, porque o pariato na nossa terra nunca foi hostil á liberdade nem ao progresso util, e a justiça da nação não poderá esquecer os seus serviços.

Não desconhecemos, nem negâmos, que de todas as instituições constitucionaes a hereditariedade do pariato é aquella que com mais persistencia é repellida pela opinião, a qual se pronuncia sempre com tal violencia e paixão, que póde fazer nascer duvidas nos espiritos, ainda mais convictos, não ácerca da necessidade, mas sobre a possibilidade da sua conservação e permanencia. Apesar d'isto; reconhecendo quanto é imperiosa a força e a corrente das idéas, diremos com Benjamin Constant que, se é difficil introduzir o pariato hereditario nos paizes onde não existe, ha grande conveniencia e utilidade em conserval-o n'aquelles em que existe com vantagem.

II

A nomeação dos pares pertence ao Rei. - O pariato é hereditario. Mas o direito que tem a corôa de nomear pares será amplo, absoluto e illimitado?

Poderá o Rei, arbitraria e incondicionalmente, exercer esta prerogativa fóra de todas as condições de capacidade, escolha e acerto?

Poderá o principio da hereditariedade ser executado o applicado illimitadamente sem condição alguma de garantia para a sociedade e para o estado?

Poderá o exercicio do pariato depender, só e exclusivamente, do acaso do nascimento e da morte?

Deverá o exercicio d'esta magistratura ser uma consequencia inevitavel, impreterivel, forçosa, do facto da herança e da successão?

Que regras podem ser postas para o exercicio da faculdade que compete á corôa, e do direito que resulta da herança?

Quem póde estabelecer essas regras e legislar essas garantias necessarias ao bem da sociedade e do estado?

Taes são, senhores, as questões que o projecto submettido á nossa approvação procura resolver, - ou directa ou implicitamente.

Se a existencia de uma camara alta se admitte e justifica como protesto solemne contra o imperio exclusivo do principio do numero e como segurança de estabilidade nas instituições, - como garantia de madureza e de sabedoria na organisação das leis e na direcção dos negocios do estado, - como elemento protector e conservador de todas as forças vitaes da sociedade, as materiaes, as intellectuaes e as moraes, - e finalmente, como intermedio mediador entre o poder executivo e a camara popular; - é claro, é manifesto, que a entrada na camara senatorial e o exercicio d'esta alta magistratura politica, deve ser reservada, sempre e só, aos cidadãos eminentes e distinctos pela intelligencia, pela educação, pelos serviços prestados ao paiz, e pelos grandes interesses que representam; - a todos aquelles que, sem differença de origem, se elevam acima do commum e do vulgar; - a todos os recem chegados do talento e do trabalho, em fórma a attestar que o principio da igualdade civil e politica, admittida e proclamada nas nossas leis, se distingue essencialmente do nivelamento grosseiro e baixo que annulla todas as superioridades legitimas.

Em todas as sociedades, senhores, ainda nas mais igualitarias e democraticas, forma-se sempre uma classe de homens distinctos pola intelligencia, pelo talento, pela coragem e pelos serviços; e é aos representantes deáta classe que deve pertencer, a quem compete, o exercicio da alta magistratura politica a que nos referimos, para lhe dar lustre e prestigio superior ao nivel do corpo politico que é nomeado pelo suffragio popular.

Esta primeira classe constitue, em verdade, e constituirá sempre em toda a parte, minoria; mas é certo tambem que o governo dos estados foi e será sempre obra