274 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Sinto amargamente esta observação, sobretudo partindo de um homem tão illustrado como é aquelle nosso collega que a apresentou.
Longe de mim fazer a mais pequena reflexão sobre a dignidade e independencia de todos os meus collegas, que foram agraciados com a regia nomeação, presto-lhes inteira homenagem de profunda consideração e respeito; todavia, não posso deixar de dizer, que a resposta não veiu contrariar os meus argumentos. Eu não discutia pessoas, nem hypotheses, faltava em these, não me referia ao presente, acautelava só o futuro.
Limitei-me a provar a inconveniencia do principio que, sendo estabelecido, virá fazer com que esta camara no futuro se componha quasi exclusivamente de funccionarios publicos, o que não assegura certamente as condições de sua existencia nos tempos difficeis em que se manifestam as grandes crises.
N'este projecto, sr. presidente, ha no artigo 4.° categorias, que são mesmo de molde para serem aproveitadas no cerceamento da hereditaridade em proveito do governo. O governo não julgava no principio que o projecto lhe era tão util, hoje gosta mais d'elle.
Ha uma categoria, e peço a attenção da camara, porque este argumento não é dos mais fracos, ha uma categoria que se refere aos deputados. Os deputados em oito sessões legislativas ordinarias podem ser nomeados pares do reino. Perfeitamente; mas esta categoria applicada ao principio hereditario é admiravel nas suas consequencias!
Ha, por exemplo, um candidato a par do reino por successão a quem não faltam os requisitos de rendimento e habilitação litteraria, mas não está comprehendido em nenhuma das categorias, que lhe são exigidas pelo n.° 5.° do artigo 5.° da lei, se for deputado durante oito sessões legislativas ordinarias está tudo salvo. E o que acontece?
O ministro diz-lhe: "Quereis entrar na camara dos pares, sede meu deputado."
A phrase não é impropria, ainda ultimamente o sr. Dias Ferreira, fazendo a analyse do nosso systema eleitoral, explicava na camara dos senhores deputados, a influencia dos governos em materia de eleições.
O candidato a par, o futuro par por successão acceita o obsequio do ministro, entra na camara dos deputados debaixo da influencia do governo que o elegeu, que tem um deputado ministerial, e que mais tarde quer ter na camara dos pares mais um voto ás suas ordens. O pae do candidato, cujo nome está ligado ao do filho, e que deseja que elle lhe succeda no pariato, vê-se, pelas ligações que o filho contrahiu com o governo, e pela dependencia de não arriscar a posição futura de representante do seu nome, em graves difficuldades, e certamente não vota contra o ministerio, que folga como governo, vendo por esta fórma adquiridos dois votos em proveito da sua politica! Sabia lei!
É escusado declarar que eu fallo na generalidade, e que me não refiro a um determinado governo.
Aqui está, sr. presidente, por tanto uma influencia directa que o ministro póde exercer, collocando n'esta agradadavel situação aquelle que tem um direito manifesto, derivado do artigo 39.° da carta.
Estas bellezas nascem do excellente principio das categorias, que traz os inconvenientes que aponto, inconvenientes que se não encontravam na lei de 1845, que bom executada e melhorada garante a indepencia e illustração, e não actua de fórma alguma sobre a independencia dos que succedem n'esta casa por direito de hereditariedade.
Sr. presidente, eu agora, vou referir-me especialmente a um argumento da commissão apresentado no seu parecer.
Diz assim o parecer:
"Não faltam tambem precedentes dos parlamentos estrangeiros. Na Inglaterra, em 1856, deixou de ser acceito e admittido pela camara dos pares sir James Parcke, conhecido depois pelo nome de lord Wensleylade, o qual pela minha Victoria havia sido nomeado par vitalicio. Este facto e exemplo prova, clara e evidentemente, que a camara dos pares está ali no direito, e na posse, de verificar a legalidade das nomeações feitas pela corôa."
Sr. presidente, já respondi emquanto ao argumento do parecer, tirado da legislação franceza, já ponderei que as categorias foram estabelecidas em França, exactamente quando se extinguiu a hereditariedade.
Relativamente á legislação hespanhola, ponderei eu que acho excellente o artigo 15.° da constituição d'aquelle paiz; mas que este artigo não está na nossa constituição.
Pelo que respeita á Inglaterra, sinto que a illustre commissão apresentasse este argumento, porque é contraproducente, e o caso da Inglaterra prova exactamente o contrario.
Eu dei-me ao trabalho de ler a discussão que teve logar na camara ingleza, e peço licença para referir o que lá se passou.
Não se tratou de contestar a nomeação regia, polo direito que possa ter a camara de o fazer; o que se duvidou foi da constitucionalidade do acto, o que é uma cousa muito differente.
A corôa tinha nomeado um par vitalicio, estabelecendo portanto a possibilidade de haver pares hereditarios e vitalicios, e a camara o que discutiu foi se a constituição auctorisava a corôa a nomear pares vitalicios.
Esta é que foi a questão.
Contarei em poucas palavras, como foi esta crise difficil, que houve no parlamento britannico.
Em Inglaterra, a camara dos lords tem attribuições de supremo tribunal de justiça.
Até ao tempo de Carlos II houve uma junta consultiva do jurisconsultos, que acompanhava a camara em todas aquellas deliberações, que ella tivesse de tomar sobre os processos sujeitos á sua apreciação.
Depois de Carlos II caíu esta pratica em desuso, os jurisconsultos deixaram do ser convocados e todavia a camara continuou a exercer a sua alta prerogativa.
De direito todos os lords são membros d'este tribunal, que representa e é a propria camara; mas, de facto, é só composto dos pares jurisconsultos law lords, e os outros collegas não tomam parte no exame dos processos; comtudo, como o tribunal é a camara, assistem por escala mais dois outros pares, que ignoram completamente os assumptos submettidos ao debate, pois sendo adventicios de um dia, no dia immediato serão substituidos, e estranhos ás funcções que exercem, dormem, têem ou passeiam até que a hora de encerrar a sessão os livra da desagradavel audiencia a que por dever tiveram de assistir.
Em 1856, quando teve logar a crise a que me reporto, o numero dos pares jurisconsultos era muito limitado, havia lord Lyndhurst e lord Campbell, ambos de idade provecta, lord Brougham, o chanceller e mais outro lord, ao todo cinco, as reuniões do tribunal celebravam-se com difficuldade, e, como o parlamento não funcciona todo o anno, por todas estas rasões os processos tinham um longo empate.
Acontecia muitas vezes a commissão deixar de todo de se reunir, e d'ahi resultava ficarem adiadas questões gravissimas d'uma sessão legislativa para outra, com grave transtorno dos interessados.
N'esta s circumstancias a corôa pensou em nomear para o serviço da commissão mais algum jurisconsulto; mas como os juizes geralmente não são ricos em Inglaterra, nenhum queria acceitar similhante honra para não crear ao successor um encargo superior ás forças da fortuna particular do agraciado.
Fundar, por meio de pensões em duas vidas, como se pratica com os lords chancelleres, um quasi morgado para os novos pares, era estabelecer á custa do thesouro um mau precedente, e as consequencias seriam pouco agradaveis.
A corôa então entendeu que devia nomear, para estabelecer precedente, um par vitalicio, a fim de serem resolvi-