O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 289

emquanto mais ou menos latentes e dissimulados, é summamente perigosa n'uma camara que se póde proclamar permanente e indissoluvel, porque a nossa theoria constitucional é que os poderes publicos são sómente os mencionados na carta e com as attribuições restrictas n'ella tambem indicadas.

Nenhuma disposição da carta auctorisa a corôa a dissolver uma camara revisora, emquanto esta não cumprir o seu mandato. A logica tambem o affirma, pois se o Rei só póde dissolver uma camara convocando logo outra, como ha de dissolver quando não póde convocar camara constituinte? Desejamos nós ver repetidas no paiz as scenas que ha tres annos se estão passando na Noruega?

Tenciono não tomar hoje muito tempo á camara, porem lembrou-me agora está referencia. O plano de reforma da camara dos pares approxima-nos muito da organisação do Storihing na Noruega.

Para complemento da similhança, já ouvi affirmar que á camara dos deputados devia competir a eleição de uma parte dos membros d'esta assembléa.

Ora, sr. presidente, eu entendo que a amovibilidade é incompativel com as funcções de par do reino, com as idéas que lhes andam associadas, com as tradições que esta dignidade representa. Um par do reino temporario, amovivel e dissoluvel é uma contradicção nos termos, é um absurdo politico.

Esta camara acaba pela reforma, haverá outra segunda ou primeira camara, haverá um senado, que assim convem que se chame a nova assembléa, se a todos os seus defeitos não quizer acrescentar o ridiculo e o absurdo.

Hoje mesmo já todos affirmam que a camara já não é uma camara de pares na verdadeira accepção da palavra. Que será depois da reforma? Quando muito um senado.

O senado terá membros amoviveis e inamoviveis, como acontece com o senado francez.

Mas quem possue algumas, ainda que ligeiras noções de historia, póde reconhecer que n'uma assembléa vitalicia a admissão pelo suffragio é um elemento de discordia permanente.

Apesar dos serviços prestados á republica pelos senadores inamoviveis, que Leão Gambetta havia introduzido no primeiro senado d'esta terceira republica franceza, o grito hoje dos partidos avançados, o pretexto para a revisão constitucional que se pretende em França e que o sr. Ferry só quer conceder fixando-se previamente até onde poderá chegar, é a abolição do senado inamovivel.

Os accordos não são só da nossa politica, fazem-se em toda a parte, mas sempre ha n'elles uma parte illudida, sempre quem, cego pela cobiça ou pelo odio, subscreva condições que apressam a sua propria ruina.

O sr. Gambetta como habil politico, explorou nas eleições senatoriaes o odio profundo que existia entre legitimistas e orleanistas e concedendo aos legitimistas uns quinze senadores, na alliança eleitoral que fizeram, reservou para o partido republicano perto de cincoenta. Foram estes a base da resistencia á reacção de 1877, foram os salvadores da republica, mas nem por isso lhes perdoou a inveja democratica e o fim dos senadores inamoviveis em França é questão de pouco tempo, de mezes talvez. Pois nós com o pretexto de acabar com as luctas politicas vamos introduzir n'esta camara um elemento que necessariamente trará comsigo uma lucta e um antagonismo no seu proprio seio!

É a maior das illusões imaginar-se que por esta fórma se póde pôr termo ás luctas politicas e evital-as no futuro.

Tudo o que se tem feito, tudo o que provavelmente se vae fazer, abalando as bases do nosso edificio politico, vae antes favorecer as luctas politicas, porque vae dar animo e estimulo aos partidos que até agora não entraram na unica politica que o sr. presidente do conselho reconhece, á que é feita na maior parte pelo pessoal das secretarias e gira em torno d'ellas, um parlamento onde o elemento dynamico é representado pelos que querem ser empregados e o statico pelos que já o são.

Ha outros politicos que se estão ensaiando e apercebendo e que se lhes dermos ensejo não tardarão a obrigar-nos a contar com elles. A crise é inevitavel e em vez; de a conjurarmos, apressamol-a desviando as forças e as attenções das questões de administração, pois só uma boa e vigilante administração nos póde salvar.

É isto o que diz o sr. ministro da fazenda no seu recente relatorio sobre o estado da fazenda publica, muitissimo notavel pela lucidez com que s. exa. comprehendeu o verdadeiro estado das nossas finanças, e o unico remedio que as póde salvar, depois de attingido o maximo dos tributos possiveis se é que alguns não ultrapassam já o ponto em que cessam de produzir e se tornam obstaculos ao progresso da riqueza publica.

É muito louvavel que o illustre ministro fallasse ao paiz com tanta franqueza, embora não pareça ser o melhor meio de preparar-se para pedir emprestado, levar á evidencia que se não póde prescindir de emprestimos.

A questão de fazenda é muito complicada e presta-se ás mais habeis manipulações, e phantasiosas e illusorias apparencias.

Nós temos orçamentos rectificados e não rectificados, temos contas de gerencia e de exercicio, e saldos escripturados e não escripturados, e mil outros elementos de confusão.

Reduzindo tudo á expressão mais simples, a formulas accessiveis a cabeças não financeiras, cifra-se a questão de fazenda no seguinte: Em 1880 pedimos emprestados réis 18.000:000$000, em 1884, ainda no primeiro semestre, já pedimos 4.089:000$000 réis, e estamo-nos habilitando a pedir mais 18.000:000$000 réis.

Dividindo estes 22.000:000$000 réis por tres annos, será facil achar o deficit correspondente a cada um, e como dos orçamentos consta qual a somma destinada a despezas extraordinarias, a differença indicará o deficit ordinario.

Parece-me que esta demonstração é clara. Ora, não podemos augmentar os impostos, nem reduzir as despezas, antes devemos preparar-nos para as ver augmentar. Que resta? Pedir emprestado.

O sr. ministro da fazenda, confessando francamente qual era a situação financeira do paiz, mostrou tambem que a unica maneira de se salvar era uma administração rigorosa e methodica, e as providencias que já tomou e se prepara a adoptar em relação ao serviço das alfandegas são manifestas provas do seu zelo, e de que elle deseja entrar francamente n'este caminho.

Sr. presidente, se este é o unico meio que nos póde salvas, digo francamente que o remedio das reformas politicas é dos peiores, porque todos nós sabemos quaes são os effeitos salutares que as eleições produzem na administração publica, e como se trata de uma camara constituinte ou revisora, esses effeitos duplicarão de intensidade.

É doloroso ver que os negocios publicos e os mais caros interesses do paiz, como são o seu futuro e a sua independencia, são tratados assim com a maxima ligeireza e com o mais condemnavel indifferentismo.

Invoca-se a necessidade da reforma da camara dos pares, e introduz-se n'ella o principio electivo, exactamente na occasião em que todos reconhecem que o suffragio está viciado, e que o resultado das eleições não traduz a vontade do paiz!

Esta serie de incoherencias, este ininterrupto desfilar de contradições, confrange dolorosamente o homem publico, que examina desapaixonadamente a marcha de acontecimentos que nos ha de levar a um futuro pouco para nos alegrar.

Na questão de fazenda existe o que a evidencia dos factos demonstra de uma maneira formal e completa, e nas questões de politica e de administração reina uma anarchia