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SESSÃO N.° 42 DE 17 DE AGOSTO DE 1908 9

formação das leis, dando ou negando, livremente, a sua sancção aos decretos das Côrtes Geraes, em que situação moral fica elle collocado perante o seu Pais, tendo de resolver por si, definitivamente, o pleito entre o Estado e a Casa Real, que directa e essencialmente lhe interessa?

Se a commissão burocratica condemnar a Casa Real e as Côrtes Geraes a absolverem, o Rei, sanccionando, no seu interesse, o decreto absolutorio das Côrtes, expõe-se aos azares de discussões apaixonadas. Mas tambem é certa que, não sanccionando o decreto absolutorio das Côrtes, nem por isso se executa a discussão da commissão por, falta de approvação legal.

Se a commissão burocratica condemnar a Casa Real e o decreto das Côrtes condemnar esta decisão, o Rei, não usando do veto contra este decreta pôr temor da opinião, apesar de cônscio da sua justiça, está verdadeiramente coacto no exercicio da sua pre rogativa; mas, usando do veto, absolve por si só e no seu interesse, a Casa Real da condemnação que lhe fôra imposta pela commissão e pelo Parlamento, o que exporá o Rei a toda a casta de censura e a todas as mordeduras venenosas da maledicencia.

Vale a pena reflectir um pouco nisto.

E, tambem, que inversão e até que perversão de principios esta de fazer do Parlamento juiz de um litigio meramente civil, uma liquidação de contas, ente o Estado e a Casa Real?

As Côrtes a julgarem uma questão de dinheiro entre os respectivos interessados, quando mesmo fosse regular na forma depois de uma lei tal autorizar, seria sempre, no fundo das cousas, repugnante e contrario á divisão e independencia dos poderes politicos. O poder legislativo a julgar! Já causa engulhos o artigo 41.°, § 1.° da Carta, quanto mais isto.

Dirá tambem a respeito do artigo õ.° que elle é como que o instrumento de um contrato leonino entre a Casa Real e o Estado, em favor d'aquella e contra este. A demonstração é facil.

Em primeiro logar no caso que, aliás parece absurdo, de o Estado vir a ser declarado devedor, na o ha para o pagamento do seu debito o mesmo favor que se concede á Casa Real, se ella for a devedora, como provavelmente é.

Em segundo logar, é quasi incomprehensivel, á força de injustificavel, a forma de pagamento concedida á Casa Real em vinte prestações annuaes de 5 por cento do debito que se liquidar. Isto é, mediante o pagamento apenas do juro, aliás modico, de 5 por cento do capital adeantado, a Casa Real satisfaz assim a sua divida de capital e juros!

E sobre isto, poucas ponderações mais.

A quantia adeantada á Casa Real pelo Estado, deve ser havida como proveniente da divida fluctuante d'este, que, desde muitos annos, fecha sempre com deficit os seus orçamentos. E, concedendo mesmo que o Estado só pague por tal quantia o juro de 5 por cento, que vae receber da Casa Real durante vinte annos, é certo que, consolidada a divida fluctuante, como não pode deixar de ser, o Estado ficará sendo eternamente devedor do capital adeantado e pagando por todas as gerações os respectivos juros da consolidação.

Comprehendia que a nação renunciasse ao seu credito sobre a herança do Rei D. Carlos: a nação é pobre, mas foi sempre bizarra. Repugnam-me, porem, como jurisconsulto e como juiz, os contratos leoninos.

Contratos assim, numa administração particular, seriam motivo para interdição por prodigalidade e talvez por demencia; mas na administração publica são... o que são.

Por estes motivos, voto, em minha consciencia, contra o artigo 5.° do projecto, que ainda é peor do que o artigo 5.° da proposta governamental, e que representa, pelo menos, uma grande injustiça, alem de amesquinhar o honrado proposito de El-Rei, de pagar a divida de seu Augusto Pae á nação.

E faço isto sem exclamações de nenhuma especie, porque, não sendo jacobino nem realista, não desejo, em caso algum, gritar nem «Aqui d'El-Rei contra o Povo», nem «aqui do Povo contra o Rei».

Justiça a todos é a minha divisa, e tambem o meu officio.

Supponhamos, porem, que o artigo 5.° do projecto é approvado. Como ha de a commissão burocratica proceder á liquidação das contas entre o Estado e a Casa Real?

Não o diz o artigo.

Não o dizem tambem os relatorios, nem do Governo nem das commissões de fazenda das duas casas do Parlamento, que são, a tal respeito, como em tudo, uma especie de canis mutus de Isaias.

É, porem, forçoso que a commissão burocratica ouça as partes interessadas na contenda, o Estado e a Casa Real, para que cada uma exponha as suas pretensões e offereça as provas de qualquer especie que tiver, sem deixar tambem de proceder officiosamente a quaesquer investigações necessarias ou convenientes para o bom desempenho da sua ardua e difficil missão.

Nem se comprehende que, honesta e sensatamente, se proceda de outro modo.

E depois, sobre o processo assim instruido, é que a commissão burocratica deve proferir a Sua decisão.

Cautela, porem!

No decreto de 30 de agosto de 1907, o proprio Rei D. Carlos reconheceu a existencia de adeantamentos a descoberto, feitos pelo Estado á Casa Real, na importancia de 771:715$700 réis.

E, pretendendo-se no mesmo decreto compensar, em parte, este debito com a privação perpetua de alguns bens da Coroa, arrendados ao Estado, claro é que se tratava de rendas futuras, e tanto assim que na parte já citada do relatorio do mesmo decreto se declaram esgotados (em 30 de agosto de 1907, note-se bem) os pagamentos autorizados pela lei de 12 de junho de 1901, a qual lei, no artigo 19.°, § unico, alinea a) de excepção permanente, «autorizou o Governo a pagar á Administração da Fazenda da Casa Real a importancia das rendas dos predios pertencentes á mesma casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir, nos termos d'esta lei, os creditos especiaes necessarios».

Ora não vá acontecer que, perante a commissão burocratica, sejam as cousas dispostas e preparadas e por ella definidas de maneira que, a pretexto de rendas ou qualquer outro, aquelle saldo em favor do Estado seja diminuido ainda e até mesmo invertido a favor da Casa Real! Cautela, pois.

E o Estado, usufruindo alguns dos predios da Coroa, será obrigado a pagar renda d'elles á Casa Real?

Por outra forma: poderá a Casa Real dar de arrendamento, e determinadamente ao Estado, os alludidos predios?

Conforme o artigo 2.° do decreto de 18 de marco de 1834, os palacios de Queluz, Bemposia, Alfeite, Samora Correia e Murteira, casas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da Carta Constitucional.

Quer dizer, todos esses bens, aquelles como estes, uns e outros, foram destinados á decencia e recreio da Rainha.

Nem a disposição literal do decreto dá outro sentido.

Ora, se todos esses predios, os que tinham sido do extincto Infantado e os de que trata o artigo 80.° da Carta, foram destinados á decencia e recreio dos Reis pelo dito decreto de 1834 e pelas leis posteriores de 16 de julho de 1805, de 11 de fevereiro de 1862 e de 28 de junho de 1890, parece que os Reis não podiam dar-lhes outro destino e fazer negocio com elles, sem contrariarem fundamentalmente os intuitos da nação.

Arrendamento não é manifestamente decencia e recreio.

E porem certo que, nos termos ex-