4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
feito e o Governo se teria visto em serios embaraços, porque a occasião era péssima, devido principalmente aos negocios da America, e que só com homens d'aquella importancia financeira se teria podido conseguir.
Nas actas lê se que o mesmo presidente do conselho de administração em resposta a um accionista historiara as negociações em que interveio por parte do Governo o Sr. Mello e Sousa, não podendo indicar as actas que se referiam ao caso.
Quanto ás referencias aos politicos, o relatorio do commissario regio nada diz; por isso, pedi-lhe informações especiaes a esse respeito, por meio do officio do Secretario Geral do Ministerio da Fazenda.
(Leu}.
O commissario regio, que tem estado gravemente doente ha dias, mandou dizer que ámanhã daria a resposta.
Logo que ella vier, darei conhecimento á Camara.
O Governo entende dever mandar todos estes documentos á Procuradoria Geral da Coroa para ella proceder como for legal.
No relatorio da companhia não se allude effectivamente aos 50 contos de réis com que ella é obrigada a contribuir para o Estado pela importancia minima garantida na partilha de lucros.
Essa quantia está, porem, inscrita no Orçamento Geral do Estado e o Governo ha de, em tempo competente, obrigar a companhia a pagá-la.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil
O Sr. Francisco José de Medeiros: — Começo por felicitar o Digno Par Sr. Dias Costa, pelo seu excellente discurso, na ultima sessão. Excel lente como todos os discursos que S. Exa. profere, sempre bem falados, bem argumentados, e sempre mais ou menos mordentes. Hei de referir-me mais de uma vez a esse notavel discurso no decorrer da minha modesta, oração, na qual me proponho apreciar, sem preoccupações politicas de qualquer especie, o projecto em discussão, tendente a fixar a lista civil de El-Rei o Senhor D. Manuel II, a elevar a dotação, ou sejam os alimentos do Senhor Infante D. Affonso, a liquidar as contas entre o Estado e a Casa Real, e a estabelecer uma forma original e unica de pagamento do respectivo saldo, que nessa liquidação for apurado contra a Casa Real.
Sem quaesquer preoccupações politicas, porque não sou opposicionista, nem ministerial. Não sou opposicionista porque, a meu juizo, o Governo tem procedido melhor do que peor, e se não tem feito cousas grandes, tambem não ha causado grandes males.
Não sou ministerial, porque não tenho a honra de fazer parte da actual concentração monarchica, como nunca tive o gosto amargo de me associar á colligação liberal franco-progressista, lembrado sempre do aphorismo corrente em Westminster, de que, quando os dois bancos, ou sejam os dois partidos constitucionaes, se juntam, mal vae á causa da liberdade. Nem opposicionista, nem ministerial, mas sempre progressista, embora um pouco fora da moda, menos por vontade propria, do que pela força inlutavel das cousas.
Como os tem pôs mudam, e para peor! Quando em 16 de fevereiro de 1827 a mesa ou commissão de fazenda desta Camara deu o seu parecer sobre a dotação da Familia Real, e na qual era attribuida á Rainha D. Maria II a quantia de 1 conto de réis por dia, disse ella no respectivo relatorio o seguinte :
A mesa dos negocios da fazenda, considerando a importancia do objecto sobre o qual tem a dar o seu parecer, e as difficuldades que se lhe offerecem, pelas circunstancias em combinar a indispensavel e decorosa sustentação do Throno e de tão augustas personagens com o estado actual da Fazenda Publica, perplexa tem procurado todos os meios que pode escogitar, para desempenhar, como é do seu dever, lima tão ardua, delicada e difficil tarefa, offerecendo e submettendo á sabedoria d'esta Camara as observações que lhe occorreram, á vista dos documentos que lhe forem apresentados.
A illustre commissão de fazenda de 1908, signataria do projecto em discussão, nada diz que se pareça com isto; nada mesmo diz, em absoluto, no seu relatorio quanto á dotação do Rei. Quem ler esse relatorio fica ignorando se a commissão teve ou não presentes quaesquer documentos, e se procurou e escogitou ou não os necessarios meios de bem cumprir a sua difficil missão. Km face do relatorio da commissão de 1903 não pode dizer-se d'ella, o que de si disse a sua antecessora de 1827. E se assim não é, venham as declarações e provas em contrario.
A leitura da discussão que o alludido parecer de 1827 teve na sessão d'esta Camara, de 21 de fevereiro d'esse anno, convence de que a mesma Camara ponderou então os diversos capitulos de despesa da administração da Casa Real, como: ucharia, criadagem de toda a especie, cavallariças, rações, pensões, esmolas, casas pagas, etc. E tão desordenada era nesse tempo a administração d'essa Casa, que o Conde de Linhares dizia na mesma sessão de 21 de fevereiro que apor uma pessoa util se sustentavam dez inuteis e sem emprego, e que, julgando a Nação pagar para o bem estar e esplendor do Throno e dos Principes, nada mais fazia do que pagar uma longa folha de pensões, beneficios, esmolas e sinecuras, e isto tudo sem estar sujeito a fiscalização alguma, e sem norma nem regulamento».
Sem quaesquer preoccupações politicas, porque, monarchico, não tenho comtudo a paixão da realeza, e, liberal acima de tudo, nem por isso tenho a paixão do povo. E que o fetichismo da monarchia conduz fatalmente ao direito divino dos réis, assim como o fanatismo do povo leva do mesmo modo ao direito divino das multidões; e eu não sigo por nenhum d'estes caminhos, que ambos acabam num precipicio.
Nenhuma paixão me inspira ou dirige a palavra, e sobretudo me consola que nenhum interesse me determina a vontade.
Apreciarei, portanto, o projecto em discussão em toda a sua contextura, com absoluta imparcialidade, como quem só trata de bem cumprir os seus deveres de homem publico, tendo sempre o maximo respeito pelas pessoas, e completa intransigencia nas ideias.
Tendo algumas observações a fazer a diversos artigos do projecto, é todavia por causa do artigo 5.° d'elle que entro nesta discussão, pois hei de combatê-lo, tanto quanto puder.
Emquanto ao artigo 1.° do projecto, que fixa em 1 conto de réis por dia a dotação de El-Rei o Senhor D. Manuel II, voto esta quantia pelo unico fundamento de ter sido essa tambem a dotação dos Reis D. João VI, D. Maria II, D. Pedro V, D. Luiz I e D. Carlos I; mas faço-o com o espirito duvidoso e com a consciencia incerta. E direi os motivos da minha duvida, e da minha incerteza.
Será demasiada, será diminuta, será bastante essa dotação de 1 conto de réis diarios para o Rei sustentar o decoro da sua alta dignidade, como diz o artigo 80.° da Carta Constitucional?
Quaes foram, neste ponto, os fundamentos ou bases em que o Governo e as commissões de fazenda das duas casas do Parlamento assentaram, aquelle a sua proposta e estas os seus pareceres ou projectos, não optando por outra qualquer quantia?
Nem o relatorio do Governo, nem os relatorios das commissões conteem quaesquer esclarecimentos a tal respeito; e todavia elles eram uteis para se averiguar se o que se propõe é bom e, no caso negativo, o que de melhor e mais justo tem a fazer-se.
Assombroso! Por cada pessoa util, dez vadios. E era para estes vadios que ia a parte das decimas destinadas ao esplendor do throno e ao bem estar dos principes. Que jacobino não seria hoje este Conde de Linhares !...
Acontecerá agora o mesmo? Será