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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

será abonada para despesas da Casa Real, qualquer que seja a sua natureza ou denominação.

Esta disposição será tão inutil como o foi a disposição igual do artigo 6.° da lei de 28 de junho de 1890, que regulou a lista civil do ultimo reinado, e que já vinha de analogas leis anteriores.

O artigo 6.° d'esta lei não obstou a que no ultimo reinado se fizessem illegalmente adeantamentos a descoberto á Casa Real na importancia de réis 771:715$700, confessados pelo proprio Rei D. Carlos no citado decreto de 30 de agosto de 1907, e a que se fizessem tambem despesas desvairadas e loucas, de milhares de contos de réis, com os Paços Reaes e com as reaes cavallariças, com viagens escusadas e varias outras cousas desnecessarias.

Será da mesma forma inutil o artigo 4.° do projecto em discussão.

E tão inutil que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena já nos disse que nenhuma duvida teria, como Ministro, em pagar as dividas futuras do Rei, se o visse accionado por ellas nos tribunaes ou noutro caso assim apertado!

Nem contra a delapidação dos dinheiros publicos teve efficacia, como intimidação racional, o artigo 403.°, com relação ao artigo 421.° do Codigo Penal, pela falta de uma lei de responsabilidade ministerial.

Parece-me que o remedio para esse mal enorme, de que tem enfermado a administração publica, viria em grande parte de uma lei de responsabilidade ministerial, que feita, aliás, sem a abominavel apprehensão melancolica de que os Ministros são deshonestos só pelo facto de serem Ministros, e executada com firmeza, embora sem uma misantropia facil para todas as provas e severa para todas as penas, transmudasse todavia a dita responsabilidade de uma cousa pittoresca, que é agora, noutra cousa seria, como deve ser.

Mas tal lei nunca virá, por ser um verdadeiro perigo para todos os que teem governado e queiram governar arbitrariamente, contra a lei e contra o interesse publico ; e a responsabilidade ministerial, por isso, não passará jamais de um mero artificio de rhetorica politica, empregado por uns ambiciosos em disponibilidade, contra outros ambiciosos em exercicio.

Referir-me-hei agora ao famoso artigo 5.° do projecto, que imprudentemente engancha na questão da dotação do Rei a liquidação das contas entre o Estado e a Casa Real, ou seja a questão dos adeantamentos a descoberto feitos por aquelle a esta. O artigo 5.° é a minha delenda Carthago.

Começo por protestar contra as palavras do illustre Presidente do Conselho de Ministros, quando na sessão

j d'esta Camara de 5 do corrente mês, e segundo o respectivo Summario a pag. 328, disse que «quem votasse contra o artigo 5.° collocaria sobre a cabeça de El-Rei a insinuação de que o jovem e sympathico monarcha quisera, na carta que lhe escreveu, representar uma comedia indigna».

Taes palavras teem todas as apparencias de uma violencia á consciencia de cada membro d'esta Camara, que toda respeita profundamente o augusto Chefe do Estado. E por mim tenho a declarar que, votando liberrimamente contra o famoso artigo 5.°, o meu voto não poderá significar de modo algum aquella insinuação de indignidade, e só mente significará o meu protesto contra o que se me afigura uma grande injustiça.

E demais, para que tal irritação da parte do illustre Ministro, se El-Rei na sua alludida carta de 5 de fevereiro ultimo só fala do recebimento d'aquillo que o Parlamento lhe votar, e não do pagamento das dividas do seu augusto pae?

O artigo 5.° entrega a uma commissão burocratica especial a liquidação e estatue que «a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real em prestações semestraes não inferiores a 5 por cento d'essa quantia, até integral pagamento».

Havendo já uma commissão de inquerito parlamentar eleita pela Camara dos Senhores Deputados nos termos e para os effeitos dos artigos 15.° § 3.°, 36.° § 1.° e 139.° da Carta, e do artigo 14.° da lei constitucional de 5 de julho de 1802; e tendo essa commissão resolvido começar os seus trabalhos pelo estudo e exame da celebre questão dos adeantamentos feitos á Casa Real, parece que a criação de uma commissão burocratica especial para liquidar as contas entre o Estado e esta Casa, e de um modo definitivo, como era evidente intuito da proposta do Governo, é um mero arranjo politico, preparado, sim, com a respectiva manha, mas tambem, e é certo, com evidente menoscabo de funcção parlamentar e até com damno da Monarchia.

Mero arranjo politico... Homi soit qui mal y pense.

Quer dizer: o Parlamento, que está a conhecer de um assunto, defere a outrem o conhecimento do mesmo assunto, continuando, porem, a conhecer d'elle simultaneamente. Em direito processual havia remedio para isso, era a excepção da litispendencia; nas em politica o remedio é... aguentar e cara alegre.

Em conformidade com a proposta do Governo, saldo contra o Estada e a favor da Casa Real, ou saldo contra a Casa Real e a favor do Estado eram negocio findo, reconhecidos que fossem um ou outro pela commissão burocratica especial. O menoscabo do Parlamento era manifesto, mas, ao menos neste ponto, ficavam em situação igual o Estado e a Casa Real.

Acontece, porem, que no projecto em discussão as cousas são postas de maneira que o saldo a favor do Estado só depois de approvado por lei tem de ser pago pela Casa Real.

Quer dizer, o saldo liquidado pela commissão burocratica contra o Estado é definitivo e logo exequivel; mas o saldo liquidado contra a Casa Real pela mesma commissão não é definitivo, e só é exequivel depois de approvado por lei. Em favor da Casa Real estabelece-se, como garantia contra a resolução injusta da commissão burocratica, a intervenção do poder legislativo, que aliás só lhe pode ser util e jamais nociva. O Estado... esse é relaxado ao arbitrio da commissão burocratica, sem nenhuma especie de recurso ou controle

Repugna francamente esta diversidade de criterios.

É certo que o Digno Par Dias Costa, o illustre Ministro da Fazenda e o nobre Presidente do Conselho de Ministros significaram claramente na ultima sessão, a proposito de uma interrupção feita por mim, aquelle Digno Par, que o parecer ou decisão da commissão burocratica teria de ser sub-mettida sempre e em todos os casos á sancção parlamentar; mas isso não é evidentemente o que está no artigo 5.° do projecto, que diz assim:

Uma commissão presidida... e composta de será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real, em prestações annuaes, não inferiores a 5 por cento d’essa quantia até integral pagamento.

A intervenção do Parlamento e a approvação por lei só teem logar no caso de haver saldo a favor do Estado. Sem duvida alguma, é isto o que está no artigo 5.°, e não aquillo que o Digno Par Sr. Dias Costa e aquelles illustres Ministros disseram. E d'este modo o argumento formulado contra o projecto fica integro e irrefutavel.

E depois na mesma intervenção das Côrtes neste negocio, segundo o projecto, ha menoscabo ainda para a instituição parlamentar, porque o poder legislativo tem de limitar-se a approvar ou rejeitar esse saldo, sem o poder diminuir nem aumentar; o que repugna á dignidade do Parlamento e até ao senso commum.

Mais ainda. Como o Rei intervem na