SESSÃO N.° 43 DE 18 DE AGOSTO DE 1908 15
opulento, que, se fosse a satisfazer todos os pedidos que lhe são endereçados por pessoas realmente necessitadas ou que se dão por taes, não ficasse em breve reduzido á miseria.
No nosso país, por aquella disposição gerada por quatro seculos de absolutismo, em que o Rei era a ponte de todas as graças e mercês, são sem conto os desvalidos que se lembram de recorrer á caridade regia. É uma manifestação do atavismo nacional.
E se não são satisfeitos, naturalmente não indagam se cabe nos haveres do Soberano o dar-lhes remedio, mas attribuem a causa a mesquinha avareza.
O Sr. Presidente do Conselho disse-nos aqui o outro dia que El-Rei queria satisfazer as dividas de seu pae, e encareceu muito este intento. O Sr. Dias Costa abundou no mesmo sentido. Estão na tradição nacional.
Para nós, os portugueses, o Monarcha ideal, e tambem o Governo ideal, é aquelle que nunca recusa um dispendio de dinheiro; mas d'onde ha de vir esse dinheiro, d'isso não curamos.
Permitta-me a Camara que, com risco de passar por um snob e pedante, me autorize com uma recordação historica.
Recentemente, lendo uma historia do reinado de D. Sebastião, deparou-se-me um documento, em que os seus contemporaneos louvavam este Rei pelo seu animo grandioso, e apontavam como um dos seus meritos, «que todas as mercês, que, faz, lhe parecem pequenas, e não sente ser pobre, senão pelas não poder fazer grandes, e, se as não faz, é porque lh'o estorvam, porque elle sempre para isso teve vontade».
Quer dizer, pobre como era, se lhe não fazem embargo, o Rei por sua vontade reduzia-se á miseria.
E o mais gracioso é que, nesse mesmo escrito, procuravam dissuadir a Rainha viuva, D. Catarina, de se passar para Castella, porque ali, «se V. A. quiser fazer mercê do que leva d'estes reinos ás pessoas que vo-lo hão de pedir, que por isso hão de esperar, virá V. A. a pedir esmola muito depressa». Evidentemente porque em Castella não teria quem lhe fizesse os supprimentos requeridos para o exercicio da regia liberalidade.
Ora é exactamente isto que um povo, analfabeto como o nosso, ainda hoje espera do Rei, inesgotavel largueza.
O povo não concebe, nem lhe importa, que o Rei fique a pedir esmola. Por isso e necessario pôr ao lado d'este um desalmado, sobre quem recaia a responsabilidade das recusas, e as consequentes imprecações.
Qual é actualmente a situação do Rei a respeito da sua fazenda? Se condescende com os innumeros pedidos que lhe fazem, vê-se em breve reduzido ás tristes condições em que hoje se encontra, alvo de offensivas discussões. Se recusa, adquire a situação de mesquinho, que será igualmente explorada pelos inimigos da monarchia.
Falei dos actos de caridade individual. Mas ha um sem numero de solicitações de todo o genero que lhe são dirigidas para obras de beneficencia, de culto religioso, scientificas, literarias, artisticas, e outras que ignoro. Do Soberano se espera que patrocine todo o benemerito emprehendimento de iniciativa particular.
Qualquer de nós pode avaliar, por experiencia propria, a quanto isso deve montar no caso do Soberano. Mas um particular recusa quando mais não pode, e ninguem dá attenção a isso, senão os desfavorecidos; uma negativa do Rei vem logo para as gazetas, onde é malsinada, deturpada, ridicularizada, como se elle tivesse ainda á sua disposição as especiarias da India e as minas do Brasil.
A respeito d'este genero de contribuições posso citar um facto de que tenho conhecimento. É de notoriedade publica, porque todos os seus tramites vieram publicados nos jornaes. Mas eu fixei-os, porque me fizeram uma triste impressão.
Vou referi-lo com muita repugnancia. Mas preciso de comprovar a minha proposta, e, como não tenho a eloquencia que arrebata o animo dos ouvintes, sou obrigado a valer-me de factos positivos.
Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, de saudosa memoria, em uma sessão da Academia Real das Sciencias a que presidia, annunciou que constituia á mesma Academia o donativo de um conto de réis annual, para ser por ella conferido, como premio, á melhor obra de literatura que tivesse apparecido durante o anno.
Com toda a veneração pela memoria do generoso Monarcha, não me seja levado a mal o dizer que, na minha humilde opinião, nem a Fazenda da Casa Real permittia esse donativo, nem julgo que a literatura seja promovida por essa forma.
A literatura fautoriza-se soccorrendo os homens de letras que tenham dado provas da sua capacidade. O talento litterario é congenito, desenvolve-se, mas não se adquire, pela industria; e nenhum premio o fará surgir onde elle não existe.
O que a Academia tem feito d'esse conto de réis que, segundo parece, lhe tem sido desde então continuado pela Casa Real, não o posso dizer.
Não duvido que lhe tenha dado uma applicação muito proveitosa. Mas não sei, nem creio, que a literatura tenha por elle recebido o minimo additamento.
Não para aqui a lição que pretendo derivar d'este facto.
Era ainda recente a nefanda atrocidade que angustiou a alma de Sua Majestade El-Rei, quando a Academia lhe enviou uma deputação para lhe perguntar se continuaria o referido donativo. Que havia de Sua Majestade de responder? Respondeu que sim. Assim interpellado, e naquelle momento, não podia dar outra resposta.
Aqui é que se patenteia com toda a evidencia a necessidade de um economo responsavel. Se elle existisse, era a sua obrigação responder redondamente que não, porque á Fazenda Real não sobravam recursos para essa largueza, aliás de utilidade muito problematica.
Naturalmente a Camara espera que eu lhe diga como se procede nos países estrangeiros a respeito da administração da lista civil. Alguma cousa lhe posso dizer, mas não com tanta plenitude como desejava, porque os meus elementos de informação foram unicamente aquelles que casualmente tinha á mão. O Governo pode facilmente, por meio dos nossos representantes diplomaticos, inteirar-se, se assim o entender, de todas as particularidades nos differentes países.
A Inglaterra é um país cujo exemplo se pode sempre imitar com inteira confiança em pontos do regime constitucional e da administração financeira. É de lá que vem esta denominação de lista civil.
Ali essa lista que, conforme diz a respectiva lei que a confere ao Soberano no principio de cada reinado, lhe é assinada «para sustentar a sua casa e a honra e a dignidade da Coroa», é superintendida pelo Ministerio chamado do Thesouro (The Lord of the Treasury), Ministerio de que é sempre titular o chefe do Governo, o primeiro Ministro.
A lista civil da Rainha Victoria, e suppõe que tambem a do actual Monarcha, é de 385:000 libras. Nesta somma não se comprehendem as dotações especiaes de cada um dos outros membros da Familia Real.
Seguramente eu não tenho a loucura de comparar a lista civil da opulenta Inglaterra com a do pobre Portugal. O que pretendo demonstrar com esta referencia é que esse povo, muito respeitador do seu Soberano, entende que se não offende a dignidade da Coroa impondo-lhe as restricções aconselhadas por uma previdente administração financeira.
O Digno Par Sr. Cunha citou com lastima e desdem o caso de não sei que Ministro de Estado inglês, que falava de joelhos ao Soberano, lhe beijava a mão e até chorava. Saiba o Digno Par que ainda hoje o Presidente da Camara dos Communs, o Speaker, quando