SESSÃO N.° 43 DE 18 DE AGOSTO DE 1908 9
ciano fez uma: «é que o Rei nunca lhe pediu adeantamentos por conta da sua dotação». No espirito publico ficou a impressão de que os dois homens publicos haviam negado: mas as incertezas da sua resposta ainda foram mais avolumadas pelo decreto de 30 de agosto.
E a proposito, como ha alguem, pergunto-o sinceramente, que possa duvidar da existencia de adeantamentos illegaes quando o Rei de Portugal os confessa, os clama, por sua livre vontade, num documento?
Nada de bicos e habilidades que irritam a consciencia publica!
Comprehende-se que um Rei e os seus Ministros attenuem e desculpem erros.
Quando os confessam, é porque a sua consciencia o exige, ou a força da evidencia se impõe por forma que elles os trazem á luz.
Negar os adeantamentos é affrontar até a intelligencia do Chefe do Estado que os veio expor perante os olhos do país.
Existem. São um facto. Só loucos, ou palacianos de olhos grudados, os podem negar.
Esse decreto brigou com as affirmações dos chefes.
Mais sombra sobre sombra! Abre-se o Parlamento. Surge o episodio da carta: é negado pelos jornaes progressistas, pelos leaders da Camara, a existencia d'esse documento em que o Sr. José Luciano ordenava a entrega d'um adeantamento a uma pessoa da Familia Real. Dois dias depois, a carta é confessada, apparece transcrita no orgão official do partido progressista! Foi, pelo país fora, uma sensação de espanto, crescendo ainda mais as suspeições e a sombra.
Acontece ainda um facto que mais vem avolumá-los e para que chamo a attenção da Camara, pedindo ao Sr. Ministro da Fazenda que m'o explique.
Ainda nenhum dos talentosos oradores precedentes a mim se referiu, bem que elle haja preoccupado o espirito publico e mais feito avolumar escuridões á volta d'este caso. Ei-lo:
O nobre chefe progressista na sessão de 21 de novembro de 1906 fez as seguintes declarações, que vou ler devagar:
«Tenho a declarar que nunca, como Presidente do Conselho, me foi pedido qualquer adeantamento sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado. Nunca me fizeram tal pedido, nem a nenhum dos Ministros das situações de que fiz parte».
A Camara ouviu bem? Nem o Sr. José Luciano nem nenhum dos seus Ministros recebeu pedido para qualquer adeantamento sobre a dotação do Rei.
Não ha declarações mais categoricas.
Mas tome-se o Summario da Camara dos Deputados de 15 de junho e veja-se a declaração do Sr. Espregueira:
«Pedindo, diz o Summario, aos tachygraphos, que reproduzam absolutamente as suas palavras, pois deseja que fiquem transcritas textualmente como vae pronunciá-las, porque assume a responsabilidade dos actos que pratica».
Esta declaração não foi simplesmente, como se vê. Foi escrita. Até se acha aspada no Summario, tal era a sua gravidade e importancia.
«Fiz, eis essa declaração, supprimentos extraordinarios á Casa Real, mas esses supprimentos são muito inferiores ao limite que é dado ao Governo para fazer adeantamentos aos funccionarios publicos».
E claro: esses adeantamentos foram feitos ao Rei, como funccionario publico. Portanto, sobre a sua dotação. «Sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado», são as palavras do Sr. José Luciano.
Como é que estas declarações se conciliam? Ignoro-o.
«Nada, nenhum adeantamento nos foi pedido, a mim e aos meus Ministros, sobre a dotação do Rei», diz o chefe progressista.
«Fiz adeantamentos, como a outro empregado publico, a El-Rei sobre a sua dotação», diz o Sr. Espregueira.
Como se entende?
Ha uma hypothese: o Sr. Espregueira procedeu ás escondidas, procedeu por alvedrio seu. Só quem não conhece a estructura intima dos partidos no reinado do Sr. D. Carlos é que tal poderia imaginar.
Se assim fosse, o chefe progressista não apoiaria, não mandaria defender, na imprensa e no Parlamento, o Ministro que, em assunto tão grave, o não consultou e até veio desmenti-lo.
Significam então essas palavras «não foram pedidos» que os adeantamentos foram dados sem haverem sido solicitados?
Não pode ser. Seria confessar dois crimes: a corrupção da Casa Real e a entrega de dinheiros do Thesouro. Não o posso suppor.
Então, quê?
Que os dois homens publicos não foram exactos, verdadeiros?
Que o Sr. José Luciano fez uma affirmação não correspondente á realidade?
Não quero aggravar. O facto é que as sombras continuam.
Peço ao Sr. Ministro da Fazenda que me explique a contradição flagrante e que concilie a sua frase com a affirmação do seu chefe.
Acrescento ainda que mais sombras se accumulam!
O Sr. Espregueira diz que fez adeantamentos a El-Rei dentro dos limites de operações iguaes aos empregados publicos. Isto é, conforme as leis que regulam os adeantamentos feitos a esses funccionarios.
Ora essas leis são os artigos 1.°, 2.°, 3.° do decreto com força de lei de 21 de abril de 1892, do artigo 16.° da lei de 21 de maio de 1896, e do artigo 123.° e seguintes do regulamento de 23 de junho de 1897. Estes artigos determinam duas formas de fazer adeantamentos.
Por uma, o interessado requer; acompanha o requerimento de um boletim burocratico; recebe 30 por cento dos respectivos vencimentos annuaes, pagando á Caixa Geral de Depositos o juro de 6 por cento até reembolso total e, ao Thesouro, um premio de risco variavel segundo as idades.
Admittindo que El-Rei pudesse ser considerado como um funccionario - e mostro que não pode sê-lo - a quem se applicasse semelhante disposição, foram feitos assim os adeantamentos?
Não. Foram-no por «operação em conta de subsidios devidos pela lei e descritos no orçamento geral do Estado como encargo regular effectivo do Thesouro, precedendo autorização especial do Governo», conforme autoriza o artigo 10.° da lei de 21 de maio de 1896? Essa era a segunda forma de adeantamentos.
Foram feitos assim, por esta forma, que ainda seria admissivel, mau grado não se achar regulamentado aquelle artigo. Não.
Como é, então, que o Sr. Espregueira faz as suas declarações, pelas quaes se conclue que deu adeantamentos a El-Rei o Sr. D. Carlos, como empregado publico, pela sua dotação? Sempre escuridões, sempre sombras!
Sombras em tudo! Tão profundas, que todos ou muitissimos dos Ministros ignoravam o que se passava nessas conferencias havidas entre o Rei o Presidente do Conselho, entre este e os Ministros respectivos, a proposito dos adeantamentos ao Rei ou a pessoas da Familia Real.
Digo-o e repito-o. Nunca em Conselho de Ministros, no meu tempo, se versou semelhante assunto. Nunca com o Sr. Presidente do Conselho, com o seu collega da Fazenda, com qualquer dos Ministros dos Gabinetes de que fiz parte, troquei uma palavra sobre tal materia.
Era convicção minha, quando esta questão se levantou, que os Governos progressistas não haviam feito adeanta-