6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Estas verbas orçam pela quantia de 470:000 libras.
Mais de um terço d'esta somma é affectada, por Act do Parlamento, ao pagamento dos ordenados e das pensões das pessoas pertencentes á Casa Real, como já succedia no reinado da Rainha Victoria.
Tamanha quantia, diga-se de passagem, pequena para a grandeza e população da Inglaterra e suas colonias, foi dada porque os Reis abandonaram ao Estado as grandes rendas da Coroa.
Apenas lhes resta o apanagio do ducado de Lancaster. Este é propriedade particular do Rei; mas o officio de administrador d'esse apanagio é considerado funcção politica, e o Parlamento, todos os annos, é informado da importancia da renda do ducado, mau grado o seu producto pertencer todo ao bolso do Rei.
As pensões não podem ser concedidas pelo Rei arbitrariamente, são submettidas á apreciação do Comptroller: e existe um «auditor of the civil list» que é ordinariamente um dos principaes clerks do Thesouro.
Grande e nobre país, onde os dinheiros do povo são emfim escrupulosamente zelados, onde as sommas da Casa Real cabem até sob a alçada do funccionario superior do Estado que superintende na execução pratica do orçamento!
Porque não ha de proceder-se assim em Portugal? Se eu tivesse a honra de me sentar no logar do Sr. Ferreira do Amaral, a lista civil seria apresentada ao Parlamento como a lista civil inglesa: seria apresentada por parcelas, por verbas, com o que só teria a lucrar o prestigio da Coroa.
Num país pobre, com um operariado mal remunerado, com uma burocracia miseravelmente paga, com os cultores de profissões liberaes em geral escassamente retribuidos, com os propagandistas das ideias revolucionarias que comparam o estipendio opulento de um conto de réis por dia ao magro salario dos proletarios, com os tantissimos a quem a falta de instrucção não deixa perceber as necessidades da representação no officio de reinar, é conveniente fazer a discriminação das verbas da lista civil, para a pobreza, as paixões, e até a ignorancia, não se offuscarem acremente, doerem ou irritarem, com uma somma tão avultada num orçamento reduzido.
A Monarchia só lucrava com este processo.
A boa administração prosperava.
E a Coroa e a sua Fazenda carecem de apparecer ante os olhos da nação como um symbolo de honra, como um modelo de lisura, como um exemplo de inteireza e de economia!
Eis o que os dissidentes fariam. E não se ficaria por aqui.
Cerrar-se-hiam, por um conjunto de providencias, as fendas por onde se escoou, no ultimo reinado, tanto dinheiro para despesas que levantavam a consciencia publica.
Muitas d'essas despesas são verdadeiros adeantamentos - ou peor do que isso!
Refiro me ás despesas nas obras dos Paços em usufruto da Coroa.
Pelo artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1855 é «o Governo autorizado a despender annualmente até a quantia de 6:000$000 réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins que não podem ser arrendados».
Esses palacios e jardins que nunca podem ser arrendados, o § unico do artigo 3.° da mesma lei diz serem «os jardins de recreio e os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei».
Pois á sombra do artigo 5.° da mesma lei, nesses palacios e noutros em usufruto da Coroa, que não se acham em iguaes condições, teem-se gasto quantias que, por documentos officiaes, no espaço de 18 annos, se provou excederem a 2:800 contos!
Como foi este abuso? Pela interpretação dada ao artigo 5.º da referida lei. Ella diz:
Art. 5.° O Rei poderá fazer em todos os bens da Coroa, de que trata esta lei, as mudanças e construcções que julgar uteis para sua conservação, melhoramento ou aformoseamento, e todas as bemfeitorias ou construcções não comprehendidas no artigo antecedente, bem como as acquisições, serão pagas por conta do Estado, havendo sobre a sua conveniencia a devida decisão das Côrtes, nos termos do artigo 85.° da Carta Constitucional».
A simples leitura, uma interpretação leal e honesta, fazem ver immediatamente que as despesas de conservação, melhoramento, aformoseamento bemfeitorias e construcções, devem ser, antes, examinadas, estudadas, apreciadas, votadas, pelo Parlamento.
Entendo que, depois de feitas, é que o Parlamento as podia apreciar! E nem isso se fez.
Entregava-se, em mão, á Casa Real os seis contos de réis, que foram, não se sabe como, elevados a quatorze - e faziam-se todas as obras á sombra do artigo quinto!
A consequencia foi o gastarem-se os milhares de contos de réis que, em minha consciencia o digo, talvez assombreasem o Senhor D. Carlos, se d'ellas lhe fosse dado inteiro conhecimento. Sabe Deus por que mãos, e como se escoou tanto dinheiro!
O certo é que, para prestigio da, Coroa, e para se não poderem repetir semelhantes factos, urge tomar providencias.
E o § 3.º do artigo 2.° da proposta de lei em discussão não é bastante explicito e peremptorio para o Rei ficar fora de toda a implicancia do seu nome em assunto que tanto prejudicou a Coroa no reinado de seu augusto pae.
Qual a forma de cortar este mal? Vou eu dizê-lo. Mas, como o assunto se prende com outro, gravissimo sob o ponto de vista moral para o prestigio da Coroa, referir-me hei primeiro a este, a fim de expor, ligando-as, as providencias que julgo indispensaveis.
Qual é esse assunto? O dos arrendamentos, feitos ao Estado, de bens da Casa Real. Ha bens que a Casa Real não pode em caso algum arrendar. Di-lo o § unico do artigo 3.° da lei de 16 de julho de 1885. Este artigo preceitua as condições em que os arrendamentos do outros bens se podem fazer; o prazo é de 20 annos: não pode ser renovado o arrendamento antes dos ultimos tres annos.
Mas ha palacios, jardins e dependencias que não podem ser arrendados. Di-lo o § unico do artigo 3.° Ei-lo, a esse paragrapho:
«§ unico. A disposição d'este artigo não comprehende os jardins de recreio, nem os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados».
Não ha nada mais claro.
Quaes são, entre outros, estes palacios? Aponta-os a lei de 18 de março de 1834, que no seu artigo 2.° estatue:
Art. 2.° Os bens da extincta Casa do Infantado ficam pertencendo á Casa Real e encorporados nos proprios della: porem os palacios de Queluz, da Bemposta, do Alfeite, de Samora Correia, de Caxias, e de Murteira, casas, quintas e mais dependencias d'elles, são destinados para decencia e recreio da Rainha, como os palacios e terrenos de que trata o art. 85.° da Carta Constitucional da Monarchia.»
Pois estão arrendados, e arrendados até ao Estado, dando-se a aggravante de se pagarem rendas sem haver arrendamento lavrado, alguns d'esses palacios com as suas dependencias!
Tudo isto consta de documentos enviados ao Parlamento.
É illegal. E é immoralissimo.
A pureza de principios mandava que, se a Familia Real não carece d'esses palacios, jardins e dependencias para seu recreio, os devolva ao Estado.
Não os precisa?
Entrega-os.
Pedir dinheiro ao Estado por aquillo