12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
vem amar não só pelo bem que lhes faça, mas até pelos soffrimentos que lhes traga, á semelhança de um fidalgo escocês que, havendo tido uma audacia amorosa para a linda Maria Stuart, subiu ao cadafalso, de onde, olhando as janelas reaes, tristemente bradou: «adeus á mais linda e á mais cruel das francesas... adeus áquella que me faz morrer e por quem morro de amor»! A justiça e a soberania nacional, como attributos da liberdade, são nos tempos que vão passando palavras que produzem calafrios nos animos conservadores. A esses annos, tão ardendo em zelos realistas, para que me não apodem de jacobino, lembro-lhes que D. João IV, Duque de Bragança, Rei de Portugal, disse: «Os Reis mais que os outros homens devem dar ao mundo razão das suas acções. A justiça e observancia d'ella conserva as monarchias mais do que as armas».
Estas palavras foram escritas talvez ao mesmo tempo em que as Côrtes portuguesas, em 1641, lhe disseram: «o poder dos Reis provem originariamente da nação; a esta, e só a esta compete velar pela execução das leis e até recusar-se á obediencia quando o Rei, pelo seu modo de governar, se torne indigno e tryannico».
Da soberania nacional, disse o primeiro Rei constitucional, D. João VI numa proclamação aos portugueses: «A minha real autoridade só é legitima e forte quando se funda na vossa vontade e no vosso amor, porque só no vosso amor e na vossa vontade acha os seus direitos legitimos».
Eu e os meus amigos votamos contra este projecto, pelos principios que expusemos. Aquelles que se dizem incondicionalmente realistas vêem no até por aquellas palavras de dois Principes da Casa de Bragança, um que fundou a dynastia, outro que foi o primeiro Rei constitucional d'este país. E, seja por que motivo for, nós todos rejeitemo lo, porque é um serviço ao país e um grande e honesto serviço á monarchia.
(S. Exa. foi cumprimentado por varios Dignos Pares).
O Sr. Sousa Costa Lobo: - Tinha pedido a palavra unicamente para me occupar do regime administrativo da Casa Real.
Mas não se assiste a uma discussão travada entre tão distinctos oradores, como os que me teem precedido, sem que surjam ao espirito novas ideias, e o desejo de as manifestar.
Nem o tempo nem as forças me bastariam para referir tudo quanto me tem suggerido a discussão.
Limito-me, pois, a um ponto capital que servirá de preambulo ao assunto que principalmente desejo ventilar.
Uma horrorosa catastrophe, sem exemplo na nossa historia, fulminou o país.
Se a crise mental e material d'ahi originada está ou não conjurada, não me atrevo a decidir, porque não conheço sufficientemente o estado do país.
Mas ninguem contestará que seja de suprema importancia inquirir das causas que originaram essa tremenda desgraça.
Scientificamente, esse inquerito deve primeiro determinar a causa directa e immediata, e d'ahi pode remontar ás causas superiores e concorrencias collateraes.
Discutirei unicamente a primeira. E essa foi a acção governativa e, e João Franco.
Releve-me, pois, a Camara que enuncie a minha opinião sobre a execravel obra de João Franco, porque diverge consideravelmente do que tenho ouvido no decurso d'esta discussão.
E, para o fazer, procuro collocar-me na situação do historiador que, passados seculos, julga imparcialmente o passado, de que só resta a memoria.
Não desconheço a imprudencia de me intrometter com paixões ainda candentes.
Mas as tremendas calamidades por que ternos passado encerram uma lição momentosa, e essa lição, no meu entender, não tem sido correctamente interpretada. Seja dito sem immodestia, e com o devido respeito.
João Franco não commetteu nenhuma empresa inaudita na historia.
Tem-se falado na tentativa de regresso ao regime absolutista.
Essa accusação revela uma grande confusão de ideias. O regime absoluto em todo o mundo está em via de completa extincção, como o demonstram os recentes acontecimentos na Russia e nos países musulmanos.
Nem o Marquez de Pombal abrigaria hoje uma tão desatinada pretensão, porque era um estadista, e sabia muito bem distinguir o factivel do impossivel.
Mas ha um poder bem mais temeroso, que não morreu, antes cobra cada dia nova vitalidade. É o que se chama o cesarismo.
É o regime preconizado por quantos detestam o Governo parlamentar. O cesarismo, qual o ideou o seu autor, de quem deriva o nome, é sob apparencias constitucionaes, e sem exclusão de assembleias legislativas, o poder supremo exercido por um ditador.
Entre os dois systemas de Governo, absoluto e cesareo, ha um ponto commum: é que em ambos domina exclusivamente a vontade de um unico individuo. Mas o poder absoluto do antigo regime era limitado pela organização social então existente, pelas franquias da Igreja, da aristocracia, dos concelhos e de muitas corporações religiosas, scientificas e industriaes.
O cesarismo, que é de facto o poder absoluto, mas conferido pelo voto popular, não reconhece nenhuma restrição.
E esse poder, tanto pode ser conferido pelo povo a um Monarcha, como a um funccionario electivo, tanto por plebiscito, como pela annuencia tacita.
E não ha duvida que, em tempos modernos, ella tem levado a cabo obras grandiosas.
Foi estribado nelle que D. Pedro IV derribou em Portugal o antigo regime absolutista. Nelle se firmara o Imperio de Napoleão I. Com essa investidura effectuou Bismarck a unificação da Allemanha.
E digo que a concepção cesarista ganha cada vez mais em vigor. É preconizada por profundos pensadores. Quem o duvidar leia os escritos politicos de Renan, de Carlyle em Inglaterra, de Nietzsche em Allemanha: recordo apenas os apologistas mais conhecidos. E o que sobretudo a robustece é que tem a seu favor a grande maioria do partido socialista.
Nós em Portugal, que andamos sempre um seculo atrás do mundo civilizado, entretemo-nos ainda com a obrigatoria questiuncula das formas de Governo, monarchico ou republicano.
A questão que hoje domina no mundo não é essa. É a de quem ha de governar, se o capital, se o trabalho.
Os socialistas, para attingirem o seu fim, teem mais confiança no cesarismo do que na republica parlamentar.
Essa questão foi ha dois ou tres annos debatida no congresso socialista de Haya, entre os Srs. Jaurès, um dos chefes ao socialismo em França, e o Sr. Bebel, chefe do socialismo allemão. Não posso cansar a Camara com pormenores, mas o que lhe posso afiançar é que Bebel tratou com o maximo desdem a questão da forma de Governo, preferindo, no estado actual das cousas, a monarchia allemã á republica francesa.
Segundo o que se pode colligir das suas manifestações publicas, era este poder cesareo que João Franco pretendia implantar em Portugal. É o que elle chamava o engrandecimento do poder real. Neste proposito era favorecido pelas tendencias de que acabo de fazer menção; e ainda por uma forte corrente nesse sentido, de que ninguem pode contestar a existencia no nosso país, corrente produzida pela completa descrença no regime parlamentar.
Que justificação invocava João Fran-