640 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O deposito de cavallaria não é o que aqui está. Faz-se um deposito e cria-se um regimento, augmentando-se per consequencia a despeza nos quadros do exercito com a creação d'esse deposito.
Eu vou, com a phrase chã que tenho, demonstrar as difficuldades que acho na execução d'este projecto. Tudo quanto se ensinar no deposito ha de ser mais ou menos impugnado pelos commandantes dos corpos, porque estes hão de rebellar-se sempre contra a instrucção dada nos depositos.
O commandante do deposito fica com um generalato superior aos dos regimentos, e a disciplina ha de resentir-se d'isso.
Ora, se não houver disciplina, saem do deposito todos os soldados perdidos, e os officiaes sem instrucção ou viciados; e quando chegarem aos corpos acham resistencia nos seus camaradas e superiores.
Sr. presidente, será preciso para instruir soldados para a fileira, que se crie esta escola, hoje que ha uma escola superior de militares? A instrucção é mais para o official, que ha de mandar, do que para os soldados, que hão de obedecer.
Depois, sr. presidente, note v. exa. a difficuldade: creado o corpo, ha de quem o commandar ter sempre em vista escolher para elle os melhores soldados e os melhores cavallos, deixando o refugo para o resto do exercito.
Mas ha mais ainda.
(Pausa.)
Eu fallo com o sr. ministro e ainda que não mereça uma resposta de s. exa., desejo manifestar a minha opinião, para que saiba qual a impressão que este negocio faz em algumas pessoas que o não podem acompanhar.
Diz o sr. ministro, que a despeza da installação é de réis 6:000$000.
Ora, note-se, nós não temos quarteis nem em Lisboa, quanto mais nas outras terras do reino; hão de portanto arranjar-se quarteis, cavallariças e palheiros, manter soldados e cavallos, e tudo isto com 6:000$000 réis!
Não póde ser, e não póde ser por que todos sabemos que os calculos das pessoas, ainda as mais competentes, são sempre quatro vezes menores do que a realidade: assim succedeu com a penitenciaria; em logar de 300:OOO$OOO réis gastou-a 1.200:000$000 réis, o isto dá-se em todas as obras publicas, taes como caminhos de ferro, estradas, construcções, e todas as outras obras que só projectam.
Se se orça em 100, gasta se pelo menos 200 ou 400. É o que ha de succeder com esta escola. Não são 6:000$000, hão de ser 80 ou 100.
Os recrutas vem de todo o reino, vem do Algarve, vem de Traz os Montes, vem do Minho, vem da Beira, etc., e hão de vir pelo caminho de ferro.
Só esta despeza por quanto ha de sair ao odiado? E o transporte dos cavallos em ida e volta? Da remonta para os corpos?
é uma despeza immensa, e a esta succedem diversas outras; citarei entre ellas a do fardamento, que ha de ainda sobrecarregar os corpos.
Isto não póde ser! Mas ha mais ainda. Sabe v. ex. quanto ha de custar cada cavallo depois de instruido, se os comprarem serris ou novos de mais, e sem lição alguma.
Cada poldro sairá por 500$000 réis!
Será absurdo o que estou dizendo?
Não é. Cada cavallo custa approximadiimente 30 a 40 libras; a despeza do sustento anda por 60 libras, em dois annos de ensino e espera; acrescente-se-lhe o que se ha de despender com o impedido para tratar do cavallo, com o fardamento d'esse impedido, e todas as outras despezas, que é desnecessario enumerar, o veja-se se será exagerado o meu calculo?
Fazem-se todas estas despezas para que, perguntarei eu?
Por que se não hão de comprar os cavallos ensinados?
Não se argumente com o absurdo de que é preciso ensino especial para os cavallos entrarem em forma. Os cavallos desbastados depressa aprendem a entrar na fileira.
Ora, custando cada cavallo ao estado approximadamente 500$000 réis, tendo de se gastar com diversos preparativos para a installação da escola, como se poderá fazer isto com uma verba tão limitada?
Mais ainda, o regimento de apparato, o regimento de veleidade, o regimento não sei de que, estará sempre completo, e os menos aproveitaveis serão distribuidos pelos diversos corpos, ficando alem d'isso todos os corpos dependentes do novo generalato!
Sr. presidente, eu não quero occupar muito tempo á camara, com as minhas reflexões, mas são ellas reflexões praticas, e eu desafio qualquer official de cavallaria a que negue o que estou dizendo.
Acho comtudo inutil, porque a maioria ha de votar este parecer.
Nós não temos publicidade alguma; as sessões d'esta camara só depois de um mez é que são publicadas, e estamos reduzidos unicamente a sermos ouvidos pelos espectadores das galerias; é como se discutissemos ás portas fechadas.
Para isto chamo eu a attenção do governo, a quem não deve ser indifferente um estado de cousas que quasi torna inuteis as discussões d'esta camara. Póde dizer-se que as n'essas palavras leva-as o vento, porque só d'aqui a muitas semanas é que se poderão ler impressas, e entretanto as medidas do governo passam, sem que o publico tenha em tempo opportuno conhecimento do que aqui se diz e se vota.
Isto desacredita o systema constitucional e parlamentar, que não existe sem publicidade.
Sr. presidente, 6:000$000 réis é o que o governo nos diz que se vae gastar com a insiallação d'esta escola, e réis 68:000$000 annuaes para a sustentação da escola e regimento! Illusão! Faz-me isto lembrar quando s. exas. apresentaram uma proposta para as ambulancias do correio, já ha muitos annos, nas quaes se devia tambem gastar muito pouco; mas o resultado foi mandar-se acabar com as taes ambulancias, porque causavam um prejuizo enorme. S de passagem direi, a proposito de ambulancias, que com o seu restabelecimento metteram-se no correio mais trinta e tantos empregados, mandaram-se fazer carruagens, pela tracção das quaes se paga uma grande quantia ás companhias dos caminhos de ferro; e finalmente augmentou-se a despeza com o correio em 40:0OO$OO0 ou 50:000$000 réis a mais, para virem aqui meia duzia de cartas a mais, que o empregado trás na algibera, como muitas vezes eu tenho visto, porque me tem mostrado o correio que as traz de Badajoz!
Quasi o mesmo se póde dizer com o segundo comboio do Porto!
Sinto, quando digo alguma cousa que não seja agradavel aos srs. ministros; o meu fim, porém, não é atormental-os. Teria muito gosto em poder acompanhar a s. exas. em todas as suas medidas, mas isso é o que eu não posso fazer conscienciosamente, porque nem com todas me conformo. Não tenho intenção nenhuma particular para vir aqui de proposito combater s. exas., nem ligação alguma partidaria me podia levar a isso, porque estou completamente livre de todo o compromisso politico.
Approvo tudo quanto me parece util e rasoavel, e rejeito o que entendo ser inconveniente para os interesses publicos. Defendo os principios, sem me prender com os homens.
Concluo, pois, dizendo que julgo desnecessario o deposito que se vae crear, tanto em tempo de guerra como em tempo de paz, porque na primeira hypothese os regimentos não têem permanencia no mesmo sitio, e por consequencia não podem os soldados ir instruir-se á escola, porque muitas vezes virão a faltar nos corpos que melhor se proveriam de homens por uma companhia disciplinar. Em tempo de paz acho essa instituição uma inutilidade, porque entendo que são sufficientes, e talvez até mais proveitosos, os