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Sessão de 26 de Abril de 1923
Ministro das Colónias, por intermédio do Sr. Ministro da Agricultura, rápidas providências, para um assunto que reputo importantíssimo.
Sr. Presidente: há cêrca de dois anos que a província de Cabo Verde se vê em sérios embaraços com uma pavorosa crise, que, pela sua intensidade, causou milhares de vítimas, matando mais de 30:000 almas de fome e miséria. Essa crise causou um profundo desequilíbrio comercial e económico, naquela provincia, cujos efeitos se hão-de fazer sentir por muito tempo. Basta citar êste grande número de vítimas para se concluir imediatamente, apesar de tudo quanto se fez, apesar de tudo que se diga em contrário, que os serviços de assistência e protecção aos que tinham fome não foram, nessa emergência, aquilo que deveriam ter sido.
Na verdade, Sr. Presidente, não se compreende que no século XX, no século das comunicações extra-rápidas, numa colónia- que está a 5 dias de viagem da metrópole e onde há os poderes públicos legalmente constituídos, morram de fome e miséria mais de 30:000 almas, numa população que tem cêrca de 150:000.
Já em fins de 1919 eu levantei nesta Câmara a minha voz para demonstrar que a crise que se avizinhava havia de ter graves consequências e apelava para os poderes públicos, pedindo sérias e rápidas providências.
Mas, como sempre sucede, as cousas correram à revelia, e só mais tarde, quando os mortos, aos milhares, apareciam pelos campos e pelas serranias, é • que apareceu o ferve et opus, que já nada pôde resolver.
O que digo a respeito da fome é o mesmo que digo com referência à peste, doença que há perto de ano e meio por lá campeia, com alternativas por vezes algo duras e que, de começo, quando podia ser atalhada, encontrou muita indiferença, sonão que muita ignorância.
Mas, reatando o fio das minhas considerações, devo dizer que em princípios de 1922 julgou-se que o ano agrícola seria bom, por virtude de ter chovido, e assim, aconteceu em toda a província, menos em Santo Antão, onde, apesar da larga e farta sementeira que se fez, toda a colheita se perdeu, por terem faltado as chuvas de Outubro e Setembro, dando em resultado continuar ali a crise, agravada com a profunda miséria e absoluta falta de recursos, originada no precário estado anterior.
Pelas notícias que tenho recebido, as providências dadas são insuficientes e escassas, reguladas provavelmente pelo critério de «runhas de fome» que é a característica principal de quem por lá anda governando interinamente, critério que já aqui verberei várias vezes.
E agora, que estamos a meio do ano, quando as crises mais acentuam a sua malignidade, agora começam a aparecer os telegramas alarmantes, prenunciando uma nova mortandade pela fome se não se tomarem rápidas e decisivas medidas de protecção e assistência.
Passo a ler os telegramas.
Primeiro telegrama recebido:
«Povo S. João Baptista, Santo Antão exausto recursos morre fome providência. — António Luís Delgado.
Segundo telegrama recebido:
«Povos freguesia Sampedro Santo Antão Cabo Verde prestes vítima fome pedem socorro urgente com remessa directa mantimentos quer para trabalhos quer para comida contrário mortandade séria. — José Duarte Lopes — Marcos Ramos — Moutinho Ramos».
Trecho duma carta:
«A crise aqui, de dia para dia, apresenta-se com carácter assustador, tanto mais porque não há trabalhos de crise e nem há milho do Govêrno, nem de particulares.
As sementeiras, que apresentavam um aspecto prometedor como havia muitos anos se não tinha visto, devido a ausência de chuvas em Outubro e Novembro, desapareceram por completo. O povo tinha trabalhado como não se esperava, apesar de exíguos recursos e falta de braços, mas viu todo o seu esfôrço reduzido a zero. Há sítios, onde nem água para irrigação das propriedades há, como acontece aqui na vila da Ribeira Grande e subúrbios.
Um litro de milho, quando aparece, é a $80 e a 1$. É um horror!