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Sessão de 12 de Agosto de 1924 31

Em nome de que infâmia e vilania isto se pode fazer, sem escrúpulos e sem moral?

Por um traspasse, cobrando, antecipadamente, em meu proveito rendas ou valores que me compensem à larga da trapaça que vou fazer, arrendarei a outrem por um preço vil um prédio que ficará para sempre nas mãos da pessoa que o arrendou ou na dos seus descendentes. E dar-se há êste infame caso: é que quando o verdadeiro proprietário, por minha morte, tomar conta do prédio, não encontra o prédio, mas sim uma burla: encontra uma propriedade em piores condições do que hipotecada, pois a hipoteca ainda se cancela.

Mas há ainda o caso do artigo 10.°

Estamos chegados ao caso de divórcios.

Como homem de leis e em nome dos mais sagrados interêsses da família e da nacionalidade, eu cito um caso, e ponho em confronto os males que sucederiam: marido casado em regime dotal ou mesmo em regime de separação de bens, com mulher que tivesse trazido prédios urbanos dos quais o casal viva.

O marido burlão, jogador, troca-tintas, emfim, arrenda os prédios que são da mulher, como administrador do casal, e cobra dos inquilinos, a troco de compensações em traspasses, rendas vis. Depois disto vai para o divórcio, atirando a mulher para a miséria, e ficando com o dinheiro dêsses traspasses na sua mão.

Pode fazê-lo, dando um pontapé na mulher, atirando-a para a miséria e ficando com o dinheiro para jogar e para todos os seus vícios, deixando-lhe apenas uns casebres, pelos quais ela não receberá senão aquilo por que o vilão arrendou por quantia insignificante.

A quem aproveita isto? É caso para se preguntar. Andaremos dentro dum caso de indústria? Pregunto se o que me emociona é o caso ou a pessoa. Porque se é o caso, que é repugnante, está bem: mas se é a pessoa, está mal.

O Sr. Sá Pereira: — Não parta a carteira!

O Orador: — Ganhei dentro da República o direito de partir, pelo menos, a minha!

A Câmara perdoará a paixão que, de quando em quando, imprimo às minhas palavras.

Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e garantir à Câmara, que nenhum dos casos que aqui apontei e dos que desejo salvaguardar é caso concreto que tenha chegado ao meu conhecimento, muito embora eu tenha recebido indicações, solicitações e pedidos vários, que eu, como Deputado, julgo ter o direito de ouvir.

Não reputo nenhum de V. Exas. deminuído pela circunstância de trazer ao Parlamento qualquer caso que mais tenha impressionado o seu espírito; a única responsabilidade que lhes imputo é a de não quererem dar por uma forma genérica a solução a um agrupamento de casos e limitarem a sua crítica a simples hipóteses isoladas.

Entendo mesmo que uma comissão de legislação devia funcionar como uma espécie de caixa de requerimentos e que todos os casos fossem levados ao seu conhecimento. E o legislador, na impossibilidade de atender casos especiais, teria de considerar a generalidade daqueles casos que mais despertavam a sua atenção como factores perturbadores da sociedade, e em torno deles arranjar as normas que a todos satisfizesse.

Lamento que o Sr. Ministro da Justiça, a cujo espírito de concórdia presto homenagem, não tenha pôsto a sua autoridade de jurisconsulto e de homem de Estado em defesa dessa solução genérica.

As comissões, Sr. Presidente, a meu ver, são realmente o único organismo que poderá resolver o problema.

Não vejo outro meio, pois a verdade é que, repito, com facilidade elas mais tarde poderão ser dissolvidas com um simples decreto, caso cheguemos à conclusão de que elas são inúteis.

Creio bem que não se chegará a reconhecer a sua inutilidade, pois estou certo, repito, de que seria essa a única forma de se resolver o assunto.

Sr. Presidente: os argumentos que se têm apresentado contra a nomeação dessas comissões não são, na verdade, de considerar, pois a verdade é que elas, com os poderes a que me tenho referido, poderão prestar relevantes serviços, muito superiores até ao próprio Supremo Tribunal de Justiça.