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Sessão de 11 de Fevereiro de 1919 9

O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: A minha representação especial nesta casa do Parlamento, e a situação, embora obscura, que ocupo nas letras do meu país, impõem-me o dever de prestar homenagem a três homens eminentes que Portugal acaba de perder: João Penha, o Visconde de Castilho e o professor Adolfo Coelho.

Se é certo que os povos valem o que valerem os seus expoentes intelectuais, a semana que passou foi, para o país, uma semana de luto nacional.

João Penha conheceram-no V. Exas., se não pessoalmente, porque -estava velho e vivia retirado, ao menos de tradição e pela leitura das suas obras. O grande poeta das Rimas e do Vinho e Fel era o único sobrevivente dos «três Joões» do nosso lirismo neo-romântico — João de Lemos, João de Deus e João Penha—, figura tradicional do meio universitário de há cincoenta anos, Panagloss coimbrão e epicurista, cujo talento eminentemente pessoal não teve imitadores. Considero-o, depois de Bucage, o mais perfeito, o mais sólido, o mais dextru metrificador português. Não se maneja melhor o verso. A sua musa, descendente directa da ironia de Henri Heise, deixou-nos páginas lapidares. Perdeu-se nele um dos grandes mestres do soneto português.

O Visconde de Castilho foi um verdadeiro gentil-homem das letras. Polígrafo admirável, não tiveram para êle segredos o romance, o teatro, a poesia, a história, a crítica literária. A sua maravilhosa Lisboa Antiga obra monumental dum investigador beneditino, imortalizou-o. Espécie de Garcia de Rezende do século XIX, erudito, desenhador e artista, o Visconde de Castilho ficará na literatura portuguesa, pela singularidade de ter sentido a arqueologia, como um poeta e de ter feito poesia com as predilecções dum arqueólogo.

Não foi menos ilustre o professor Adolfo Coelho, catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa. Pedagogo, ectnologista, filólogo notável, consagrou a sua vida inteira ao estudo, prestou os mais altos serviços à sciência do seu país, e tendo vivido com a dignidade dum sábio, morreu com a simplicidade dum justo. Melhor do que eu, o ilustre Senador Sr. Queiroz Veloso, vice-reitor da Universidade de Lisboa, se referirá à sua figura e à sua obra.

Associo-me à proposta feita para que na acta se exare um voto de sentimento do Senado pela perda dêstes três grandes portugueses.

Tenho dito.

O Sr. Queiroz Veloso: — Sr. Presidente: as amáveis referências que dois dos nossos ilustres colegas me fizeram, colocar-me-iam, evidentemente, num grande embaraço se eu tencionasse fazer o elogio fúnebre de Adolfo Coelho. Mas esta Câmara não é uma academia e, portanto, nunca poderia ter a vaidade de ser um discurso académico as simples palavras que vou pronunciar no Senado. Ao Parlamento corre, porêm, a obrigação, exactamente porque é o mais alto representante de todas as fôrças vivas nacionais, de consagrar os grandes vultos portugueses que, pelas suas obras, se tornaram beneméritos da Pátria.

Se temos exaltado a memória de tantas glórias estrangeiras, mais nos cumpre ainda celebrar as nossas próprias glórias (Apoiados).

Ora, incontestavelmente, Adolfo Coelho foi uma autêntica glória do professorado português.

É vulgar, quando morre um homem de valor, dizer-se que a sua morte representa uma verdadeira perda nacional. Pois raras vezes esta frase foi mais bem aplicada. Adolfo Coelho era pouco conhecido no país porque, em geral, os sábios não alcançam entre nós a respeitosa admiração, a consagrada notoriedade de que são alvo lá fora. Os seus trabalhos de filologia e pedagogia estão dispersos por dezenas de revistas, pois nunca conseguiu um editor para os publicar; mas, apesar disso, fazem-lhes referências todas as grandes obras estrangeiras da especialidade.

Eu tenho, mercê da boa amizade dos meus colegas, a honra de ser o director da Faculdade que Adolfo Coelho tanto ilustrou com o seu talento e tanto dignificou com o seu trabalho. Adolfo Coelho foi, durante a sua larga vida, um raro exemplo de tenacidade, no indefeso amor da sciência, na insaciável ambição de alargar cada vez mais a esfera dos seus estudos. Não possuía nenhum curso ofi-