416 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 41
actual estado de desenvolvimento das medidas referentes à sanidade dos serviços públicos, não reveste ainda foros de gravidade excepcional. Mas, se atendermos a que toda a tendência dos tempos modernos é no sentido de alargar cada vez mais aquelas medidas - e o presente projecto é uma demonstração eloquente dessa tendência -, deve reconhecer-se que estamos em presença de um pequeno tumor, que é necessário extirpar antes que passe a ser defeito crónico. Pode aproveitar-se, de resto, neste pormenor, a lição das legislações estrangeiras, nomeadamente da legislação francesa, onde os problemas da sanidade dos serviços são tratados, com a merecida autonomia, em diplomas especiais 1.
Sem querer tomar a iniciativa de autonomizar essas disposições - por reconhecer que elas não comprometem totalmente, por agora, a economia do sistema da assistência aos funcionários civis tuberculosos -, a Câmara Corporativa emite o voto de que o problema seja devidamente ponderado pelo Governo, remetendo-se para diplomas especiais as medidas - cada vez mais numerosas, mais necessárias e mais individualizadas - referentes à higiene e salubridade dos serviços públicos e sanidade dos funcionários.
26. Outro defeito notório do presente projecto de decreto-lei, que também já vem da legislação anterior, é a falta de uniformidade terminológica, na designação dos subscritores e eventuais beneficiários da assistência.
Por se ter reconhecido que a assistência aos funcionários civis tuberculosos -apesar desta sua consagrada e, já agora, insubstituível denominação - tem, como aliás sempre teve, um domínio de aplicação que transcende o do simples funcionalismo, no sentido restrito e rigoroso desta palavra, o projecto evitou, falar de a funcionários» tout court, ao determinar, no artigo 1.º, quais as pessoas a quem o regime do decreto vai aplicar-se. Preferiu-se aí a expressão «funcionários e mais servidores do Estado»; e adoptou-se, depois, uma fórmula idêntica noutros artigos, designadamente no artigo 4.º e seu § único e no artigo 8.º
Embora a expressão pareça pouco feliz, não haveria grandes objecções a opor-lhe se passasse a ser invariavelmente usada em todas as demais disposições do projecto que se referem aos subscritores e beneficiários da Assistência, aos Funcionários Civis Tuberculosos. Mas é isso que está longe de suceder.
Por vezes, aquela fórmula aparece substituída pela de «funcionários e empregados», como sucede no artigo 20.º e na alínea a) do artigo 24.º Outras vezes, fala-se simplesmente de «pessoal», como acontece no § 1.º e no § 2.º do artigo 1.º, no § 1.º do artigo 2.º e no § 1.º do artigo 7.º Na maioria dos casos, porém, caiu-se precisamente na fórmula que de começo se quis evitar, falando-se apenas em «funcionários»; sem receio de quaisquer mal-entendidos. É o que se verifica no § 3.º do artigo 2.º, nos artigos 5.º e 6.º, no artigo 10.º e seu § 4.º, nos artigos 12.º, 13.º e 21.º e no artigo 22.º e seu § único. Isto, sem falar dos casos em que a expressão «funcionários» aparece integrada na denominação, hoje consagrada, do próprio sistema assistencial em causa
- assistência aos funcionários civis tuberculosos - e onde é difícil fazer a sua substituição. É o que sucede nos artigos 7.º, 9.º, 19.º, 23.º e seu § 1.º
Ora, esta variedade de terminologia, que pode ser aceitável numa simples exposição doutrinal, desde que não se preste a equívocos - e a redacção do presente parecer é exemplo disso -, deve ser cuidadosamente evitada nas disposições de um mesmo diploma legislativo.
A parte, pois, a utilização da fórmula «assistência aos funcionários civis tuberculosos» - que, por denominar o próprio sistema, deve ser sempre colocada entre aspas -, convém, evitar, num diploma destes, o emprego da palavra «funcionário», dado que, na verdade, é demasiado restrita para designar aqueles que estão abrangidos por esta forma de seguro social obrigatório contra a tuberculose. A expressão que pareceu a esta Câmara mais apropriada para o efeito foi a de «serventuário» do Estado ou dos corpos administrativos; e nesse sentido se propõe a unificação da terminologia.
27. Um último ponto há, e da maior importância, para que convém chamar a atenção, dentro desta apreciação na generalidade, pois parece que o projecto não o ponderou convenientemente. Mais uma vez, aqui, o defeito vem de trás, podendo dizer-se que o legislador, desde 1927 até hoje, nunca se lembrou de ir ao fundo do problema. Queremos referir-nos ao âmbito de aplicação da Assistência aos Funcionários Civis Tuberculosos, isto é, à determinação rigorosa de quem devem ser os seus subscritores e eventuais beneficiários.
A questão, no entender desta Câmara, é nitidamente conceituai. Quer dizer: há que resolver, com rigor, qual é a natureza da «assistência aos funcionários civis tuberculosos» e tirar daí, depois, as conclusões que lògicamente se impuserem quanto à determinação do campo que deve abranger.
Há uma parte do problema que é de fácil resolução, e que está realmente resolvida, explícita ou implicitamente, na legislação reguladora desta matéria, desde 1927 até agora, como ficou sobejamente demonstrado na exposição que fizemos acima. A assistência aos funcionários civis tuberculosos é, simultâneamente, uma forma de previdência e uma forma de assistência (cf. supra, n.ºs 2 e 18, alíneas 1.ª, 2.ª e 4.a, e final do n.º 22). E, por muito vincado que seja o seu carácter assistencial - e já vimos que, pelo menos nos primeiros tempos, o foi -, não pode contestar-se que esse aspecto é que é complementar do primeiro, e não vice-versa. Por outras palavras: a assistência aos funcionários civis tuberculosos é essencialmente uma forma de previdência e complementarmente uma forma de assistência, e não ao invés.
A dificuldade está apenas em dizer, dentro deste sistema, onde deve terminar a previdência e começar a assistência; ou, melhor e mais correctamente, onde deve terminar o encargo económico dos subscritores e começar o encargo financeiro do Estado. Foi sobre esta parte do problema que nunca se tomou posição, resolvendo-se o assunto um pouco ao sabor dos acontecimentos e sempre dentro de um largo critério de generosidade: o Estado inscrevia anualmente uns milhares de contos no Orçamento para cobrir o deficit da Assistência aos Funcionários Civis Tuberculosos (vide o quadro publicado supra, n.º 22), e, ainda por cima, continuava a pagar generosamente aos assistidos o orde-
1 .Cf. o «Décret nº 47-1456 (de 5 de Agosto de 1947) portant règlement d'administration publique pour l'application de l'article 90 de la loi du 19 octobre 1946 portant statut géneral des fonctionnaires en ce qui concerne l'organisation des comités médicaux, l'admission aux emplois publics et l'octroi des congés de maladie et de longue durée», publicado a pp. 7719 e segs. do Journal Officiel de la République Française (Lois et décrets) de 7 de Agosto de 1947. Cf., igualmente, o «Arrêté du 19 août 1947 relatif aux examens médicaux effectués en vue du dépistage de la tuberculose, du cancer ou des maladies mentais chez les candidats aux emplois publics et de l'octroi aux fonctionnaires des congés de longue durée pour maladie», publicado a pp. 8401-8402 do mesmo Journal Officiel (Lois et décrets), de 24 de Agosto de 1947. Vejam-se ainda as alterações introduzidas ao decreto do 5 de Agosto de 1947 pelo «Décret nº 49-423», de 23 de Março de 1949, publicado a pp. 3157-3158 do Journal Officiel (Lois et décrets) de 26 do mesmo mês e ano, e pelo «Décret nº 53-576», de 12 de Junho de 1953, publicado a p. 5451 do Journal Officiel do dia 20 imediato.