31 DE MARÇO DE 1956 781
(...) também aí deve chegar a educação familiar. Talvez, aí, ainda com maior necessidade, pois quanto mais a família se desagrega, mais se impõe a obrigarão de lhe acudir. As palavras de Salazar, já velhas de mais de vinte anos, são ainda de uma actualidade evidente.
O trabalho da mulher fora do lar desagrega este, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas; e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranjo da casa, no preparo da alimentação e do vestuário, verifica-se uma perda importante, raro materialmente compensada pelo salário percebido.
É exacto. Mas a insuficiência dos recursos familiares justifica por vezes a ausência da mulher do lar, e, neste caso, meu há senão aceitá-la, enquanto o abono familiar e mais largas instituições de previdência não remediarem a penúria de haveres.
No entanto, é preciso formar a rapariga de modo a ela não considerar normal e desejável essa troca de ocupações: o trabalho da casa trocado pelo trabalho da fábrica; é preciso convencê-la de que também o trabalho caseiro rende e que para a felicidade da família nada conta tanto como a presença da mulher.
É preciso formar a rapariga para que o desejo da independência e do luxo - motivos que por vezes imperam mais do que a necessidade - não a levem para a fábrica, donde dificilmente sairá depois de casada, se ali tiver feito a sua vida de solteira.
O habito tem tanta força e a opinião pública arrasta tanto que, se não se fizer corrente contrária, mesmo que. medidas sociais venham tornar mais desafogadas as condições familiares, a mulher, por hábito ou já por deformação de mentalidade, preferirá o trabalho profissional ao trabalho doméstico.
Abono familiar, segurança social, nada bastará para prender a mulher à casa, se o amor pela casa se tiver perdido.
Inquéritos feitos na Bélgica mostram que «muitas mulheres casadas e com filhos assumem um trabalho salariado porque este lhes agrada mais do que o trabalho doméstico» (Revue Internationale du Travail).
Por conseguinte, se importa melhorar as condições económicas da família, importa também fomentar espirito familiar.
Nos países mais industrializados reconhece-se a necessidade de acudir à crise familiar lançando mão da educação familiar doméstica, para corrigir um pouco os males de ordem moral, familiar e social a que a família operária está mais sujeita do que qualquer outra.
Em França as empresas concedem às operárias, dos 18 aos 30 anos, que desejarem seguir um curso familiar doméstico, quatro semanas livres, com salário pago por inteiro, para que, sem prejuízo do orçamento familiar, possam frequentar o curso.
O serviço social - em todas as suas formas - não é um luxo, é uma utilidade. Um centro social ou familiar será sempre uni elemento de ordem, de dignificação de vida, de elevação moral, de que a própria empresa beneficiará.
No complexo de problemas e necessidades que se acaba de expor pensa a Camará estar o programa da educação familiar rural, como certamente o Governo a encara.
Cursos elementares de educação familiar
14. A base IV do projecto autoriza, «nas escolas de serviço social, ou fora delas, a criação de cursos de educação familiar de índole elementar, destinados a preparar agentes da educação familiar para os meios rurais».
São muito diversas as categorias das escolas estrangeiras da educação familiar rural: elementares, médias e superiores.
No caso português - de momento - parece indicado o grau elementar que o projecto apresenta.
Poderão surgir objecções contra esses cursos elementares, com o argumento de que seria preferível por à frente dos centros familiares rurais trabalhadoras sociais de classe mais elevada. Mus, muitas vezes, o óptimo é inimigo do bom!
Sem já falar dos possíveis «inconvenientes» a que faz menção o n.º 5 do relatório e do escasso número de educadoras diplomadas, tem de se pensar nas dificuldades económicas. Mesmo quando o Estado faz política de espirito, como mais uma vez pretende fazer com a educação familiar rural, nunca pode ser esquecido que a política, ciência e arte de governar, tem orçamento e tem contas...
Uma assistente social ou uma assistente familiar ganha, pelo menos, 1.800$; uma monitora familiar ou auxiliar social cerca de 1.2005.
E quantas são as aldeias em Portugal?!
Ainda que essas trabalhadoras sociais abundassem e quisessem ir «enterrar-se na aldeia» (como depreciativamente se diz) permitiriam os recursos do Estado ou das entidades particulares tão brusca e elevada despesa?
Não teriam os centros rurais de continuar a ser exclusivo de meia dúzia de aldeias privilegiadas?
Ora, o que se deseja é fazer obra nacional: estender ao País inteiro os centros familiares rurais.
Não se pode legislar para um futuro ideal e longínquo, mas para um presente de realizações concretas e possíveis.
E a realidade é esta: no sector da educação familiar rural estamos atrasados algumas dezenas de anos. A primeira escola de ensino doméstico rural foi aberta na Noruega, em 1865; a França abriu a segunda, em 1884. A pouco e pouco, os outros países europeus foram seguindo; no principio deste século a ideia tomava definitivamente forma e realidade, encontrando-se, no momento presente, em pleno desenvolvimento. Citaremos apenas, para exemplificar, os dois países pioneiros: na Noruega existem setenta escolas de ensino familiar doméstico rural; na França, sessenta e três escolas departamentais. (Isto sem falar de inúmeros pequenos «cursos»).
E em Portugal? A comparação não é lisonjeira para nós. Numa estatística há pouco publicada - em que não se atende ao número de escolas, mas à percentagem dá população atingida pelo ensino familiar rural - entre dezassete países europeus Portugal ocupa o 14.º lugar.
Repetimos: não é lisonjeiro para nós! Temos de caminhar depressa para alcançarmos um lugar mais honroso.
Sem dúvida, as agentes da educação familiar para os meios rurais, com pouca instrução preparatória e formação apenas de um ano, seguido de outro de estágio, não poderão ser mestras e educadoras sem defeitos. Mas mais vale pouco do que nada. Num ano de internato ainda se pode aprender muita coisa; e as agentes rurais não ficarão abandonadas a si mesmas. Serão visitadas e orientadas por supervisoras; terão periodicamente pequenos cursos de aperfeiçoamento e procurar-se-á enquadrá-las num núcleo de colaboradoras benévolas.
De resto, não há por onde escolher: ou se faz a educação familiar rural nestes moldes modestos, ou não se sairá dum campo limitadíssimo e de privilégio - o que parece um pouco pior!
Evidentemente que nada impede os centros rurais, que o desejarem e tiverem possibilidades financeiras, de preferirem e utilizarem trabalhadoras sociais de superior categoria.
O curso elementar será o mínimo de preparação requerida; dai para a frente fica livre.