886 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91
mação de princípio, manifestamente muito pouco. Além de que semelhante redacção não abrange a hipótese, mais provável na prática, de se verificar a «conveniência» - que não a «necessidade» - de ir estimulando progressivamente a vida e o labor da corporação à medida que ela demonstre encontrar-se à altura de arcar com mais pesadas responsabilidades.
De outro lado, o relatório não é o mesmo que a proposta de lei, embora seu subsídio interpretativo. E não pode contestar-se a vantagem de um diploma com esta índole - estatuto fundamental da corporação - conter todos os elementos essenciais para uma precisa definição do organismo corporativo por excelência do nosso sistema.
Ora, o ponto focado não constitui um simples pormenor, mas, muito ao contrário, é um dos elementos caracterizadores do nosso regime, pois dele depende o critério de autodirecção que proclamamos abertamente como estádio definitivo da solução corporativa que adoptámos. Dele depende também, em grande parte, a tipização do corporativismo autónomo, no seu amplo e verdadeiro alcance de despojar o Estado de poderes que os interessados, assistidos de uma fiscalização vigilante e permanente, estarão em melhores condições de exercer.
E assim posta, tal como se apresenta na proposta de lei, a competência da corporação, não só pode induzir em erro o estudioso que queira penetrar o sentido do nosso ordenamento corporativo, como também - e agora com muito maior gravidade - pode apontar uma orientação desvirtuada a tantos que vivem profissionalmente o corporativismo e a quem está entregue a responsabilidade da sua execução.
Que se caminhe com prudência é apanágio de bom senso; e não será fácil negar-lhe os benefícios. Mas que, simultâneamente, se enfrentem com coragem as soluções autênticas, embora a prazo mais largo, também é lição de fidelidade às ideias em que se comunga, com a evidente vantagem de revelar pùblicamente e com desassombro que isto de erguer a corporação portuguesa não é mero incidente da vida nacional, mas representa a viragem duma curva decisiva do nosso destino histórico.
A tudo que se alegou pode obviar-se com bastante facilidade, sem deixar de se manter o critério duma competência minimizada para o período experimental. Bastará redigir a base IV em termos definitivos - conferindo a plenitude de competência à corporação - e acrescentar-lhe um simples «número», onde fique estabelecido o regime provisório para a fase inicial, regime a modificar na medida em que a experiência funcional da corporação o justifique e as circunstâncias o aconselhem.
Só assim, parece, a situação ficará suficientemente clarificada, como afirmação do princípio da autonomia.
57. Pana o exame na especialidade se reserva, naturalmente, a análise circunstanciada, das várias alíneas que constituem s base IV da proposta de lei, bem como das bases seguintes, todas subordinadas ao capítulo II «Atribuições e competência»..
Nessa ocasião se procederá AO estudo comparativo da matéria agora legislada relativamente à que lhe corresponde no nosso diploma original sobre a corporação - o Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938 -, que a proposta de lei se propõe revogar.
Importa, todavia e neste lugar, desenvolver aquelas questões de generalidade que a leitura da proposta de lei sugere.
Assim, salta à vista que se omitiu agora uma das atribuições da corporação, contida na alínea b) do artigo 4.º do citado Decreto-Lei n.º 29 110. Aí se dispunha que competia à corporação:
b) Coordenar a acção dos organismos corporativos que a constituem, tendo em vista os seus interesses próprios e os fins superiores da organização, conforme o Estatuto do Trabalho Nacional.
E não pode afirmar-se que a omissão seja de somenos importância.
Com efeito, a corporação é um organismo superior pertencente à hierarquia corporativa, a que, por definição, se encontram subordinados os elementos- hieràrquicamente inferiores. E, num tipo de organização corporativa como o nosso - institucional, por excelência -, o elemento coordenador adquire excepcional relevo, como houve o ensejo de dizer ao perscrutar esse processo de «coordenação em planos sucessivos» que está na base do nosso corporativismo e, no fundo, é o índice articulador de qualquer sistema corporativo.
Não se compreende, aliás, que os organismos primários ou intermédios estejam integrados em determinada corporação, sem que, automàticamente, resulte ser esta o seu agente coordenador. E, por isso, não atribuir tal competência à corporação seria o mesmo que amputá-la na sua vida funcional e engendrar um sistema desarmónico e desarticulado. A corporação aparecer-nos-ia como qualquer coisa híbrida, que «é» e «não é» ao mesmo tempo.
A tal ponto assim olhamos este problema que passaríamos descuidadamente sobre a omissão cometida na proposta de lei se não fora a circunstância de procedermos ao cotejo entre ela e o Decreto-Lei n.º 29 110. É que a competência coordenadora está tão ligada à hierarquia corporativa que pode considerar-se implícita na ideia de corporação.
E, concebida por este modo a faculdade coordenadora, bastaria que nada se dispusesse em contrário dela na proposta de lei para se poder concluir que semelhante faculdade não deixava de competir à corporação.
58. Com este raciocínio nos contentaríamos se porventura o Decreto-Lei n.º 29 110 não regulasse expressamente tal matéria. Mas porque regula, e porque é sintomática a sua exclusão agora, impõe-se averiguar qual o motivo que determinou esta atitude negativa do proponente legislador.
Só encontramos uma explicação para o facto, quando excluamos a hipótese improvável de lapso involuntário. Será porventura o caso particular dos organismos de coordenação económica, que assumem, em notável parte, uma acção coordenadora relativamente aos grémios, federações e uniões, que caiam na alçada da sua jurisdição económico.
Com efeito, não só os aludidos organismos se intitulam de coordenação económica, como expressamente a lei lhes confere esse atributo, ao prescrever que eles se destinam a «coordenar e a regular superiormente a vida económica e social nas actividades directamente ligadas aos produtos de importação e exportação», esclarecendo ainda que «os grémios, uniões e federações coordenados pelos organismos a que este diploma se refere devem acatar os regulamentos e determinações por aqueles estabelecidos e promover o seu cumprimento por parte dos agremiados» (Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Julho de 1936, artigos 1.º e 4.º).
Sendo assim, ter-se-ia talvez considerado que viria a dar-se uma duplicação de funções ao colocar a corporação também como organismo coordenador. E, para fugir à dificuldade - perante a subsistência dos organismos de coordenação económica, no regime da proposta de lei - preferiu-se nada dispor, por forma ex-