884 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91
E, como reforço ainda deste pensamento, poderá pôr-se em dúvida se os laços de solidariedade entre as várias corporações - e só interessa que sejam fortes - não poderiam, em alguns casos, obscurecer ou diminuir a sua realidade de entidades consumidoras, perante aquela corporação que, em certo momento, se apresentava na posição de produtora.
Tudo parece, pois, fazer ressaltar a necessidade de uma representação especial do consumo em cada corporação a constituir. E, por isso, a Câmara sugere que o assunto seja considerado na devida oportunidade, sem deixar de se reconhecer o estudo e a ponderação que este importante problema requer.
Não se ignora a dificuldade na selecção ou escolha dos representantes do consumo, função que em regra nos aparece mal definida e deficientemente institucionalizada; até, porventura, sem possibilidade de uma organização sofrível.
Sem embargo, não só existem organismos especializados de consumo - as cooperativas -, como também há outros, não dirigidos imediatamente a esse fim, mas que o abrangem, como, por exemplo, os conselhos municipais e algumas instituições de defesa da família ou outras de índole similar. E, por último - ou até pelo começo -, bem poderiam escolher-se «homens bons» que, simultâneamente, dessem absoluta garantia de independência perante as forças produtoras e tivessem o valor intelectual bastante para, em verdadeira expressão qualitativa, representarem condignamente a função consumo.
§ 19.º
O principio da fiscalização: factor imprescindível do equilíbrio funcional
52. Em simples apontamento já anteriormente se disse que não é possível conceber a autonomia da corporação sem que o Estado nela se encontre devidamente representado, como supremo garante do bem comum.
É mais uma consequência imediata daquele princípio que denominámos «do equilíbrio funcional», considerado no seu aspecto externo, isto é, a função social desempenhada pela corporação actuando solidariamente, com todas as outras funções sociais, no quadro geral da Nação. Consequência directa daquele citado princípio, e também desse outro, seu corolário lógico, a que chamámos o a princípio da intervenção da parte interessada».
É quase ocioso esclarecer que este último princípio não funciona apenas nas hipóteses figuradas há pouco, nomeadamente o caso frisante do consumo ou a divergência de interesses entre trabalhadores e entidades patronais. O princípio é de aplicação genérica e, portanto, temos de encontrar maneira de lhe dar satisfação em todas as vicissitudes do funcionamento institucional.
Bastaria este imperativo de generalidade para se concluir, desde logo, que o instrumento realizador do princípio não pode deixar de ser o Estado. Só ele, por certo, tem essência para consubstanciar a síntese de todo o complexo dos interesses nacionais e tem legitimidade para o representar em quaisquer corpos constituídos. Pertence-lhe, pois, a defesa do interesse geral, em todas as emergências, perante os múltiplos interesses particulares que impulsionam e vivificam os indivíduos ou as instituições por eles formadas.
O facto de ser o Estado, por direito próprio/o agente primacial daquele «princípio da intervenção da parte interessada» não é impeditivo, òbviamente, de existirem outros representantes do interesse geral, sempre que este se possa individualizar, sorno é o caso da função consumo. E, quando tal suceda, essa «parte interessada» participará na corporação, em vez de um, com dois representantes.
53. Por esta via é-se levado a concluir imediatamente que o Estado tem de ter o seu lugar próprio na corporação.
E repare-se até que a imprescindibilidade da presença estadual se avoluma, e ganha evidência, à medida que aumentem as funções atribuídas à corporação. Num corporativismo autónomo, cuja linha tendencial é forçosamente uma autodirecção da economia, pode começar-se por não conferir inicialmente à corporação toda a competência que a sua própria natureza lhe assina. Mas o termo da evolução é necessàriamente esse.
Sendo assim, importa ter bem presente que o princípio da autonomia, para poder ser admitido em todo o seu amplo significado, requer imperativamente um certo condicionalismo, sobre o qual temos estado a debruçar-nos.
Podemos exprimir mais sugestivamente esta realidade dizendo que autonomia e fiscalização constituem duas forças contrárias e de igual intensidade que convergem na corporação e devem ter aí o seu ponto de equilíbrio. Se uma delas aumenta, em detrimento da outra, pode romper-se o equilíbrio em duas direcções, ambas perniciosas para o destino da corporação: ou a fiscalização cresce de tal modo em poder que perde a sua natureza específica e se transforma num comando
- e temos subvertida a corporação em órgão do Estado -, ou a autonomia exorbita dos seus limites, sobrepondo-se inteiramente à fiscalização - e temos o económico a dominar o político e a corporação a ser um elemento perturbador no meio social.
Há, pois, que demarcar precisamente as fronteiras entre a autonomia e a fiscalização. Mais ainda - demarcá-las ab initio, para que os seus dois campos se definam sem possibilidade de dúvidas ou hesitações; e de tal sorte que nem a autonomia redunde em mero rótulo de fachada nem seja ilusória ou simbólica a intervenção fiscalizadora do Poder Central.
Não se julgue, porém, que estamos em face de um problema complexo ao querer delimitar, equilibrada e rigorosamente, as esferas de acção dos dois princípios da autonomia e da fiscalização. Seríamos tentados a dizer até que esse problema se põe com relativa simplicidade, dado que o conteúdo da autonomia, com os seus poderes de comando e gestão, é nitidamente distinto do campo fiscalizador, com os seus atributos específicos de informação, vigilância, controle, assistência (obrigatória!) à discussão e votação dos actos gestivos e tantos outros factos similares ou derivados.
O lema terá de ser este: para se conferir à corporação uma autonomia autêntica, forçoso é que também a fiscalização seja exercida por forma autêntica.
Isto equivale a dizer que o órgão estadual deverá ser previsto e montado em termos de eficiência, vigilância permanente e actuação pronta, de modo a que o Estado - guardião do bem comum - esteja ao corrente de tudo quanto se passa na corporação nos seus múltiplos aspectos, nomeadamente a actividade gestiva, a regularidade dos serviços, a legalidade das resoluções, a capacidade dos dirigentes, a consciência corporativa e a moralidade do ambiente.
Sem entrar aqui em pormenores, que haviam de considerar-se descabidos, não deve omitir-se, contudo, uma referência particular à competência do representante estadual para, em casos excepcionais, fazer subir à Câmara Corporativa - funcionando como organismo coordenador das corporações - uma deliberação votada pelo conselho da corporação. E ali, já em plano na-