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16 DE DEZEMBRO DE 1963 471

É-o, do ponto de vista da composição do corpo ressuscitado, por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, o próprio corpo vivo não é constituído sempre pela mesma matéria, o que, de per si, tira todo o sentido àquela suposta exigência de que o corpo ressuscitado seja necessária e integralmente formado pela matéria do corpo vivo. Em segundo lugar, de acordo com a Revelação, o corpo ressuscitado será um corpo transformado, por tal modo que, tendo a mesma identidade que o terreno, não será igual a ele, antes terá propriedades e atributos que lhe assegurarão configuração particular, superior à presente
E é ainda errónea aquela ideia no que respeita ao processo por que se há-de operar a ressurreição. Esta não será efeito de simples causas naturais, antes será obra directa de Deus, realizada fora das leis naturais, e constituirá portanto um milagre.
As dúvidas e objecções acima apontadas filiam-se, portanto, numa concepção simplista e naturalista da ressurreição, que não corresponde nem à natureza do corpo humano, nem à forma como a Revelação nos apresenta a promessa da ressurreição. Esta consideração seria suficiente para pôr de lado tais dúvidas e objecções, mas podemos insistir um pouco no problema, examinando-o na perspectiva que correctamente se pode inferir da Revelação.
Esta afirma-nos que o corpo ressuscitado será idêntico ao terreno, mas não nos elucida acerca da realidade em que há-de traduzir-se essa identidade, e os teólogos desde há muito vêm discutindo este problema, não no intuito de descobrirem aquilo que á um mistério, mas tão-somente no de tentar averiguar quais os aspectos racionais em que a solução desse mistério presumivelmente se há-de enquadrar.
Nem mesmo, porém, com este objectivo limitado os autores conseguiram chegar a acordo sobre a questão. Para alguns, a identidade do corpo ressuscitado com o terreno implicaria, pelo menos, a subsistência de uma parte mínima do corpo terreno ou a permanência dos princípios essenciais que lhe dão o ser. Outros, partindo do conhecimento de que a matéria do corpo vivo é essencialmente mutável e de que é a alma, forma do corpo, que lhe dá unidade e continuidade, entendem que, para a identidade do corpo terreno com o futuro, bastará (em todos os casos ou apenas em hipóteses excepcionais, segundo as opiniões) que a alma do ressuscitado seja a mesma que a do vivo, visto ser corpo de uma pessoa precisamente aquele conjunto de matéria que em cada momento é enformado pela alma (118).
Não nos cumpre, evidentemente, entrar na discussão deste problema, mas apenas chamar a atenção para o facto de os próprios termos em que ele se acha formulado e os elementos de que se dispõe para o resolver ser suficiente para afastar as dúvidas e objecções baseadas no simplismo naturalista.
Desde que a Revelação ensina que o corpo futuro será o mesmo que o terreno, embora transformado, parece natural admitir-se que os elementos componentes dos corpos mortos que ainda subsistam com a impressão da «forma» venham a entrar na composição do corpo futuro. Sabe-se também que a matéria do corpo vivo está em constante renovação e que a unidade e identidade lhe é assegurada pela forma que no homem é a alma imortal.
Por outro lado, resulta da Revelação que o corpo futuro, conquanto seja específica e numericamente idêntico ao terreno, não será igual a ele, antes possuirá atributos especiais e, tratando-se do corpo dos bem-aventurados, não haverá nele as deficiências e limitações de que porventura haja padecido em vida o corpo ressuscitará com tudo o que é exigido não só pela natureza, mas também pelo decoro e perfeição do homem (119). Tudo isto nos demonstra que a identidade do corpo não exige toda a matéria do corpo terreno, tal como em alguns casos, não se poderá contentar com essa matéria.
Mas, querendo-se levar mais longe estas considerações, ainda poderemos acrescentar àqueles aspectos, geralmente considerados pelos autores, um outro que nos é sugerido pelos conhecimentos modernos.
Na verdade, não parece descabido observar-se que a unidade e permanência do corpo humano, decerto resultante do influxo da alma que é a forma substancial do homem, se opera mediante um fenómeno a que poderemos chamar a autogeração do corpo. As células do organismo resultam todas de sucessivas multiplicações a partir do ovo, e descendem todas deste; por isso, ou sejam células persistentes ou derivem de outras, inserem-se sempre nessa linhagem que, não apenas pelo aspecto da forma, mas também pelo da matéria, lhes assegura unidade e identidade através do tempo. Por seu lado, a matéria constitutiva dessas células e, bem assim, a matéria que as circunda fazem parte do corpo, porque são elaboradas e por assim dizer vivificadas pelas mesmas células, e por isso, em certa medida, sempre se podem considerar descendentes do corpo, ainda que este as capte do exterior. A matéria do corpo muda constantemente, mas não por efeito de mera substituição mecânica, como as peças partidas de um relógio são substituídas por outras directamente provindas do exterior e simplesmente justapostas às demais o corpo gera-se continuamente a si mesmo a partir da primeira célula, e esta, por seu lado, provém de outras fornecidas pelos pais, facto que estende a linhagem de que falámos até aos primeiros progenitores da humanidade e fundamenta a unidade de todo o género humano.
Esta realidade permite-nos formular a hipótese de que também na ressurreição as coisas se passem por modo semelhante para que o corpo futuro seja idêntico ao terreno seria necessário, mas também plenamente suficiente, que a matéria dele constitutiva se inserisse nessa autogeração. Sem isso, quebrar-se-ia a cadeia ininterrupta desde os primeiros pais, na qual assenta - e este ponto tem especial interesse teológico - o parentesco de sangue com Cristo. Mas não seria necessário mais do que uma pequena partícula do corpo terreno, pois se, pelo poder de Deus, lhe fosse dada a possibilidade de se multiplicar e reintegrar o corpo em obediência à forma substancial, em termos de toda a restante matéria descender dela, o corpo ressuscitado seria em conjunto o mesmo corpo, tão real e verdadeiramente, como na vida terrena é sempre o mesmo corpo aquela matéria que pela autogeração sucessivamente vai constituindo o composto humano através do tempo. E essa identidade fundada na identidade da alma e na autogeração da matéria por ela enformada seria tão efectiva naqueles cujos corpos tivessem subsistido relativamente intactos como naqueles cujas cinzas se achassem dispersas, visto que os elemen-(...)

(118) Sobre este problema veja-se Schimaus, ob. cit., vol. VII, p. 281 e seguintes, e L. Ciappi, La risurresions dei moris secondo la dottrina cattolica, in Christus Viclor Mortis, de J. Alfaro e outros, Libreria Editrice dell'Università Gregoriana, Roma, 1958, p. 14 e seguintes.
(119) Cf. o Catecismo Romano, na tradução espanhola de Pedro Martin Hernandez, edição da Biblioteca de Autores Crístianos, Madrid, 1956, p. 274.