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472 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

(...)tos de identificação seriam para estes tão permanentes como para os primeiros.
Seja como for, o certo é que o pouco que a Revelação nos dá a conhecer acerca do corpo ressuscitado, e os próprios termos do problema teológico suscitado a esse respeito, nos garantem a certeza de que a ressurreição não se há-de operar pela simples reunião e reanimação de toda a matéria (em muitos casos superabundante e deficiente em outros) que tenha constituído o corpo terreno. Tanto basta para repudiar as dúvidas e objecções acima formuladas e oriundas de uma concepção simplista e naturalista da ressurreição inteiramente infundada.
Outro aspecto há, porém, como se disse - e este muito mais seguro e importante -, que nos leva a rejeitar essa concepção como profundamente errónea Seja qual for a composição do corpo futuro, a ressurreição nunca resultará de causas naturais, mesmo que a matéria do corpo terreno seja, no todo ou em parte, aproveitada para o ressuscitado e ainda que intervenham na ressurreição processos semelhantes aos naturais (como seria o da autogeração dos elementos da matéria viva, uns a partir dos outros, na hipótese formulada), a ressurreição seria sempre obra directa, ao Deus A alma dos mortos encontra-se privada do poder de congregar e animar a matéria (nisto consiste, afinal, a morte) e só Deus lhe pode restituir tal poder. E é evidente que a Providência omnipotente poderá suprir todas as deficiências da matéria como terá de acontecer em relação às limitações e deformações congénitas de que o corpo terreno porventura tenha padecido.
A destruição do corpo é a dura lei da morte, seja qual for o modo por que ela se opera e ainda que envolva a confusão da respectiva matéria com a de outros corpos. Nada disso prejudica a ressurreição, todavia, e por esse motivo não pode inferir-se desta qualquer argumento contra a colheita de tecidos e órgãos de cadáveres para fins terapêuticos, nem qualquer razão de escrúpulo moral em relação a essa prática. Os mortos não têm direito à conservação do corpo, e a destruição deste, seja qual for o modo como se efectiva, não os priva de alcançarem a promessa da ressurreição.

29. APRECIAÇÃO DOS FINS PROPOSTOS PERANTE os FINS INTRÍNSECOS DE OUTRAS PESSOAS - Continuando a abstrair, por agora, dos problemas relacionados com a urgência da colheita, importa averiguar-se se o aproveitamento do cadáver para fins terapêuticos e de investigação científica ofende por algum modo os fins intrínsecos de outras pessoas.
Este problema pode apresentar-se em relação aos fins do culto religioso, aos fins do próprio beneficiário, do aproveitamento de órgãos e tecidos do cadáver, aos da comunidade em geral e, finalmente, dos familiares do falecido.
Quanto aos primeiros - os fins relativos ao culto - não parece possível descobrir-se qualquer incompatibilidade com os fins terapêuticos e de investigação científica. Somente poderá verificar-se alguma sobreposição, no tempo, das intervenções necessárias com os actos de culto, mas isso não passará de mera dificuldade material, fácil de se remover na prática.
No tocante ao beneficiário dos enxertos de tecidos ou órgãos do cadáver, é óbvio que, destinando-se tal operação a salvar-lhe a vida ou a restaurar-lhe a saúde, em princípio ela é perfeitamente conforme com os seus fins intrínsecos.
Mas não poderá essa operação ofender a dignidade e decoro do beneficiário?
Relativamente a generalidade das aplicações dos tecidos e órgãos colhidos a que visa o projecto, é manifesto não haver qualquer razão para recear essa ofensa nada pode ver-se de indigno ou indecoroso na transplantação da córnea, no enxerto de pele para tratamento dos grandes queimados, no enxerto de ossos ou vasos, etc.
Teoricamente, porém, poderá admitir-se que surjam aplicações contrárias à dignidade e ao decoro das pessoas, e talvez não apenas do beneficiário, mas também do falecido. Talvez se pudesse encarar, por esta forma, por exemplo, a transplantação de órgãos sexuais para, no corpo vivo, desempenharem função endócrina. Já se tem tentado essa operação com órgãos de animais, prática condenável moralmente, como Pio XII reafirmou no citado discurso de 18 de Maio de 1956 (120), e nem sequer é desconhecida a transplantação desses órgãos de um homem vivo para outro é frequente citar-se em livros italianos o caso de um indivíduo, internado num hospital de Nápoles, ter vendido um testículo por 10 000 liras, para ser enxertado noutro (121).
O enxerto de órgãos sexuais de cadáveres seria, a nosso ver, e em princípio, contrário à dignidade e decoro das pessoas, seja pela colocação anormal e pela função meramente endócrina a que ficariam sujeitos, seja, acima de tudo, pela influência ou desvio da personalidade que, possivelmente, resultaria dessa mesma acção endócrina.
Não parece, contudo, necessário preverem-se estes casos em especial. Quando muito se justificará um princípio maleável pelo qual sejam proibidas as aplicações de tecidos ou órgãos de cadáveres quando contrárias aos bons costumes.
No que respeita à comunidade, já vimos que devem considerar-se intrínsecos e dignos de protecção os fins terapêuticos, bem como os de investigação científica destinada ao aperfeiçoamento da medicina. A forma de os pôr em prática, porém, pode prejudicar certas condições gerais da vida social, tais como a segurança das pessoas, o decoro e respeito devidos ao cadáver e a ordem e tranquilidade pública, verificar-se-ia o último aspecto se, por exemplo, se tornasse frequente a «corrida» aos cadáveres, ou se criasse a possibilidade de estes serem reclamados directamente às famílias, em termos de estas ficarem à mercê de censuras públicas se os recusassem - pense-se, por exemplo, na perturbação a que se daria lugar se a voz pública ou até os exploradores de escândalos viessem apontar um pobre cego, propagando que ele poderia estar curado se tal ou tal pessoa ou família não houvesse impedido a colheita, em determinado cadáver, da córnea necessária para o libertar da cegueira. Este problema não apresenta, no entanto, verdadeira autonomia, pois assenta em preocupações que simplesmente devem reflectir-se no regime do aproveitamento de tecidos e órgãos cadavéricos, e que, por isso, melhor se considerarão no exame da especialidade.
O problema mais importante que pode suscitar-se a este respeito é o da averiguação da morte, mas esse ponto respeita propriamente à urgência da colheita e será ao referirmo-nos a esta que o teremos de considerar em especial. Resta-nos, portanto, o problema da compatibilidade dos fins propostos com os fins intrínsecos da família do falecido.
Já pusemos em evidência como é antiga e profunda a tendência para respeitar e venerar o cadáver, e mostrámos, até, o fundamento teológico que, a essa inclinação, atribui (...)

(120) Lugar citado, p. 18.
(121) Cf., por exemplo, Francesco Ferrara, Diritto delle Persone e di Famiglia, p. 101.