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476 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

de investigação científica, o segundo dos quais, no entanto, parece ser considerado no projecto com certa hesitação e reserva.
Nos artigos 2.º a 4.º regulamenta-se a recolha no que respeita ao consentimento do falecido e da família e, conquanto se procure facilitar a obtenção de órgãos e tecidos e se queira providenciar sobre este assunto por forma adequada à urgência das intervenções para tal necessárias, pode sustentar-se que, em geral, se nota nestas disposições a preocupação de satisfazer cabalmente a todos os interesses em causa.
Nos artigos 5.º a 9.º fixam-se as condições técnicas e administrativas em que deve efectuar-se a colheita, e também neste ponto o projecto se mostra, nas linhas gerais, ponderado e prudente.
Finalmente, nos artigos seguintes, depois de se regulamentar a distribuição de tecidos e órgãos, proíbe-se qualquer remuneração ou indemnização pelo facto da recolha, define-se a responsabilidade pelos encargos de conservação dos tecidos e órgãos, prevê-se a responsabilidade penal por efeito das colheitas ilegais, permite-se ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar o estabelecimento de bancos de olhos e outros órgãos por entidades públicas ou particulares, e, por fim, determina-se a data de entrada em vigor do diploma projectado.
Vistas em conjunto, as disposições deste revelam claramente a preocupação de introduzir entre nós os novos aproveitamentos do cadáver com a necessária prudência, bem como respeitar os vários fins que por eles podem ser postos em causa. E em alguns aspectos o projecto opta por soluções mitigadas, como se infere das restrições que, aliás com alguma contradição, se fazem a respeito do fim de investigação científica, assim como da proibição de qualquer indemnização pela colheita de órgãos ou tecidos, a qual, como se pode concluir do autorizado ensinamento de Pio XII, não é de rejeitar in limine, e constitui, pelo menos, uma questão moral ainda em aberto (126).
É claro que em diversos pontos a doutrina do projecto merece reparos ou necessita de ser esclarecida, mas esse aspecto pertence ao exame na especialidade. Tomado na generalidade, o projecto mostra-se, segundo cremos, em harmonia com os princípios ditados pela justiça e pela prudência e merece portanto o franco aplauso da Câmara Corporativa.

II

Exame na especialidade

§ 1.º Observações prévias

33. SISTEMATIZAÇÃO DA PRESENTE PAUTE DO PARECER - Assente a conclusão de o projecto em exame ser, no conjunto, conforme aos princípios da moral e do direito, e de evidente conveniência social, cumpre examiná-lo agora em pormenor.
Pela leitura do respectivo articulado verifica-se, no entanto, haver nele diversos aspectos comuns, em relação aos quais é indispensável tomar-se previamente posição, sem o que não poderão apreciar-se, com a devida consciência, as soluções contidas em cada preceito em particular.
Por tal motivo dividiremos esta parte do parecer em dois parágrafos distintos o primeiro será consagrado exactamente ao exame daqueles aspectos comuns, que são, afinal, alguns dos mais importantes e que dominam todo o diploma projectado, em outro parágrafo, consideraremos em pormenor cada uma das disposições ou dos grupos de preceitos em que se desdobra o projecto.

34. ELEMENTOS UTILIZADOS NESTE ESTUDO - No decorrer do exame na especialidade teremos de, por diversas vezes, invocar alguns documentos que serviram de fonte ou foram considerados na elaboração do projecto, mas que, por serem inéditos, não podem individualizar-se e citar-se com a precisão usual.
Por esse motivo convém registá-los aqui em termos genéricos.
Antes de mais, devem mencionar-se os documentos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência a esta Câmara. De entre eles merece referência particular um articulado relativo ao tema deste parecer, donde julgamos ter sido extraída a versão definitiva do projecto. Sobre esse texto, a que por convenção daremos o nome de «anteprojecto», foram ouvidas diversas entidades (Ministério da Justiça, Faculdades de Medicina, órgãos de coordenação da assistência, hospitais, etc.), e pelos respectivos pareceres e informações, acompanhados da correspondência a respeito deles trocada por essas entidades com o Gabinete do Ministro da Saúde e Assistência - peças também enviadas a esta Câmara -, pode seguir-se em muitos pontos a génese do projecto definitivo. Elementos importantes foram também cedidos ao relator pela Direcção-Geral de Saúde. Devem citar-se, em especial, um douto parecer da Faculdade de Medicina do Porto, datado de 15 de Abril de 1959 (do qual consta, nomeadamente, um articulado de bases sobre a colheita e aproveitamento de tecidos e órgãos), e um conjunto de bases elaboradas por aquela Direcção-Geral, postas em confronto com a redacção que para elas foi sugerida pelo serviço do contencioso do Ministério da Saúde e Assistência e com o texto definitivamente proposto pela mesma Direcção-Geral de Saúde. A estes elementos, de muito interesse para o nosso objectivo, chamaremos genericamente «bases».
Deve aludir-se, finalmente, a um conjunto de valiosas informações obtidas através dos ilustres Prof. Doutor Jorge Horta, antigo bastonário e representante da Ordem dos Médicos nesta Câmara, e Arsénio Nunes, director do Instituto de Medicina Legal de Lisboa.
Todos estes elementos foram de relevante utilidade e é de inteira justiça salientar-se o contributo que forneceram para o exame do projecto na especialidade.

§ 2.º Aspectos comuns

35. FINALIDADES ADMITIDAS PARA A COLHEITA DE TECIDOS E ÓRGÃOS CADAVÉRICOS - O projecto que, como fica dito, tem em vista apenas as intervenções em cadáveres de pessoas recém-falecidas, prevê a colheita de órgãos e tecidos com dupla finalidade a terapêutica e a de investigação cientifica. Refere-se, todavia, a esta última em termos de suscitar dúvidas e de tornar necessário definir-se um critério firme antes de se iniciar o exame das respectivas disposições em particular.
Na verdade, o artigo 1.º permite a colheita de órgãos e tecidos que forem considerados necessários para fins terapêuticos ou de investigação científica ligada às técnicas de enxerto de tecidos humanos. Logo o § 2.º do mesmo artigo alude, porém, a colheitas destinadas a fins de investigação cientifica sem qualquer restrição, no caso de morte devida a doença infecto-contagiosa, e, sendo certo que em tal hipótese os tecidos não podem, pelo menos em princípio, ser usados em enxertos, não há dúvida de que esse pre-(...)

(126) Discurso e lugar citados, p. 24.