480 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51
Mesmo esclarecido assim qual deve ser o local da colheita, ainda resta uma dúvida o artigo 5.º, como se viu, só permite a colheita em clínicas ou instituições universitárias, hospitais ou estabelecimentos de assistência que forem indicados em portaria do Ministro da Saúde e Assistência, ou deste e do Ministro da Educação Nacional, diversamente, o artigo 3.º regula as recolhas no corpo de pessoas falecidas em clínicas ou institutos universitários, nas instalações não particulares dos hospitais ou em quaisquer estabelecimentos oficiais de assistência. O artigo 5.º tem em vista o local da colheita, enquanto o artigo 3.º se refere ao do falecimento, e não restringe a sua doutrina a estabelecimentos autorizados pelo Ministério ou Ministérios mencionados. Quererá isto dizer que se compreendem no artigo 3.º os cadáveres das pessoas falecidas em todos os estabelecimentos nele referidos, ficando, porém, a colheita reservada a alguns deles, ou deverá, antes, considerar-se o artigo 3.º delimitado pelo disposto no artigo 5.º?
A primeira solução obrigará presumivelmente a fazer deslocações de cadáveres, o que pode ter relevantes inconvenientes. Mas, atendendo-se a que é susceptível de atribuir maior latitude às facilidades de que o artigo 3.º procura rodear as colheitas, e considerando-se ainda que nada obsta a que os próprios serviços onde se verifica o óbito sejam seleccionados pelo processo estabelecido no artigo 5.º, parece-nos preferível a solução de reconhecer âmbito diverso aos dois preceitos poderão fazer-se colheitas, ao abrigo do artigo 3.º, no corpo de pessoas falecidas em todos os estabelecimentos para tal previstos em portaria, ainda que, nos termos do artigo 5.º, as recolhas sejam reservadas apenas a alguns desses estabelecimentos.
37. ENTIDADES COMPETENTES PARA A COLHEITA E DESTINO DOS TECIDOS E ÓRGÃOS RECOLHIDOS - Outros aspectos a respeito dos quais não se apreende com clareza o pensamento do projecto, e que convém considerarem-se em conjunto, respeitam à determinação das entidades competentes para a colheita e do destino que devem ter as peças recolhidas.
Estes pontos não se acham, com efeito, devidamente esclarecidos e alguns preceitos do projecto parecem até revelar orientações divergentes.
Assim, encontram-se, nele, preceitos susceptíveis de sugerirem que qualquer médico pode, livremente, efectuar colheitas em cadáveres, para as empregar na sua clínica. Tal parece ser o sentido, por exemplo, do artigo 2.º, § 3.º, onde se fala em «o médico que pretender efectuar a colheita», e mais ainda o artigo 7.º, que apenas se refere ao «médico», estabelecendo que ele só poderá efectuar a recolha depois da verificação do óbito nos termos do artigo 6.º Por estas disposições, parece que qualquer médico poderá proceder à colheita, ficando naturalmente na posse dos tecidos ou órgãos recolhidos.
Por outra parte, porém, o § 2.º do artigo 5.º estatui que, enquanto não se encontrarem em funcionamento os respectivos bancos de órgãos, competirá aos directores das clínicas ou institutos universitários, aos directores clínicos dos hospitais ou aos chefes dos serviços clínicos dos estabelecimentos oficiais de assistência mandar afixar, em local público, a lista dos médicos autorizados a efectuar as colheitas, e o artigo 10.º preceitua que os órgãos ou tecidos serão requisitados, para fins terapêuticos, aos estabelecimentos em que se realizem as colheitas ou a bancos especializados para este efeito, e só poderão sê-lo pelos médicos que desejem utilizá-los e que ficarão responsáveis pela conservação deles até à completa utilização. Destas normas poderá inferir-se que só determinados médicos gozarão do direito de proceder à colheita e que as peças
recolhidas ficarão na posse dos estabelecimentos onde aquela se efectuar, até serem requisitadas para o respectivo emprego.
Do ponto de vista técnico, afirma-se nos pareceres que temos presentes que a recolha só deverá ser executada por médicos habilitados com a especialidade competente. E, no aspecto jurídico, já pusemos em relevo que os médicos só em nome do bem comum poderão ser autorizados a fazer colheitas em cadáveres.
Isto não significa, todavia, que, num regime de medicina exercida fundamentalmente como profissão liberal, a colheita e a posse dos órgãos ou tecidos recolhidos deva ser reservada a estabelecimentos oficiais. Devem rodear--se, é certo, das cautelas jurídicas e técnicas, e a recolha deverá fazer-se em regra, como se disse, em locais especializados, nunca deverão, porém, socializar-se ou colectivizar-se as operações de colheita nem a disponibilidade das peças recolhidas a orientação contrária representaria gravíssima limitação ao exercício livre da medicina e à consequente liberdade de escolha do médico e daria lugar a consequências nefastas no tocante à preparação e aperfeiçoamento do corpo clínico nacional.
Procurando-se sistematizar a matéria, parece que a primeira distinção para se fazer será a de a colheita se destinar a aplicações imediatas e concretas, ou a formar reservas em bancos especializados.
Esta última hipótese poderá respeitar tanto a bancos públicos, como a particulares (cf. o artigo 14.º do projecto). Em qualquer dos casos, estes bancos terão de ser abastecidos por tecidos ou órgãos recolhidos regular e
diuturnamente e as colheitas serão, naturalmente, efectuadas pelos especialistas pertencentes aos quadros dos próprios bancos ou por brigadas organizadas pelas entidades competentes. Se os bancos forem públicos, haverá que coordenar-se este serviço com aqueles em que estejam depositados os cadáveres ou em que deva executar-se a recolha, coordenação conseguida através dos directores dos estabelecimentos em que tais bancos se acharem integrados, ou à entidade a que todos esses serviços se encontrarem subordinados. Se os bancos forem particulares, as condições de funcionamento constarão do respectivo título de autorização, segundo o artigo 14.º do projecto, e, se eles não forem auto-abastecidos, esse título terá de prever as condições de requisição de colheitas e de coordenar estas operações com o funcionamento dos serviços em que elas devam ter lugar.
Em qualquer caso, serão esses bancos que ficarão na posse das peças recolhidas e que serão responsáveis pela respectiva conservação, e será a eles que ou os serviços clínicos interessados ou os especialistas autónomos terão de requisitar os órgãos ou tecidos necessários para as operações ou estudos que devam efectuar.
Na hipótese de não haver bancos, bem como na de serem necessárias peças recentes, as colheitas serão efectuadas para aplicação em casos individuais (da responsabilidade dos respectivos especialistas e, sendo caso disso, dos directores dos serviços interessados), e há toda a conveniência em instituir-se uma entidade que seja incumbida de superintender, fiscalizar e coordenar toda essa actividade. Para este fim, poderá admitir-se porém, se assim se julgar conveniente, o sistema de autorizações permanentes a médicos determinados, que deverão constar de listas oficiais de cada estabelecimento, para efeitos de fiscalização e responsabilidade. O que pode é discutir-se se tal lista deverá tornar-se pública; a Faculdade de Medicina do Porto, por exemplo, opina que, enquanto não existirem bancos de órgãos, é compreensível que haja um ou mais grupos de médicos encarregados de proceder às colheitas para fins terapêuticos ou científicos, mas que se não apresenta com (...)