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484 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 51

escrito «o consentimento por escrito - estabelece o § 1.º do artigo 2.º - considera-se válido uma vez que conste de documento autêntico ou de documento assinado pela pessoa que autoriza a colheita, e o consentimento verbal tem-se como prestado quando for testemunhado, em documento escrito, por duas pessoas de idoneidade reconhecida, ou pela família do falecido, ou pelo médico que efectuar a colheita».
O documento autêntico é manifestamente uma forma adequada, e a única modificação que a tal respeito se pode fazer consiste em se aditar expressamente o documento autenticado. Já não é aceitável, porém, a prestação do consentimento por simples documento assinado pelo falecido a possibilidade de se provar o consentimento com suficiente segurança é, note-se, de tanto interesse para a defesa dos direitos do defunto e da família, como para garantir os próprios médicos que procedam à colheita, e o documento simplesmente assinado pelo falecido, de valor já muito escasso em geral (cf. os artigos 534.º e seguintes do Código de Processo Civil), constituiria um meio mais do que precário para se atingirem esses fins, porquanto nada há de mais fácil do que induzir um doente a assinar uma declaração cujo conteúdo ele não compreenda, e não se vê como os autores da colheita poderiam, com facilidade, ilidir qualquer prova testemunhal e circunstancial que, nesse sentido, fosse produzida contra eles. Preferiu-se, por isso, admitir, como única forma deste tipo, o documento escrito e assinado pelo dador, com a letra e assinatura reconhecidas por notário.
Menos aceitável, ainda, será o consentimento verbal, se, para ser havido «como prestado», bastar a circunstância de ser «testemunhado em documento escrito, por duas pessoas de idoneidade reconhecida, ou pela família do falecido, ou pelo médico que efectuar a colheita». Mesmo pondo-se de parte o que há de juridicamente menos correcto naquela ideia de «testemunhar em documento escrito», não parece satisfatória a simples declaração de testemunhas sem qualificação particular - diz-se que hão-de ser pessoas de «idoneidade reconhecida», mas não se esclarece por quem e como se faz tal reconhecimento - e menos ainda a simples declaração do médico que proceda à colheita, neste último caso deixar-se-ia a prova a mercê da própria pessoa interessada em produzi-la, o que, fora da hipótese do juramento, há muito excluído dos meios legais de prova (e que tinha, aliás, um fundamento especial, de carácter religioso, inexistente no caso vertente), representaria uma solução completamente aberrante.
O projecto ainda vai mais longe, porém, e admite que a família do falecido impugne a validade do consentimento verbal, o que não permite quando ele é prestado por escrito este facto constitui uma confissão implícita, por parte do legislador, de que não atribui valor real ao «testemunhar em documento escrito», o que torna aquela forma ainda mais chocante e contrária aos princípios jurídicos. E essa impugnação da validade, de que nem sequer se precisam os fundamentos e que não se sabe por quem haveria de ser julgada, viria a dar lugar, muito provavelmente, a litígios sem fim, com grave prejuízo para o prestígio dos serviços
Em conjunto, cremos não exagerar dizendo que esta forma recebida no projecto, a ser aceite, viria a constituir na prática um processo de se iludirem as pessoas simples e desprovidas de meios para litigar, mas que, para as menos ingénuas e mais abastadas, seria uma porta aberta para lançar os médicos e os serviços nas demandas mais intricadas e de êxito mais incerto.
Compreende-se que se procure facilitar a prestação do consentimento, mas não podem admitir-se, para tal, meios de prova que não ofereçam um mínimo de segurança e - quase nos atreveríamos a dizer - de seriedade, e desde que se fixem meios de prova nessas condições não há motivo para se permitir, em termos especiais, a impugnação da respectiva validade, visto não se reconhecer à família, em geral, o poder de obstar à execução da vontade do falecido, quando este autorize a colheita.
A solução sugerida por esta Câmara consiste em se admitir o consentimento verbal reduzido a auto. Há-de ele ser prestado, expressamente, perante o director ou administrador de um estabelecimento oficial e duas testemunhas insuspeitas (isto é, que não sejam funcionários desses estabelecimentos, nem médicos autorizados a executar a colheita), e deve ser reduzido a auto, lavrado por aquela entidade e assinado por ela e, quando menos, pelas testemunhas. O auto lavrado nestas condições terá, em princípio, a natureza de documento autêntico (cf. o artigo 521.º do Código de Processo Civil) e, como tal, fará em regra prova plena da declaração do falecido, só iludível pela prova de falsidade e por via judicial (cf. código citado, artigos 526.º e seguintes), hipótese para a qual se sugerem sanções penais adequadas [V o texto proposto por esta Câmara, artigo 19.º, alínea b) do n.º 2.º e alínea b) do n.º 3.º], e, mesmo quando esse auto não constitua documento autêntico, parece ser rodeado de suficientes garantias para ser aceite como meio de prova, e representar uma forma que, embora simples e prática, não deixe de ser merecedora da confiança e revestida da dignidade requeridas por um assunto de tanto melindre.
O artigo 4.º do texto proposto, onde se regulamenta a proibição ou autorização das colheitas pelo falecido, contém ainda outros princípios, em parte inspirados ao projecto e cuja justificação se apreende facilmente pela simples leitura deles. Queremos salientar apenas, por serem inteiramente novos, o preceito do § 2.º, no qual se fixa o princípio de que os efeitos da declaração verbal cessam se o declarante tiver alta do estabelecimento onde a houver feito, e o do § 3.º, onde, ao exigir-se que a proibição do falecido, feita por forma não verbal, seja comunicada ao estabelecimento interessado, se preceitua que essa comunicação, quando tenha lugar em vida do declarante, deve efectuar-se durante a doença de que ele veio a falecer, são dois princípios paralelos, ditados pela prudência e destinados a evitar que se invoque, com surpresa para os serviços, qualquer declaração ou comunicação feita há muito e praticamente desconhecida no momento da morte.
Os artigos 5.º e 6.º da redacção proposta versam sobre o cumprimento da vontade do falecido, respectivamente nos casos de proibição e de autorização.
A respeito do primeiro, declara-se, a semelhança do artigo 2.º do projecto, que em tal caso as colheitas não são permitidas, em princípio. A esta regra exceptua o artigo 2.º do projecto a hipótese de «a lei expressamente determinar o contrário», mas esta redacção não é adequada, porquanto, literalmente, aquela excepção só se verificaria quando a lei expressamente declarasse permitidas as colheitas proibidas pelo falecido, e não há qualquer preceito legal em que se contenha esse princípio, por isso, ao consagrar-se aquela excepção, em si mesma indispensável, se preferiu dizer que não são permitidas as colheitas proibidas pelo falecido, salvo quando elas forem ordenadas por lei. A essa excepção se acrescenta uma nova a de as recolhas, apesar de proibidas pelo falecido, serem autorizadas pelo Ministro da Saúde e Assistência por grave mo-(...)