O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE DEZEMBRO DE 1963 489

(...)ceptíveis de apresentar gravidade muito variável não mereceriam igual tratamento, por exemplo, aqueles que se limitassem a executar uma colheita depois de terem decorrido as dezoito horas em que ela era permitida e aqueles que efectuassem essa intervenção sem o óbito se encontrar verificado nos termos legais, ou contra a expressa proibição do falecido. Acresce que há, nesse diploma, aspectos cuja violação não consiste na prática de colheitas ilegais e que, não obstante, são dignos de serem sancionados pela cominação de penas. Assim acontece com o princípio da gratuitidade da cessão do cadáver, a contravenção do qual já a Procuradoria-Geral da República propunha se aplicasse aquele § 2.º do artigo 247.º do Código Penal (131), e, mais ainda, com a segurança e veracidade da certificação do óbito para efeitos da colheita. Pelo § único do artigo 246.º do Código Penal, o facto de um médico passar a certidão de óbito de um indivíduo que, depois, se reconhece estar vivo, é punido com prisão agravada com multa, pena inadequada à extrema gravidade que essa infracção pode ter nesta matéria de colheita de tecidos ou órgãos, e, se é certo que, apesar daquela disposição, o médico não deixaria de incorrer em outras sanções, se as colheitas efectivamente se executassem no corpo de um vivo por ele dado como morto, também é verdade que - mais que não seja era vista do fim da intimidação - o melhor é consignar-se doutrina expressa a esse respeito, prevendo-se, inclusivamente, o agravamento das penas aplicáveis, em atenção à gravidade da matéria em causa.
Por todos estes motivos se elaboraram os artigos 19.º e 20.º do texto sugerido, nos quais se procurou prever as infracções mais importantes e se tentou dosear as penas por forma tanto quanto possível ajustada a respectiva gravidade.
Importa, no entanto, não se desconhecer que as colheitas de tecidos ou órgãos podem ser reclamadas por circunstâncias de tal forma prementes e graves que alguns dos actos incriminados neste diploma sejam praticados em condições de ao agente não ser humanamente exigível um comportamento diverso.
Por isso se introduziu, no artigo 19.º do texto sugerido, um preceito pelo qual se procurou quebrar a rigidez do sistema em relação às infracções em que essas circunstâncias podem verificar-se mais facilmente e em condições de merecerem maior atenção.

45. OBSERVAÇÕES FINAIS - Antes de terminar, esta Câmara deseja reafirmar o aplauso que, em geral, deu ao projecto de decreto-lei em estudo, não só pela oportunidade e interesse prático que ele oferece, mas também pela preocupação, nele claramente manifestada, de respeitar os princípios de justiça e a prudência exigidos por uma matéria cheia de melindre e ainda não regulada entre nós.
A Câmara pensa, até, que, na nova redacção proposta para o diploma examinado, mais não fez do que estruturar os princípios dominantes do projecto, mais ou menos explícitos no texto deste e nos respectivos trabalhos preparatórios.
Nessa nova redacção procurou-se encontrar, com harmonia e coerência, um sistema que garantisse as várias solicitações, por vezes aparentemente contraditórias, que se erguem em redor deste complexo tema.
Tentou-se delinear uma estrutura definida, mas sem se preconizar uma organização propriamente dita, rígida e pesada. Montou-se um sistema onde são claros o império e a primazia do bem comum, sem se cair na centralização ou no estatismo, e por isso se manteve sempre desperta a preocupação de se respeitar o exercício e a responsabilidade da medicina privada, embora enquadrando-a naquele sistema directamente dominado pelo interesse geral. Procurou-se, por fim, rodear o aproveitamento dos cadáveres das garantias legais, técnicas e administrativas indispensáveis, assegurando-lhe, todavia, a máxima maleabilidade e, quanto possível, a maior simplicidade nos aspectos meramente formais.
Conquanto se trate de matéria tão restrita como especializada, nela se diligenciou, afinal, por observar aquele equilíbrio, difícil mas ideal, entre a iniciativa autónoma das pessoas e dos organismos, por um lado, e, por outro, as exigências do bem comum, equilíbrio tão característico da mentalidade ético-social da nossa Constituição Política e tão radicalmente contrário à liberdade ilimitada e infrene, como à centralização e à colectivização.
Neste propósito houve que confiar, em numerosos pontos, à acção do Ministério da Saúde e Assistência grande parte dos pormenores do regime proposto, e por isso não seria difícil apodar-se este de simples estrutura formal, de conteúdo indeterminado. Mas tal crítica seria injusta, pois os grandes traços do regime e as directrizes que marcam o espírito do sistema são bem claros e precisos. Demais, só assim era possível edificar-se uma estrutura que, simultaneamente, fosse maleável e segura, e, por esta forma, o número e âmbito dos centros de colheita será mais ou menos extenso, as condições do aproveitamento de cadáveres mais ou menos severas ou benévolas e a intervenção dos Poderes Públicos mais ou menos ampla ou discreta, consoante o que for sendo exigido pela experiência, e, de começo, só a prudência e o senso dos executores da lei poderão tornar real e vivo aquele difícil equilíbrio de princípios e de exigências práticas que se procurou encontrar ao redigi-la.

III

Conclusões

Em síntese, a Câmara Corporativa dá a sua plena concordância às providências legais consubstanciadas no projecto em exame, o qual lhe merece o mais franco aplauso, seja pelo seu interesse e oportunidade, seja pela justeza de princípios com que foi elaborado.
Mas, para melhor estruturação e harmonia do sistema e de acordo com o que fica exposto a respeito do exame na especialidade, sugere a Câmara que a redacção do projecto seja substituída pela seguinte.

ARTIGO 1.º

(Cf. o artigo 1.º do projecto)

É permitida nos termos do presente decreto-lei a colheita, no corpo de pessoa falecida, de tecidos ou órgãos de qualquer natureza, nomeadamente ossos, cartilagens, vasos, pele e globos oculares, quando eles forem necessários para fins terapêuticos ou científicos e essa intervenção, para ser útil, não possa aguardar o decurso do prazo legal de prevenção contra a morte aparente.
§ único. Ainda que autorizadas pelo falecido, as colheitas não podem efectuar-se ao abrigo deste artigo quando forem contrárias à moral ou aos bons costumes, ou (...)