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16 DE DEZEMBRO DE 1963 481

clareza a razão ou a vantagem de ordem pratica ou técnica de se afixar em local público a lista dos médicos autorizados a executar a recolha, sistema que poderia até ser contrário aos princípios deontológicos, mas, destinando-se essas listas a garantir o exercício de direitos relativos ao cadáver, nomeadamente o de oposição familiar, e bem assim a assegurar a fiscalização das colheitas e a responsabilidade com estas relacionada, parece a esta Câmara mais vantajoso prescrever-se, como faz o projecto, a publicação dessas listas.
Como quer que seja, neste caso de colheitas destinadas a aplicações concretas, os médicos que as efectuarem, agindo no exercício da medicina como profissão liberal, serão os detentores das peças recolhidas e os responsáveis pela conservação e utilização delas.
Os sistemas sugeridos para estas duas hipóteses - a de a colheita ser destinada a bancos e a de ser feita para aplicação imediata e concreta - implicam sempre uma rotação determinada do estabelecimento ou serviço com os cadáveres aproveitados, relação que só pode assentar, normalmente, na circunstância de se tratar de corpos de pessoas falecidas em estabelecimentos ligados a tais serviços. No caso de pessoas cujo óbito se dá fora desses estabelecimentos (e pressuposto o regime de não obrigatoriedade, consagrado no projecto e que, como se disse, deve ser o adoptado em regra), falta qualquer elemento de conexão entre o cadáver e algum desses serviços e por esse motivo o processo de recolha só pode ser desencadeado em consequência de prévia determinação do falecido - à própria família se deve negar o direito de oferecer espontaneamente o cadáver, conforme se deixou dito no n.º 31 - e importa esclarecer-se o modo por que se há-de dar cumprimento a tal determinação.
Considerando a orientação defendida no número anterior acerca do local da colheita, e atendendo-se a necessidade de esta ser executada por especialistas competentes e dotados dos meios para tal exigidos, estas recolhas não poderão realizar-se por mera iniciativa privada, nem ser feitas, a título particular, por qualquer médico escolhido pela família. Logicamente, a intervenção deve ser requerida aos serviços competentes pela família ou pelos executores da vontade do falecido (herdeiros, testamenteiros, etc.) e terá de ser efectuada por médicos pertencentes a esses serviços ou por eles autorizados a executar tais operações. Poderia ainda admitir-se que, por disposição do defunto ou vontade da família, a colheita fosse executada por certo médico determinado, e este deveria então requerer aos serviços competentes a autorização necessária, se não gozasse já, em geral, da faculdade de neles efectuar tais operações, é de perguntar-se, porém, se esta hipótese - embora conforme aos princípios morais e jurídicos - tem suficiente interesse prático para valer a pena prevê-la em especial e para se arrostar com o agravamento da já grande complexidade das recolhas devidas à iniciativa do próprio defunto, quando falecido fora de estabelecimentos habilitados para as executar.
Outro aspecto desse caso particular de a iniciativa da colheita ter partido do próprio falecido reside na necessidade de se reconhecer aos serviços ou médicos interessados a faculdade de rejeitar o aproveitamento de certo cadáver, seja por motivo de carácter médico, seja em atenção à desnecessidade ou a dificuldade material da recolha - pode suceder, por exemplo, que o dador faleça em lugar muito afastado do local da colheita, em termos de esta ser impraticável ou demasiado onerosa. Nesse caso, porém, a família e os herdeiros não devem ser prejudicados nos seus direitos sucessórios ou em outros direitos de natureza privada, ainda que o falecido os haja condicionado ao aproveitamento do seu corpo.
Se a colheita se efectuar, mesmo por determinação do falecido, os encargos respectivos, sem excluir os de eventual transporte do cadáver, deverão ser suportados pelos serviços ou médicos interessados, salvo declaração expressa do dador em contrário. As colheitas são feitas no interesse público e devem fomentar-se as ofertas de cadáveres independentemente do grau de fortuna de quem as faça, e por isso não seria nem justo nem conveniente sujeitar a família ou os herdeiros às despesas da intervenção, mesmo quando determinada pelo falecido.
Um último ponto parece digno de ponderação nesta matéria do destino dos tecidos e órgãos recolhidos a aplicação que lhes for dada em concreto não deve ser tornada pública, tal como, no caso de se executar certa operação de enxerto, não deve ser revelada a origem do órgão ou tecido empregado. A orientação oposta poderia, em geral, criar atritos ou permitir extorsões por parte da família do falecido; só quando este destine as peças recolhidas ao benefício de pessoas determinadas se poderia, talvez, admitir a solução contrária.
É certo que o Artigo 9.º do projecto, na parte final do respectivo corpo, estabelece que deve constar do auto, lavrado acerca da recolha de tecidos ou órgãos, o destino dado a estes, mas esta disposição, inspirada no parecer da Faculdade de Medicina do Porto (cf. o ofício n.º 1824/60, de 16 de Setembro de 1960, do Gabinete do Ministro da Saúde e Assistência) - se bem que, pela cópia fornecida a esta Câmara, o pensamento de tal parecer não pareça muito claro neste ponto -, não prejudica propriamente a doutrina exposta, desde que o auto em questão em princípio seja usado apenas para efeitos oficiais e para fins internos dos serviços.

38. SISTEMATIZAÇÃO DO DIPLOMA PROJECTADO E OUTROS ASPECTOS COMUNS - As considerações feitas mostram que o projecto é, por vários pontos de vista, pouco definido e articulado.
Prende-se esta característica com certa falta de sistema que se observa nas disposições do diploma em estudo e que resulta provavelmente, pelo menos em parte, de a seriação dos artigos ter sido feita mais com a preocupação de evitar aspectos impolíticos de uma matéria que não se sabia como viria a ser aceite, do que com o propósito de erguer uma construção rigorosa e coerente. E também no estilo e técnica adoptados, que em diversos pontos mereceriam reparos sérios, se nota o reflexo da mesma orientação.
Se nos coubesse apreciar o projecto apenas pelo que ele é fundamentalmente - um diploma técnico, emanado de um Ministério técnico -, talvez que pudéssemos absolver estas deficiências, vendo-as como contrapartida da resolução rápida e eficaz de um problema prático importante. Desde, porém, que esta Câmara, com a responsabilidade que lhe impõem as suas tradições legislativas, se tem de pronunciar sobre o projecto, não se podem ignorar aqueles aspectos e é necessário tentar-se encontrar uma redacção que, garantindo o mais possível a maleabilidade de regime exigida por uma matéria ainda não experimentada entre nós, lhe assegure ao mesmo tempo aquele mínimo de estrutura lógica indispensável para a disciplinar. E os próprios problemas enunciados nos números antecedentes impõem a formulação de alguns princípios que, enquadrados nas directrizes fundamentais do projecto, correctas em si mesmas, as tornem mais explícitas e rigorosas.
Para esse objectivo, e tendo já em vista os pontos que nos parece necessário desenvolver, julgamos que a matéria do projecto se pode sistematizar nas seguintes rubricas:

a) Princípios fundamentais, relativos às colheitas de tecidos ou órgãos consideradas em conjunto, (...)