850 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82
Quase em seu termo mais uma experiência de preparação de um plano e de execução de outro, a Gamara entende dever olhar um pouco sobre um passado ainda tão próximo, pois algumas lições parece poderem colher-se, e lições a pôr em prática urgentemente.
No parecer de 1958, depois de recordar a proposta, feita quando da discussão do 1 Plano, para a criação de um órgão orientador do planeamento, historiava-se rapidamente a evolução das coisas até ao aparecimento do inspectorado superior do Plano de Fomento; e comentava-se: «estamos, porém, convencidos de que esta não poderá ser ainda, por insuficiente, a solução definitiva» (1).
Correram mais seis anos, a Inspecção transformou-se na Direcção dos Serviços de Planeamento, do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho. Mas a Câmara continua convencida de que a esta solução cabe inteiramente o comentário transcrito.
Qual deverá ser então a orgânica de planeamento a ensaiar? Parece metodologia correcta partir do exame das funções a exercer, para concluir pela sua atribuição a tais e tais organismos e para propor uma estrutura de relações entre esses órgãos. Vai interessar mais à Câmara, neste momento, explorar esta metodologia do que chegar a propor uma orgânica nova.
O processo de desenvolvimento planeado supõe três tipos básicos de funções: a preparação dos planos, a sua execução e o contrôle ou acompanhamento dessa execução.
A execução está distribuída por numerosos agentes económicos, sociais e políticos: no sector privado são essencialmente as empresas e no sector público, embora se depare com departamentos autónomos que executam projectos, a função essencial compete à Administração, que põe em curso as acções de política económica previstas no próprio Plano.
Quanto à preparação dos planos, foi tempo em que se cuidava dever entregá-la, monolìticamente, a um novo serviço público, que viria justapor-se aos departamentos das administrações tradicionais, para preencher essa nova função. Assiste-se, presentemente, a um movimento generalizado de dinamização dessas mesmas administrações clássicas, e no sentido de uma dupla abertura, às preocupações do longo prazo, e à colaboração com os outros departamentos - duas características que marcam, especificamente, as tarefas de preparação dos planos. O mesmo é dizer que um executivo moderno tende a ser, todo ele, impregnado do espírito, de funções e das técnicas de planeamento. Ainda, recentemente, se orienta neste sentido uma das conclusões da 4.ª Conferência de Estudo sobre os Problemas do Desenvolvimento Económico, promovida em Paris, de 7 a 11 de Setembro passado, pela O. C. D. E. e subordinada ao tema «Organização governamental e desenvolvimento económico».
Resta o contrôle de execução. Além de certo pendor para a descentralização, semelhante ao que se descreveu acerca da elaboração inicial, avulta sobretudo o movimento tendente a completar o contrôle financeiro pelos controles físicos, tanto dos projectos, como das metas de programação. E a própria actuação de contrôle vai sendo completada por uma acção contínua de acompanhamento da execução, o que se coaduna com a natureza dos planos, entretanto também modificada. Escreveram-se atrás algumas observações concretas acerca destes aspectos (n.º 36 deste parecer).
44. Não vai ocupar-nos muito a orgânica de execução, pois as atenções têm de convergir agora para as instituições e processos de preparação (implicitamente também para o acompanhamento e contrôle dos planos). Em todo o caso, não quer deixar de referir-se um certo número de pontos que se consideram mais importantes, designadamente para o caso português.
Um primeiro aspecto é o da adaptação dos serviços públicos às novas modalidades de intervenção do Estado: este assumiu responsabilidades que antes não tinha no lançamento de projectos, e muitas vezes projectos pioneiros, a servir de exemplo às actividades privadas; além disso, alargou-se de tal modo o seu campo de intervenção, que implicam maiores perdas pára a colectividade e para os próprios interesses particulares as quebras de eficiência dos serviços; finalmente, a atitude que hoje se exige aos agentes e órgãos de administração vem muito mais marcada de intuitos de persuasão (até em campos tradicionalmente repressivos, como o fisco e a polícia ...).
É em sequência destas concepções e exigências que por todo o mundo se atende francamente aos problemas de organização e métodos de trabalho nos serviços públicos, bem como às reformas administrativas, em especial quanto aos funcionários - seu regime jurídico e suas condições de formação e actualização. Nada se encontrou no projecto de plano respeitante a matérias de tanta importância e que assumem particular gravidade na situação portuguesa.
O outro aspecto a referir tem a ver com as empresas, fundamentalmente o sector privado, mas também as administrações autónomas de carácter industrial, sobretudo. Mudaram os tempos e as exigências; e já não é o empresário ou director de indústria tradicional que consegue atender aos domínios variados e múltiplos em que se inserem as acções a exercer nas empresas desde o apuramento tecnológico até à capacidade de inovação, da gestão financeira e económica à política de relações humanas, das colaborações com o Estado aos contactos com o estrangeiro e a todo o mundo complexo das relações públicas em geral.
Responde-se a estas tendências através da preparação sistemática de directores e administradores de empresas, função que as Universidades tantas vezes já tem chamado a si e em que sempre colaboram, mesmo quando não polarizam o movimento. É matéria em que se começou a trabalhar em Portugal - e há a destacar a influência dos cursos de produtividade do Instituto Nacional de Investigação Industrial; mas as Universidades mantêm-se inexplicavelmente apáticas.
Terceiro aspecto: a execução do Plano pelas numerosas entidades públicas e privadas que lançam as medidas de política e promovem os projectos ganha, indiscutivelmente, se tiver havido colaboração activa dessas mesmas entidades na fase de preparação, ganha em realismo e em exequibilidade - mas também será maior o entusiasmo e o esforço em realizar alguma coisa que é sentida como obra pessoal. Toda a problemática desta cooperação deve estar presente ao analisar-se a orgânica de planeamento em Portugal.
45. E como devem preparar-se os planos de fomento?
Tem-se consciência de que não é uma única a orgânica possível; mas também se está certo da tendência universal para determinadas soluções típicas quanto às diversas fases da elaboração, tendências que o exame cuidado das sucessivas experiências portuguesas (e já contamos três) parece confirmar.
A elaboração do Plano terá, antes de mais, de ser determinada por alguma entidade - normalmente um
(1) Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, pp. 369 e 370.