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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 41 336

grande brilho. Mas os seus cento e cinquenta anos não foram sequer lembrados, pelo menos em França. Parece que uma nova geração experimenta certo desprezo, ou pelo menos certa indiferença, para com a legislação do passado» Jacques Ellul chama a atenção para a raridade dos estudos modernos relativos ao Coda Civil - uma única excepção aponta, de 1950. E não falta mesmo, em França, quem demonstre que o papel desse Código terminou completamente.
Seria de mau gosto entrar em pormenores sobre as razões concretas, de há muito e em definitivo inventariadas, que tomaram urgente uma completa revisão do direito civil português. Recordarei tão-somente que às deficiências congénitas do Código de Seabra, outras se acrescentaram com o decurso do tempo tornaram-se cada vez em maior número as figuras jurídicas que não encontravam nele reconhecimento, ou pelo menos disciplina satisfatório, a respeito de muitos institutos verificou-se manifesta quebra de unidade entre a regulamentação do Código e as leis posteriores que os fizeram evoluir em direcções opostas, as cada vez mais fortes limitações a esfera de aplicação do Código, em virtude da crescente massa de diplomas complementares que disciplinavam - paia além ou contra os seus preceitos - capítulos fundamentais do direito civil, e nos domínios ainda confiados ao Código não raio a jurisprudência e a doutrina foram encontrando as maiores dificuldades para justificai as soluções ditadas pela consciência jurídica actual. Perderam-se, em suma, quanto ao Código de 1867, as melhores vantagens com que se abonam os defensores do direito codificado Sendo certo que, do ponto de vista técnico, também essa obra estava longe de podei satisfazei as instâncias da moderna ciência e pedagogia jurídica. Aspirava-se realmente a um novo Código que reconferisse unidade sistemática ao direito civil, tendo em conta as transformações do pensamento filosófico-jurídico, a acentuada tendência social na estruturação da vida económica e o manifesto declínio do patriarcalismo familiar.
E que nos oferece de facto o futuro Código Civil? Quais as coordenadas que o presidem? Satisfará as exigências e as aspirações do nosso tempo?
A resposta oficial a estas pertinentes interrogações foi já tomada pública pelo Ministro Antunes Varela, em discurso proferido no acto solene de apresentação do projecto ao País. Esse notável estudo encontra-se impresso no lugar próprio, junto ao projecto, e com ele foi levado às mãos de todos os juristas portugueses, e também às de todos os portugueses não juristas que tiveram interesse em o obter. Seguiram-se debates públicos em que os problemas foram leal e abertamente analisados por todos os que en tenderam ser seu devei ou seu direito - deixo ao critério de cada um a qualificação - emitir juízos e sugestões sobre um diploma de tão profunda repercussão jurídica, social e até política.
Mas, não obstante essa dilatada divulgação, acredito bem que estará muito certo que repensemos neste lugar - embora de modo sumário e falecendo-nos a originalidade - o conteúdo essencial do novo Código Civil.
Não me deterei a realçar que o diploma em apreço se inspira na filosofia jurídica contemporânea de reacção contra o positivismo legal. Trata-se de uma determinação que informa a arquitectura geral da obra e que tem aí importantíssimas aflorações práticas, das quais não será a menos significativa a forma como é posto e resolvido o problema das lacunas da lei (artigo 10 º).
Constitui um outro traço saliente do Código a nitidez com que se reflecte nele o cunho social do direito moderno Contudo, facilmente reconheceremos que se procurou um equilibrado termo de conciliação entre a liberdade individual e as exigências da recta convivência dos homens, entre os benefícios da iniciativa privada e a justiça social imposta pelo bem da comunidade.
Assim, no domínio das obrigações e dos contratos, permanece de pé o princípio da liberdade contratual, que permite às partes celebrar os contratos tipicizados na lei ou outros, acrescentando-lhes as clásulas que entenderem. A interpretação dos negócios jurídicos continua a orientar-se pela vontade das partes. E continuam a sei neste domínio abundantes as normas supletivas.
Mas há a contrapartida por um lado, incluíram-se numerosas e importantes normas imperativas, que restringem a liberdade dos contratantes, como as que fixam limitações à autonomia da vontade nos contratos de locação, sociedade, empreitada, doação, compra e venda, etc, por outro Indo, enveredou-se abertamente, em muitos pontos, pela técnica de introduzir preceitos contendo apenas directivas genéricas - e outra índole não possuem as chamadas cláusulas gerais ou estalões jurídicos - que possibilitam uma maior destreza aos julgadores na apreciação das situações concretas. Constituem alguns exemplos expressivos a relevância da boa fé na interpretação das declarações de vontade, no cumprimento das obrigações ou no exercício dos créditos, e na pendência do negócio condicional, a consagração expressa da doutrina da culpa na formação dos negócios e da figura do abuso do direito, a procedência do erro sobre a chamada «base do negócio», a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias e a condenação e larga delimitação dos negócios usurários.
Outro tanto se verifica no capitulo do direito de propriedade. Reconhece-se que a propriedade está na base da nossa ordem social. Mas a disciplina do Código assinala-lhe claramente uma função social controlada. Daí que se combata uma liberdade inconfinada do proprietário. Sabemos que as principais restrições ao direito de propriedade são de natureza publicística, designadamente a expropriação por utilidade pública, cujas finalidades justificativas também o nosso tempo tem visto alargar.
Na órbita que lhe diz respeito, o futuro Código Civil acolhe em termos razoáveis as tendências modernas Desde logo, colocando sob a alçada do instituto do abuso do direito o proprietário que exceda o fim económico ou social do poder que a lei lhe confere (artigo 334 º). E depois são muitas as restrições de ordem privatística impostas à propriedade, por motivo de relações de vizinhança ou de interesse comum. Realçou-se precisamente que todo o ânimo do legislador nesta matéria se revela no demarcar os poderes do proprietário muito ao contrário do que acontece no Código de 1867, o acento tónico como que recai agora nas limitações impostas pela lei, que são chamadas u intervir na definição do conteúdo do direito de propriedade (artigo 1305º).
Porque se verificou que a preocupação do social tem penetrado no direito privado fundamentalmente através «de uma longa sedimentação de soluções práticas», esclarece o Ministro Antunes Varela que neste campo se desejou sei por via de regra «mais intérprete do que criador». Explicando-se, portanto, «que muitas soluções aceites pelo projecto nos livros das obrigações e do direito das coisas, embora representem profundas inovações em face do credo liberal e individualista que domina o Código de Seabra, sejam a simples transplantação, para o direito codificado, de regimes há muito consagrados na legislação extravagante em vigor».
No capítulo das relações de família e do direito sucessório a preocupação dominante do novo diploma centra-se em propósitos de defesa e fortalecimento da instituição familiar - à luz da doutrina católica e dentro do espí-