174 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 98
porque será boa, é porque será mesmo óptima, para não casar ...
Pensei depois que a ideia do legislador talvez visasse a evitar que militares se casassem com mulheres cuja reputação não fosse tida como absolutamente irrepreensível, e, neste sentido, não seria eu, que tenho pelos exércitos a mais profunda das considerações (e aproveito a ocasião para prestar ao português as minhas melhores homenagens), que discordaria de qualquer preceito legal com objectivo tão salutar e tão ajustado às circunstâncias. No entanto, não devia ter sido essa a intenção do legislador, visto que no artigo 5.º do diploma em discussão se diz que, «paru efeitos da concessão da licença deverá atender-se à situação social da mulher, ao seu passado e de sua família...». Ora eu julgo (apesar do não ser juiz) que o bom ou mau passado de uma mulher não resulta do seu estado civil, mas sim dela própria ou, senão exclusivamente dela, no menos das influências de que é ou foi vítima ou beneficiária; e, por isso, não vejo razão para esta falta de humanidade do legislador para com as divorciadas (que muitas vezes o são mais por culpa dos maridos do que por outras causas), até porque a desonestidade tanto mora na divorciada, como na casada, na viúva, e mesmo na solteira. Não deve, portanto, ter sido o passado da mulher o facto influente no espírito do legislador, ao ser por esta determinada a restrição do artigo 4.º quanto à circunstância de ser divorciada a mulher do militar. Se não foi o passado, seria então o futuro?
Confesso que a ideia do futuro me sorriu, embora alimentada por um lampejo de esperança, que foi ainda mais efémero do que a própria vida. Realmente, podia muito bem a intenção do legislador ter sido orientada no sentido de contribuir por mais esta forma para a sã constituição da família portuguesa, não consentindo que ela assentasse sobre um casamento que tinha sido celebrado à margem do ritual católico, com todos as lamentáveis consequências que do facto inevitavelmente resultam. Mas a breve trecho me convenci de que o meu raciocínio não tinha sido mais feliz do que das outras vezes, dado que suo inúmeros os casos de mulheres divorciadas cujos casamentos foram apenas realizados civilmente e para as quais continuavam, portanto, abertas as portas da Igreja, e que, se fosse este o pensamento do legislador, então teria este adoptado, por certo, o expediente de o declarar com todas as letras, limitando a restrição tão somente às mulheres cujo estado civil as impedisse de se casarem religiosamente...
Seguro de que ainda desta vez não me fará dado atinar com o intuito do legislador, e de que tinha esgotado as várias combinações e raciocínios que a novidade jurídica me permitia, já me havia resolvido a desistir de aprofundar mais detalhadamente o problema quando, de súbito, me assaltou ao espírito a ideia de que talvez, no fim de tudo, a intenção do legislador tivesse até a sua origem num acto de superior inteligência para a determinação da nova ordem política, de larguíssimo alcance para a organização da nova ordem jurídica e de profundo conhecimento do figurino psíquico das nossas mentalidades.
Admiti, confesso, nesse momento que a cláusula talvez constituísse em última análise um passo de hábil infiltração de novo sangue nus veias já um pouco enfraquecidas pelo envelhecimento de certas doutrinas individualistas, e que a qualquer outro se preferira p sistema ora adoptado, em vista de certas tendências verificadas durante a legislatura passada nesta Assembleia. Pensei e admiti, confesso, essa hipótese, mas não sei nada. Não sei evidentemente nada. É claro que, se assim for, o problema muda muito de figura. Em todo o caso, peço vénia ao Governo para sugerir a V. Ex.as que não será talvez desacertado, em face de certas estipulações do nosso estatuto nacional, aceder-se ao estado do valor legal do preceito da restrição feita à mulher divorciada; e esta circunstância me serviria de ponto de apoio para me decidir, conforme as palavras do Regimento, no sentido da ratificação do presente decreto-lei com emendas, ainda que isto só se figure, perante a minha sensibilidade, através da necessidade de se ouvir a Câmara Corporativa sobre a viabilidade jurídica do novo princípio do diploma em debate, e já agora sobre a legitimidade dê outros princípios postos em relevo pelos meus ilustres antecessores no uso da palavra.
Mas não me apraz terminar estas considerações sem vos fazer uma confidência: suponho adivinhar que nesta altura talvez V. Ex.as estejam todos convencidos de que eu sou um entusiasmado defensor do divórcio. Peço a V. Ex.as que não pensem isso. Nunca me pronunciei a favor de semelhante instituição, e aproveito agora a oportunidade para declarai- que, se ela me parece necessária em casos muito especiais, também a considero de consequências funestíssimas para a indispensável estabilidade da família, e para deixar ainda bem expresso que a repudio em absoluto nos matrimónios de que haja filhos menores. Para mim a questão é muito outra.
É apenas um caso de coerência institucional e de disciplina de ideias: ou o divórcio é inconveniente, e então acabe-se com ele; ou o divórcio existe, qualquer que seja o motivo, no ordenamento jurídico das nossas leis, e então respeite-se!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Botto de Carvalho: -Sr. Presidente: também eu, ao subir a esta tribuna, louvo com inteira completa sinceridade o espírito que presidiu à elaboração do decreto-lei n.º 31:107, presente a esta Assembleia Nacional para ratificação. Basta ler o preâmbulo deste decreto-lei para se conhecer a intenção e louvá-la.
Se no entanto o posso fazer pelo que respeita à intenção, entendo não o dever ou não o poder fazer no que respeita à forma como foi posta em execução neste decreto-lei, «m que fie condiciona o casamento dos militares. E não é, devo confessá-lo, o princípio do condicionamento que me choca.
Estabelece-se como condições indispensáveis para que o casamento se possa realizar o seguinte: uma idade mínima de vinte e cinco anos; depois uma patente mínima, quanto aos oficiais, de tenente; e em seguida um certo número de requisitos, entre os quais: que consorte seja portuguesa originária não tendo perdido essa qualidade, que seja filha de pais europeus e anão seja divorciada.
Eu tenho muita pena de não poder compartilhar desta opinião já exposta nesta tribuna pelo meu ilustre colega Sr. Sá Carneiro, mas entendo que, quer tenha sido o não esta a intenção do legislador, a interpretação lateral do que está escrito força-me a considerar como não podendo casar com oficial português qualquer senhora ainda portuguesa, que não seja filha de país europeu.
Ora eu tenho de considerar, necessariamente, com não europeus aqueles que, embora cidadãos portugueses não sejam oriundos ou naturais da Europa, isto é, os pais portugueses naturais de qualquer das colónias, por exemplo, os de Macau, os da índia ou da África; apesar de portugueses não são europeus; e eu pergunto a mim próprio se o legislador terá devidamente considerar esta circunstancia, visto que me parece que a mesma opinião já exposta nesta tribuna poderá ser porventura a intenção do legislador, não sendo, em minha opinião o que se contém neste diploma.
E, porque é esta a interpretação que necessariamente devo dar, suponho que se torna desnecessária