DE FEVEREIRO DE 1941 173
pirito, que aliás se acomoda perfeitamente às regras moais que informam a minha orientação política, eu estou a apreciar este decreto e particularmente o condicionalismo a que estão sujeitas as futuras consortes dos Srs. oficiais do exército.
Sem querer demorar-me na reserva a que seria conduzido pela consideração da exigência de filiação europeia para as futuras consortes dos Srs. oficiais, que me parece conter um sabor pronunciadamente racista, e por isso mesmo divergente da ortodoxia mais corrente das nossas tradições cristãs, também não encontro facilmente um critério (excluído do arbítrio) para relacionar os meios suficientes de subsistências com «o grau da hierarquia militar».
No entanto, não posso abster-me de manifestar o meu mais perfeito entendimento e a minha concordância mais completa quanto à novidade, que o decreto contém, de considerar impeditivo para a realização do casamento o facto de um dos nubentes estar em situação de divorciado.
Parece que essa disposição reconhece, até certo ponto, a doutrina que não admite o divórcio como meio de dissolução do casamento, e não consente, por esse motivo, que outro casamento se contraia na sobrevivência de ambos os cônjuges. Mas isto parece ser a condenação afinal do que tem sido lícito e pode regularmente ser produzido por força do que determina o Código do Registo Civil.
Cria-se assim um autêntico regime de excepção para os militares, e isso julgo ser inadmissível perante o princípio constitucional que considera a ordem jurídica fundada na igualdade de todos os portugueses perante a lei. Além do mais, é contrário também ao que dispõe o artigo 8.º deste mesmo decreto-lei n.º 31:107, o onde se admite que os Srs. oficiais continuem a contrair casamento civil, portanto de acordo com o Código do Registo civil.
Assim, não se compreende que seja permitido aos oficiais divorciarem-se, dando viabilidade a situações que for uma lei são consideradas de direito e por outra são consideradas inadmissíveis. Pelo Código do Registo Civil os Srs. oficiais podem divorciar-se, e nessa situação tornar a contrair casamento, mas não o poderão fazer com quem esteja eventualmente na mesma situação em que eles se encontrem. Julgo que é preciso, até certo ponto, restabelecer a lógica neste decreto. E isso não me parece muito difícil desde que se faça por um lado desaparecer o aspecto excepcional que a lei apresenta e por outro que a Assembleia resolva definir a qual dos Principios, por coerência, a lei deve obedecer.
Quanto a mim, só posso rejeitar este decreto enquanto (...) não fizermos. E, recordando a defesa que é devida pelo Estado à família, e na convicção de que a Assembleia venha a considerar a necessidade de se optar por um desses sentidos, eu antecipo o meu voto, manifestando o desejo de que a indissolubilidade do casamento a transforme em lei para todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: estou para o decreto-lei n.º 31:107, que ora é submetido à apreciação desta Assembleia, na mesma situação em que a Academia das Ciências de Lisboa, se encontrou já uma vez perante certa obra que, em dada oportunidade, foi oferecida ao seu julgamento: na situação de quem o acha bom, no sentido de bem concebido e menos mal executado, mas de quem, apesar disso, também lhe nota certos «deslizes de semântica» ... Se Bréal não tivesse sugerido esta palavra medonha e não tivesse produzido sobre o fenómeno linguístico um ensaio admirável, talvez que os nem a Academia nem eu nos
Manifestássemos pelo modo como ela então se manifestou e pelo modo como eu agora me sinto inclinado a manifestar-me. Mas resta a consolação de que a minha sentença vai ser, conforme se verá, muito menos intransigente do que a da Academia.
O diploma que respeita ao casamento de militares em serviço activo justifica-se por duas ordens de conveniências: a conveniência de ressuscitar algumas disposições de lei caídas em inexplicável desuso; a conveniência de actualizar outras em harmonia com as exigências da sã constituição da família. Sob este aspecto, isto é, à luz dos motivos inspiradores da providência legislativa, não há dúvida de que o diploma é impecável; não há nada, com efeito, mais relevante do que dar novamente vida ao que, sem justo motivo, foi morto e colocado à sombra do esquecimento, e nada será, com certeza, mais superiormente belo do que contribuir, por todas as formas, para o nivelamento das condições de ordem moral sobre que há de assentar a constituição da família portuguesa. Mas sobre isto apresenta-se a letra do texto e é aqui, na parte propriamente objectiva do diploma, que se me deparam algumas duvidas quanto ao sentido de certas ideias ou quanto à intenção com que foram empregadas certas palavras.
Convém salientar, antes dê anais, que o princípio determinante do actual decreto-lei não tem estado fora do ritmo da nossa ordem jurídica; já o Código do Registo Civil de 1911 se lhe referia ao preceituar, no antigo 186.º, que o funcionário do registo civil exigirá as necessárias licenças aos militares em serviço activo; e ainda agora o Código do Registo Civil em vigor, que é o aprovado pelo decreto n.º 22:018, de 22 de Dezembro de 1932, reproduz, no artigo 297.º, a mesma disposição com expressões iguais ou equivalentes. Mas a verdade é que a legislação militar não se mostrava convenientemente regulamentada. O direito especial existente era insuficiente e antiquado e apresentava-se, além disso, também disperso que bem se tomava necessário o aparecimento de uma nova providência que, ao menos, não permitisse o abandono dos princípios legais à invocação do desuso para justificação do seu não Cumprimento.
Ao ler, porém, o artigo 4.º, quando nele se estabelece que a futura consorte não poderá ser divorciada, entrei a matutar sobre o assunto e logo se me levantou uma grande dúvida no meu espírito; e a grande dúvida é esta: se o divórcio representa uma instituição que está em vigor no País, pois consta de um diploma que ainda não foi revogado, e se o Estado Português se baseia, conforme a Constituição, na igualdade dos cidadãos perante a lei, será constitucional proibir-se às divorciadas que se casem com militares? Não haverá aqui uma negação no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei? Porque será que as divorciadas não servem para casar com militares e hão-de servir para casar com civis? Mas há mais: é que a proibição é só para as mulheres; os militares, os próprios para que a lei foi elaborada, poderão ser divorciados e não subsistirá para eles o inconveniente que subsiste para as mulheres. Porquê? Não parecerá aqui outra insistência na negação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei?
Devo observar que a ressalva, feita no único do artigo 5.º da Constituição, ao conceito de igualdade perante a lei, quando se refere às diferenças resultantes da natureza da mulher e do bem da família, não inutiliza nem jurídica nem socialmente o meu ponto de vista:
Juridicamente, porque não há diferenças entre o estado civil de divorciado de um cidadão e o estado civil de divorciada de uma cidadã; socialmente, porque não está demonstrado que a proibição do casamento de militares com divorciadas seja um estímulo para a sã constituição da família! De resto, se a mulher em tais condições é má, é mesmo péssima, para casar, então é