176 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 98
Sr. Presidente: como muito bem foi indicado pelo meu ilustre colega Dr. Sá Carneiro, existe em vigor uma lei.
Essa lei não caiu em desuso e muito menos, como diz o preambulo do decreto, em inexplicável desuso. V. Ex.a, Sr. Presidente, melhor do que eu, sabe muito bem que as leis nunca caem em desuso por motivos inexplicáveis; só caem em desuso pela força das circunstancias, porque deixaram de ter eficiência, porque deixaram de ser necessárias ou porque os seus requisitos só não adaptam às circunstancias supervenientes.
Votando, como voto, a rejeição da ratificação deste decreto não afronto por qualquer forma as admiráveis intenções do legislador; apenas manifesto lealmente a opinião de não me parecerem estas disposições as mais conformes, não só com os princípios basilares, com as necessidades de defesa e fomento da instituição da família, como com a honra do exército; e, mais ainda, até mesmo com as circunstancias e as contingências do momento especial, sob o ponto de vista económico e sob o ponto de vista social, quo o mundo está atravessando.
Isto não quer dizer que eu não entenda necessário que • a lei antiga se modifique ou regulamente e que, profundado o assunto, um novo decreto ou uma nova proposta de lei não venham a ser elaborados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Abel Varzim: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna para manifestar a minha discordância com o decreto-lei que veio à ratificação da Assembleia Nacional e que tem estado a ser tão brilhantemente discutido.
A minha discordância não provém tanto de não compreender que seja necessário estabelecer certas medidas de disciplina para a profissão de militar, porque sendo ela uma vocação, sendo ela uma vida do sacrifício e de trabalho em benefício de uma causa comum que é a Pátria, certamente exigirá daqueles que a ela se dedicam uma soma do sacrifício maior do que ao comum dos cidadãos.
Portanto a minha, discordância não provém deste ou daquele ponto de regulamentação do casamento dos militares. Aquilo que me repugna, a mim, à minha consciência de católico, e à consciência dos católicos é, fundamentalmente, a regulamentação das condições económicas ou sociais do casamento.
A consciência católica, que data de há dois mil anos, lutou durante séculos pela abolição da proibição do casamento dos escravos. Conseguiu que lhes fosse concedido o direito ao casamento. Lutou depois durante séculos pela abolição de todas as penas de carácter social que impediam o casamento entre nobres e plebeus ou que não permitiam a união daqueles que estivessem em desigualdade de categoria social.
Durante dezassete ou dezoito séculos a consciência dos católicos travou uma batalha e conseguiu, vencê-la ainda há bem pouco tempo; e neste ponto operou a revolução mais igualitária que se fez em toda o história: perante o casamento não há distinções de classes, do idades, de condições, de raças, de sangue; todos tem o direito fundamental de contrair matrimónio. Esse direito foi-lhes dado pela natureza, ou, melhor, por Deus, e não pode o Estudo ou qualquer poder do Estado restringi-lo.
E é nesse sentido que me repugna aceitar este ou qualquer outro decreto que Tenha dificultar a constituição da família segundo aquele princípio da liberdade fundamental da pessoa humana.
Depois não vejo realmente vantagens muito grandes para a dignificação da família, como pretende justificar-se o decreto, na regulamentação das condições sociais ou económicas dos nubentes. O que importa à dignidade da família e ao seu bem-estar é a união dos esposos, que eles formem. «carne una», dois numa só carne. E essa união só se pude fazer pela felicidade não consta que sejam as condições económicos ou suciais a garantir dessa felicidade.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Aliás o problema deveria ser posto de uma maneira diferente. A dignificação da família faz-se pela dignificação da mulher, pela recondução da mulher ao seu lar. E é universalmente aceite que é o homem quem deve granjeur o sustento da família.
O Sr. Cancela de Abreu: - É o seu melhor estímulo
O Orador: - Se queremos dignificar a família não devemos exigir, para que ela se possa constituir, que ambos os esposos, ou um só deles, tenham meios financeiros para a sustentar; o que é necessário - e é por isso que este movimento humano que se chama catolicismo luta há dois mil anos - é que sejam dados ao homem os meios suficientes para o sustento da, família que o seu trabalho, a sua profissão, lhe garantam o poder de acudir aos encargos normais do seu lar.
O nosso pensamento é o de que o Estado e a economia devem garantir a todos os trabalhadores intelectuais e manuais um salário suficiente para as suas necessidade familiares. E, portanto, para salvaguarda da família para dignificação da vida militar ou de outra qualquer para prestígio e garantia da categoria social dos militares, parece-me que uma só medida seria de aconselhar: a de que eles começassem a ter soldo maior medida que iam aumentando os seus encargos familiares. E é aqui que está a minha discordância a este decreto, não porque seja um decreto que regulamente o casamento dos militares, mas porque é um decreto que repugna à consciência católica de todos nós. Eu ia aduzir um outro argumento: que há o dever de respeitar a consciência de cada um. Para um católico o casamento é um sacramento, e um sacramento é um acto que diz respeito apenas à pessoa humana e a Deus; a Igreja serve apenas de intermediária neste consórcio do humano com o divino. Não pode admitir-se que o Estado vá além da sua missão e venha dificultar a realização de um sacramento.
Mas como para muitos este argumento de nada vale limito-me ao primeiro: como católico, como padre, como trabalhador do levantamento social da nossa terra, preferia que se não criassem obstáculos económicos e sociais ao casamento, mas sim que se dessem condições sociais e económicas àqueles que se casam e constituem família e que depois sabem cumprir o seu dever propagando espécie humana, nesta admirável obra do matrimónio que é colaboração com Deus na Criação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Angelo César: - Subi à tribuna para nela afirmar simplesmente que considero procedentes as razões aqui aduzidas contra a ratificação do decreto-lei n.º 31:10 e também para lhes acrescentar em dois ou três minutos - este é o crédito de silêncio que peço à Assembleia o seguinte:
O salário familiar é básico nu construção do Estado Novo (artigo 14.º, n.º 3.º, da nossa Constituição Política).
Assim, desde que, enfrentando o problema do matrimónio dos oficiais do exército, o Estado querer resolve-lo, deve, para beneficio da família, não pedir à mulher que carreie para o lar o dinheiro que há-de sustentar o