206 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 102
O Sr. Calheiros Veloso: - Sr. Presidente: na sessão desta Assemblea Nacional de 24 de Janeiro findo, o ilustre Deputado Sr. engenheiro Belfort Cerqueira voltou a fazer algumas breves, mas muito judiciosas, considerações sobre o problema da electricidade nacional, tanto para produção de força industrial como para usos agrícolas, cuja importância para a vida e progresso económico e social da Nação ressalta, mais vivamente ainda, neste período de perturbação causado pela guerra.
Tem S. Ex.ª para isso especial autoridade, não só como distinto engenheiro electrotécnico, mas também como autor do projecto do lei sobre electrificação rural que apresentou nesta Assemblea, logo em uma das primeiras sessões da actual Legislatura, depois submetido ao estudo da Gamara Corporativa, onde foi objecto dum parecer, publicado em suplemento ao Diário doa Sessões de 27 de Fevereiro do 1939, que fechava com a seguinte conclusão:
«Porque a electrificação rural é uma actividade a integrar na electrificação geral do Pais, devo sor estudada no plano desta e, por isso, êste projecto devora aguardar a proposta de lei do Govêrno e nela ser considerado.
Porque tive, mercê do funções administrativas que- fui chamado a desempenhar nos serviços municipalizados do uma camará distribuidores de corça de 6 milhões do kWh por ano, de acompanhar de perto a evolução do mercado da energia eléctrica e do apreciar a sua posição em face das Autuações de preços dos combustíveis, poço licença para acrescentar também algumas palavras sobre a matéria que, com tanta proficiência, esse nosso ilustre colega já por mais de uma vez aqui versou.
No relatório com que abro a Estatística doa Instalações Eléctricas referente ao ano do 1938, subscrito pelo Ex.ª engenheiro Ferreira Dias - que hoje faz parte do G-ovêrno como ilustre Sub-Secretário do Estado do Comércio e Indústria e ao tempo presidente da Junta de Electrificação Nacional, cargo que ocupou desde a criação desse organismo e a cujo espírito de iniciativa, manifesta boa vontade e superior orientação aproveito a oportunidade paru prestar as minhas homenagens - lê-se a seguinte observação:
«Na política de fomento que se tem seguido, depois que se arrumaram a fazenda e a vida dos portugueses, julgamos descobrir êste critério: estradas, portos, rega, arborização, saneamento, edifícios, urbanização, telefones, tudo quanto pertenço à actividade exclusiva do Estado, está em marcha com a velocidade que permite a nossa capacidade em trabalho o em dinheiro; mas as questões do interesso geral afectas à actividade privada - referimo-nos à electricidade e aos caminhos de ferro - não têm partilhado daquele tratamento, como só o seu progresso não interessasse também a todos nós e ao conceito de Portugal no mundo».
Cabe aqui, e a título de mero esclarecimento, dizer quo o, consumo específico de electricidade por habitante é um dos índices pelos quais se pode inferir o nivel de vida e o grau de progresso industrial de um povo - e esto é entro nós apenas do 47 kWh, quando nu Noruega atinge 2:700 kWh!
Como comentário a estes números reproduzo ainda certas palavras escritas em um outro relatório pelo Exmo. engenheiro Ferreira Dias:
«Consumir electricidade nao é só atributo do homem industrioso; é-o também do homem civilizado, porque aquele a quem hoje a electricidade não interessa, aquele que não sente algumas das necessidades que ela pode satisfazer na multiplicidade dos seus usos, ou é um desgraçado que não tom pão, ou ura irracional que não tem alma. Em qualquer dos casos, uma decadência».
Mas o consumo do energia eléctrica ó função do seu preço e este é sempre incomportável em um país como o nosso, de fraco aproveitamento do seu potencial hidráulico, em que apenas existem hoje umas quatro ou cinco centrais dignas do menção - Lindoso, Chocalho, sistema da Empresa Hidro-Eléctrica da Serra da Estrela, Ermal o Vaiada, da Hidro-Eléctrica Alto Alentejo e de mais fraca ainda produção de combustíveis.
Dos 426 milhões de kWh produzidos nas centrais do País apenas 126 milhões, ou sejam 30 por cento, provam da força hidráulica, sendo os 300 milhões restantes da térmica, e nesta só 69 milhões foram alimentados pelos combustíveis nacionais - carvões e lenhas.
Para obter aqueles 231 milhões de kWh térmicos importámos em 1938 - último ano de que só encontra publicada a estatística respectiva - 150:000 toneladas do carvão inglês, ou seja metade do consumo total dos caminhos de ferro, e mais 12:000 toneladas de carburantes e óleos combustíveis, também de proveniência estrangeira, representando, ao todo, cerca do 30:000 contos saídos do País.
Na presente conjuntura, quando a guerra desorganiza a produção nos países de origem e o transporto até Portugal dêsses combustíveis, quando aquelas 162:000 toneladas nos custam, não os 30:000 contos que citei com referência a 1938, mas 90 ou 100:000 contos, quando a nossa vida industrial, embora de proporções modestas, mus, entretanto, elemento imprescindível já hoje do equilíbrio económico o social da Nação, deles depende o está em risco de os não poder receber - parece-me ser obrigação de quantos nestes assuntos pensam dar todo o sou apoio à petição do ilustre Deputado Sr. engenheiro Belfort Cerqueira.
O desenvolvimento da produção da energia hidroeléctrica, permitindo a sua utilização em usos até agora totalmente servidos pelos combustíveis e carburantes estrangeiros - os produtos da Sacor são extraídos de ramas que também importamos - representará em qualquer tempo uma economia apreciável para o País, mas num período de guerra como aquele que atravessamos tal desenvolvimento evitaria que ela sofresse um desfalque ainda mais avultado precisamente quando mais apertada se devia tornar, e daria ainda uma correspondente autonomia à indústria nacional.
O momento não é, por certo, propicio para iniciar as grandes realizações que esse empreendimento importa, mas, por isso mesmo que é de crise, ele proporciona o mais vivo incentivo e patenteia a verdadeira acuidade do problema, cuja solução pode ser desde já estudada e estar pronta a entrar em execução logo que as circunstâncias o permitam.
O decreto n.º 26:470, publicado em 28 de Março de 1936, criava a Junta de Electrificação Nacional, para estudar, no prazo máximo de dois anos, as providências que desenvolvessem a electrificação e a orientassem, as normas das concessões, o conjunto das centrais eléctricas e das linhas e a inspecção dos serviços referentes à electricidade.
O prazo da duração da Junta foi posteriormente prorrogado por mais dois anos e de novo, pelo decreto n.º 30:647, mantida a sua existência ato à publicação dos diplomas previstos no decreto que a tinha criado.
Assim, quando esta Assemblea está prestes a encerrar a sua 3.º sessão legislativa, atrevo-mo a solicitar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para sor intérprete junto do Governo do pedido que por intermédio da mesma Assemblea lhe foi feito, para que seja publicado o diploma que estabeleço o plano da rede eléctrica nacional, como elemento imprescindível das valiosas e seguras realizações que pelo mesmo têm de ser condicionadas, tornando a electricidade num poder decisivo do progresso industrial