44 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 46
Disse-o alguém ao escrever um dia estas palavras, cujo sentido profundo seria útil que meditássemos: produz-se por interêsse e não apenas por patriotismo ou filantropia.
Tenho dito.
O Sr. Nunes Mexia: - V. Ex.ª dá-me licença? Referiu-se V. Ex.ª à necessidade por parte da lavoura de intensificar ao máximo a sua produção.
Desejo afirmar a V. Ex.ª que a lavoura acorreu a desempenhar com consciência o papel que, na hora presente, lhe fora distribuído, mas lamenta que constantes e descabidas dificuldades lhe continuam tolhendo os movimentos.
Assim, no que respeita ao arroz, fixado o seu preço em fins de Setembro, vários foram os lavradores que se viram impossibilitados de requerer autorização para novas lavras, porquanto o prazo havia terminado também em fins de Setembro. Pois bem: só ultimamente esta estranha restrição foi abolida, e ainda hoje o facto é desconhecido de grande número de lavradores, a despeito de boas vontades o de criteriosas actuações que conheço e a que presto aqui justiça.
Quanto ao azeite, o atraso do tabelamento impediu o aproveitamento dos «restelos». Alguma azeitona foi arrastada pelas primeiras águas ou comida pelos gados. O preço que existia então para o azeite não permitiu o aproveitamento integral dos primeiros frutos caídos.
A lavoura desejaria corresponder em absoluto, mas, com frequência, não lhe dão os meios de o poder fazer. É bom que se saiba como a acção da lavoura é por vezes dificultada pelos seguintes factores: preços, faltas de coordenação e de sentido de oportunidade.
O Orador: - Estou em parte de acordo com V. Ex.ª, e é esse o sentido da minha intervenção. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Mano: - Sr. Presidente: apresento a V. Ex.ª as minhas mais altas homenagens e peco-lhe licença para apresentar os meus cumprimentos aos Srs. Deputados com quem com tanto prazer colaboro nesta Assemblea.
Adensam-se prenúncios de paz, de paz que decerto traz às populações do mundo uma esperança do desopressão grande; mas não uma esperança de desopressão absoluta.
Na verdade a guerra é uma seleccionadora de realidades, das quais umas desaparecem porque delas restava só uma existência por inércia, outras se revelam porque existiam latentes; e a paz é a reorganização do mundo em face das realidades que se demonstrarem como realidades vivas depois da guerra.
Se alguma cousa do mundo velho tem de morrer é preciso que alguma cousa morra em nós, porque é em nós que ele vive; e é possível que das cousas que têm de morrer, algumas sejam aquelas a que nós mais queremos; por isso, se é justa a alegria, também é justa a ansiedade que os anúncios de paz provocam no mundo.
Em que sentido se faz a selecção de realidades que se processa na guerra? Defini-lo é cousa essencial para os pequenos países, porque entre as potências gigantescas que se revelaram no mundo e não supúnhamos tam grandes, os pequenos países hão podem impor as suas aspirações, e só podem conduzir os seus destinos mediante a profunda consciência que possuam das realidades.
Apresento uma pequena contribuição, duma natureza muito especialmente pessoal, para a busca desse sentido; não penso que a possa levar mais longe do que cabe à definição do plano económico da nossa Revolução perante a paz, e expressão dele nesta lei de meios, entendida na sua maior generalidade, e isso ainda tam resumidamente quanto, sobre um problema tam vasto, o tempo de que disponho mo impõe.
Se eu vou proferir - e creio que devo fazer esta prevenção hoje que anda tam acesa a contenda entre os campeões do espírito e os campeões da matéria - se eu vou proferir, repito, a anotação dos fenómenos sociais sob o aspecto económico, isso não representa um prejuízo de escola.
Eu julgo que os fenómenos sociais têm diversos aspectos, cada um com a sua notação própria. As notações de cada aspecto hão-de ser harmónicas entre si. Não se podem contradizer, pois que o seu conjunto há-de expressar a unidade do facto. Umas não excluem a legitimidade das outras. Se porventura uma é averiguadamente certa, e as outras se não harmonizam com ela, é porque estão erradas, em parte pelo menos, e hão-de ser corrigidas para com ela se harmonizarem. O plano económico das cousas é susceptível, a meu ver, de uma observação mais concreta, uma maior segurança de relação e de um desenvolvimento mais seguro no tempo.
As rebeliões nacionais, que foram, uma epidemia no mundo, neste último quarto de século, têm no plano económico uma razão de ser profundamente humana: a livre concorrência industrial, automaticamente progressiva, absorvia as economias nacionais até uma medida incompatível com a vida das suas populações.
Na proletarização interna há uma solidariedade humana entre os administradores e os auxiliares de produção que suaviza as relações.
A proletarização externa porém é implacável; esta exerce-se pela totalidade das classes de um país sobre a totalidade das classes dos outros países; os países industriais que a exercem estão distantes dos países clientes que a sofrem; êles não conhecem, não podem saber, nem podem sentir, os males que provocam e que, de resto, não poderiam evitar.
Não devemos recriminar ninguém, nem países, nem classes, nem pessoas. O mal resulta necessariamente do funcionamento do sistema.
Se os países se rebelaram contra os excessos da concorrência, fizeram-no em legítima defesa para defender a própria vida dos seus habitantes dos excessos da proletarização externa. Essas rebeliões foram profundamente humanas, absolutamente justas, inadiáveis. Não lhes faltou um apoio unânime interno que agora parece esquecer-se, nem lhes faltou o consentimento externo; constituíam uma questão vital, e se isso se não reconhecia pelo menos se pressentia.
Não lucravam de resto nada os países industriais em reprimir essas rebeliões, porque da repressão não podia resultar o agravamento da proletarização, que atingira os seus últimos extremos, como a rebelião comprovava.
Para sermos coerentes, devemos concluir paralelamente pela ilegitimidade das rebeliões de conquista. Se o sistema era insuficiente na sua totalidade, não é uma diferente distribuição de bens que o torna suficiente.
Nós não excedemos as causas humanas da nossa Revolução, pois que a mantivemos apenas nos limites de um movimento defensivo da nossa própria vida; a nossa Revolução é, pois, humanamente indiscutível.
Ela só seria discutível no sen plano económico quando se verificasse no sistema das relações económicas universais uma solução para a insuficiência que justifica nesse plano as revoluções nacionais.
Desenha-se no mundo, porventura, algum movimento nesse sentido?
Parece que sim e que esse movimento se produz independentemente de vontades, de doutrinas e de movimentos políticos. Dir-se-ia que ele se gera nas miríades de actos individuais que, levados pelos seus interêsses