42 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 46
O Orador: - Mas os benefícios concedidos serão efémeros e a questão voltará em breve a pôr-se em toda a sua agudeza, se não se seguir uma política de preços, orientada por critério firme e tendo como objectivo, senão a sua deflação, que reputo ainda praticável, pelo menos a sua estabilização no nível a que ascenderam.
A tarefa será difícil.
Charles Gide, que estudou o problema em face dos princípios económicos e da experiência da outra guerra, salienta a complexidade e delicadeza da acção a desenvolver em tam melindrosa matéria e afirma que não basta actuar pelo tabelamento, de resto inoperante quando em contradição com as leis económicas naturais, mas que é necessário agir principalmente sobre os múltiplos factores que intervêm na formação dos preços e de que estes constituem a resultante.
Os processos preconizados pelo malogrado economista correspondem a uma técnica de intervenção que as modernas experiências de economia dirigida têm aperfeiçoado e de que Lescure nos dá conta no seu excelente volume Étude sociale comparte dês regimes de liberte et des régimes autoritaires.
Para a estabilização dos preços, além dos subsídios do Estado para fomentar a produção e estabelecer preços políticos e do uso de preços diferenciais e de complicados métodos de compensação, parte-se fundamentalmente da teoria clássica da oferta e da procura.
Intervém-se sobre a oferta, desenvolvendo as forças produtivas e deminuindo os custos de produção, para o que se utilizam principalmente os progressos técnicos, a racionalização das empresas e a estandardização; actua-se igualmente sobre a procura por processos que vão desde o racionamento à limitação do poder de compra, designadamente pela estabilização dos salários, pelos empréstimos obrigatórios, pelo imposto, pela regulamentação dos novos investimentos, pela imobilização de uma parte dos réditos e por outros meios engenhosos destinados a privar o consumidor do exercício de uma parte da sua capacidade de aquisição.
Mas, Sr. Presidente, as dificuldades que a simples enumeração destes métodos patenteia sobem de pronto se à delicadeza normal do problema se vem juntar, como sucede entre nós, fenómenos monetários, em consequência dos quais a moeda deixa de ser um instrumento passivo, um simples intermediário das trocas para desempenhar um papel activo no movimento dos preços.
Sei bem que no nosso País a alta resulta também de factores externos, que correspondem a forças difíceis de dominar e que, oriundas de além-fronteiras, transcendem as possibilidades da acção dos nossos governantes.
Estão neste caso o aumento dos custos de importação provenientes de encarecimentos na origem, da elevação de fretes e de seguros e, algumas vezes, das taxas de câmbio que nos são impostas para liquidação de operações e se traduzem no pagamento a preços de guerra de matérias primas, combustíveis e outros produtos, de que somos tributários do estrangeiro e de que a nossa economia absolutamente carece.
Mas a estas causas da elevação dos preços, que aliás não seria impossível eliminar por um sistema de compensação das mais valias, acrescem no nosso País outras, relacionadas com o excesso dos instrumentos monetários e com as deficiências de abastecimento, as quais cabem na nossa esfera de actuação e que podem remover-se ou, pelo menos, atenuar-se.
Não vou discutir a política de exportações seguida, nem a orientação monetária, que é corolário dela, pois se me afigura que uma e outra podem justificar-se, quer pela natureza dos produtos exportados e pela sua desnecessidade para a nossa economia, quer pela conveniência de manter certos princípios informadores do nosso mercado monetário e a que, por adesão de consciência, devemos continuar fiéis, quer finalmente pelo poder de compra externo que nos permite acumular e que, finda a guerra nos habilitará a encarar a possibilidade dos maiores empreendimentos no plano do apetrechamento nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não ignoro que o futuro nos pode reservar surpresas. É na verdade de recear que a orientação comercial da paz possa tender a lançar sobre os neutros uma parte dos encargos da guerra e é igualmente legítimo que, por virtude da expansão da circulação monetária e do desenvolvimento da dívida pública nos países beligerantes, se nutram apreensões sobre a estabilidade do valor das moedas em que é constituída uma parte importante das nossas reservas.
Basta dizer, em abono destas apreensões, que na Inglaterra a circulação passou de 554,6 milhões de libras, em 1939, para 986,5, em 1942, tendo-se a dívida pública interna elevado de 7:783 para 17:173; nos Estados Unidos os números são ainda mais impressionantes: no mesmo período a circulação ascendeu de 7:594 milhões de dólares para 18:818, ao mesmo tempo que a dívida pública interna subiu de 41:942 para 161:000.
Estas cifras mostram bem significativamente as contingências inerentes à política que temos praticado. Mas como a elas sobrelevam as vantagens já enumeradas, parece poder concluir-se sem constrangimento da verdade que se justificam amplamente as directivas seguidas nesta matéria e que nenhuma alteração fundamental importa introduzir-lhes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, no interesse da manutenção dos preços, cumpre redobrar de vigilância relativamente ao ulterior desenvolvimento da circulação e insistir, talvez com maior vigor ainda, nos meios empregados para a reabsorver.
Além do prosseguimento da política de crédito público e, porventura, do reforço da pressão fiscal sobre as actividades mais favorecidas pela conjuntura, parece aconselhável - ou até absolutamente necessário - recorrer a certos métodos de capitalização forçada, usados noutros países e que entre nós seriam, não só exequíveis mas de assinalada utilidade.
Refiro-me à limitação de lucros e à obrigatoriedade, para as sociedades e empresas, da constituição de reservas destinadas a futuras renovações de equipamento, com vista ao desenvolvimento e melhoria da produção e principalmente à imobilização de parte do produto das exportações, através da conversão das divisas em títulos da dívida pública consolidada ou só negociáveis decorrido determinado prazo, de forma a obter-se, pelo menos, o diferimento do poder de compra neles representado ou a sua amputação pêlos encargos do desconto, no caso de negociação antecipada.
Outro processo a ensaiar, e a que as circunstâncias internacionais começam a dar oportunidade, é o da criação de novas empresas produtivas, para as quais poderia canalizar-se uma parte apreciável da pletora de capitais existentes.
Seria talvez agora o momento de se encarar a solução do problema da electrificação do País, que está na base do plano de industrialização e que constitue sem dúvida o elemento fundamental do nosso futuro económico.
Vozes: - Muito bem!