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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 174
um bom volume de capitais. Reconheço, torno a dizer, que é aspecto a considerar, dada a sensibilidade política do povo português; eu não julgo dever considerá-lo, porque não é através dele que há-de resolver-se o problema em debate.
Falou-se das despesas de 1.º estabelecimento. Quem as paga? Estamos esclarecidos agora: é sempre o Estado! E, portanto, o admitir-se esta ou aquela solução, é, para efeito de se determinar a quem incumbe pagar as despesas de 1.° estabelecimento, indiferente. Porquê? Porque, a respeito de despesas do 1.° estabelecimento, há que raciocinar como a propósito da reintegração do capital investido numa máquina de caminho de ferro.
Compra-se uma máquina; a máquina tem a sua vida, e é preciso no momento da sua morte ter à mão o capital indispensável para adquirir outra; para isso vai-se reintegrando o capital investido, conforme uma anuïdade que fàcilmente se estabelece e no fim têm-se as disponibilidades bastantes para adquirir a máquina nova.
O processo é o mesmo para as despesas de 1.° estabelecimento, apenas com esta diferença — e suponho não estar a afastar-me das ideas expressas nesta tribuna em defesa de um ponto de vista que não é o meu: é que a reintegração do capital necessário para obter a máquina figura entre as despesas de exploração, emquanto que para as despesas de 1.° estabelecimento hão-de sair dos lucros da exploração.
Para além das despesas de exploração o que há? É claro que se o rendimento bruto não é todo absorvido pelas necessidades próprias da exploração — isto é, se as emprêsas estão a trabalhar com o que se chama um coeficiente bom de exploração —, para além de toda a reintegração de capital que se impõe no sistema da exploração há um rendimento líquido. E então, como se pagam as despesas de 1.° estabelecimento? Precisamente como na máquina, com a diferença de, em vez de a reconstituïção do capital aparecer como elemento da exploração, aparecer como encargo do rendimento líquido.
Mas, de resto, é a mesma cousa. Organiza-se um programa de amortização do capital que foi preciso investir em toda a obra de 1.ª estabelecimento e o rendimento líquido aí está para ir solvendo os encargos financeiros que resultaram de toda a obra de 1.º estabelecimento.
Perfeito. Nada a observar senão isto: e há rendimento líquido que torne possível qualquer plano de amortização correspondente à massa de capital que importa investir na grande obra de 1.° estabelecimento a realizar? Não há.
Portanto, nenhuma emprêsa que neste momento seja incumbida de realizar essa obra encontrará — porque os banqueiros também sabem fazer contas — o capital que é indispensável para a realizar a não que atrás esteja o Estado que, através de tudo ainda no nosso País, é o melhor pagador, a prestar a sua garantia.
E, então, raciocina-se assim: mas, se atrás está o Estado, pode obter-se essa massa de capital? Na verdade, pode. E portanto é o Estado que paga? Não.
Assegurar, tornar possível a obtenção, em condições razoáveis, de uma certa massa de capitais indispensáveis para fazer uma grande obra de transformação não corresponde a tomar sôbre si imediatamente os encargos de pagar o capital cuja obtenção se assegurou. Êsses capitais que não puderam ser obtidos sem a intervenção do Estado, vão tornar possível a transformação indispensável da nossa rêde que não estará concluída antes de dez, quinze ou vinte anos e que há-de, por sua vez, tornar possível que a exploração se faça com bom coeficiente e que haja lucros líquidos que, no conjunto, hoje não existem, para custear os encargos dos capitais investidos.
Mas, sendo assim, é sempre o lucro líquido que vem a pagar. É sempre o rendimento líquido que vem a pagar, se o houver, e, se não fôr o rendimento líquido, são os capitais particulares ou o Estado que hão-de fazê-lo. Mas como o início da amortização dos capitais investidos não pode prever-se para antes de realizada a transformação, isto é, para antes de volvidos dez, quinze ou vinte anos, e nesta altura já a maior e a melhor posição na emprêsa é a do Estado, é afinal êle que virá a suportar todos os encargos: êle ou o rendimento líquido, se o houver; em todo o caso sempre êle. Acrescente-se a isto que uma emprêsa privada pode administrar bem quando defende os próprios capitais, mas a experiência demonstra que administra mal quando antecipadamente sabe que êles constituirão afinal um encargo do Estado — e o panorama ficará completo.
Êste um aspecto. Outro aspecto da solução que estou a criticar apresenta-se assim: como é que uma emprêsa que não tem diante de si senão a perspectiva de levar uma existência achincalhada dá o seu assentimento ao acôrdo indispensável para se construir a solução que a reduz aquela situação? Já sei! Ouvi dizer que há a possibilidade de o Estado baixar os impostos. Não é, no entanto, o processo em que se tem mais confiança para conduzir ao acôrdo.
É noutra cousa: se o Estado lhe disser (à emprêsa ou emprêsas) que não há mais possibilidades na caixa geral para satisfazer as suas dificuldades de tesouraria e outras, terão sem dúvida de ir para a falência porque não podem cumprir as obrigações do caderno de encargos. Mas como no contrato de concessão há uma cláusula que diz que, quando se não cumpram as obrigações do caderno de encargos, o contrato é rescindido, a solução é fácil, transparente: rescinde-se o contrato sem nenhuns encargos para o Estado... nem para os accionistas, que de há muito só sabem que o são para melancòlicamente ouvirem na assemblea geral que se não pode... distribuir dividendo!
Agora, na massa falida, sempre poderão receber alguma cousa, se ela chegar — e não chega! — para o serviço dos obrigacionistas e para solver compromissos para com o Estado, que é credor privilegiado!
O problema é, como V. Ex.as veêm, de uma facilidade de solução encantadora e perfeitamente harmónica com a concepção do «Estado pessoa de bem», que é a concepção animadora da vida política do Estado Português na situação que felizmente nos rege. Isto é simples, transparente!...
De resto, a solução que se propõe e que eu estou a discutir e a criticar é essencialmente a solução francesa de Agosto de 1937.
Eu não posso, naturalmente, pôr diante dos olhos de V. Ex.as todos os pormenores dessa solução; mas posso marcar as ideas essenciais que a informam. Um govêrno de feição socialista sente que não pode, contra as emprêsas, ir para o caminho aberto que os seus princípios lhe impunham: a socialização. Procurou então uma socialização diferida...
Uma sociedade exploradora, verdadeira concessionária, porque as concessionárias desapareciam como tais para se transformarem em sociedades financeiras, capitalistas com o Estado daquela sociedade exploradora. As acções atribuídas às sociedades assim transformadas seriam amortizadas creio que até ao ano de 1955, mas manter-se-iam, substituídas por outras, a partir dessa data, nas mãos das sociedades ou de quaisquer terceiros, como acções de gôzo que apenas permitiam a intervenção nas assembleas gerais até ao têrmo, em 1982, da sociedade exploradora.