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3 DE JULHO DE 1945
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Procuremos, em suma, defender a lei das leis de retoques freqüentes, que afectam a sua eficiência e deminuem o respeito que lhe é decido.
Expostas sumàriamente estas ideas, vejamos em que medida lhes pode vir dar satisfação a proposta do Govêrno.
Em primeiro lugar, a proposta criou estes problemas: O exame da Assemblea tem de cingir-se às matérias nela ventiladas ou pode exceder êsses limites?
A circunstância de o parecer da Câmara Corporativa se haver pronunciado só sôbre os artigos tocados pela proposta e ainda a de nos encontrarmos em período de convocação extraordinária obriga, de certo modo, a restringir o debate exclusivamente a êsses artigos.
Mas semelhante orientação tem de considerar-se defeituosa.
A Constituïção é um diploma com unidade, em que há uma interdependência de disposições. O estudo de uma matéria tratada num dos artigos pendentes de revisão pode implicar a modificação de outro ou outros com êle relacionados, embora não compreendidos na proposta. E como proceder?
A própria Câmara Corporativa foi impulsionada pela fôrça desta razão, emitindo parecer sôbre um artigo — o 93.°—, ìntimamente ligado à questão da competência legislativa do Govêrno, mas não incluído na proposta, e fazendo-o aliás por uma forma de que me permito discordar fundamentalmente.
Por outro lado, os poderes constituintes da Assemblea estendem-se até à próxima sessão ordinária desta Legislatura, e duram por toda ela, em virtude da resolução aqui votada em 1 de Abril de 1944.
E será razoável que da Assemblea partam depois novas iniciativas de revisão quanto a pontos não abordados na proposta que agora se discute?
Isto é, ainda mais outras possíveis alterações da Constituïção?
E, no entanto, do facto de serem sancionadas pelo voto da Assemblea algumas das modificações propostas pode resultar a conveniência de alterar o regime legal de outras disposições.
Tudo isto me leva a supor que seria preferível uma análise mais ampla do texto constitucional, se é que se consideram oportunas ou indispensáveis quaisquer modificações.
Mas sê-lo-ão?
Estará a humanidade nas vésperas de uma nova fase da sua história política?
Os deveres de uma solidariedade, que nunca repelimos, levar-nos-ão a participar naquelas concepções morais e ideológicas que melhor pareçam contribuir para a civilização?
Todos nós compreendemos, diz Jacques Maritain, mais ou menos confusamente que a presente guerra é uma revolução mundial.
Quando da paz de 1918 muitas alterações se verificaram em numerosas Constituições: na da Roménia, da Jugo-Eslávia, da Grécia, da Alemanha, da Áustria, da Turquia, da Rússia, da Polónia, da Checo-Eslováquia.
Então, todas elas, num sopro de uniformidade, abraçaram um parlamentarismo omnipotente, que depois havia de provocar trágicas reacções.
Poderia, por isso, supor-se que os reflexos de uma paz recente, ainda que circunscrita à Europa, determinariam algumas intervenções nos pactos fundamentais.
Mas a verdade é que, além daquele grau de liberdade consentâneo com a eficiência das disciplinas interiores, a que sugestivamente aludiu no seu último discurso o Sr. Presidente do Conselho, e que nunca estará em causa, muitas das afirmações que se pretendem reivindicar para as cartilhas políticas das nações têm já assento perdurável na nossa legislação.
E outras parecem ainda muito vagas, para se poderem compreender.
Será então no domínio interno a crise constitucional?
Haverá motivos ligados à continuïdade do Estado que solicitem a revisão?
Nenhum de nós o acreditará, e a proposta também não consente tal interpretação.
À parte as poucas modificações que devem reputar-se substanciais (composição da Assemblea, reforço do seu poder de fiscalização, ampliação da competência legislativa do Govêrno), o conjunto de alterações preconizadas visa, uma vez mais, o aperfeiçoamento de certos preceitos da Constituïção.
Mas algumas delas, justo é dizê-lo, podem vir ao encontro de aspirações que formulámos, até pelas perspectivas que abrem a diplomas complementares, de larga projecção na nossa vida pública.
As anunciadas modificações obrigam a encarar dominantemente duas questões delicadas: a das relações entre a Assemblea e o Govêrno e a da futura competência da Assemblea.
Questões delicadas e não isentas de dificuldades.
Mas não se suponha que elas surgiram apenas entre nós.
Nos países onde existe parlamentarismo puro o divórcio entre as novas realidades sociais e os conceitos clássicos, entre a vida e a teoria, fora já observado. Em nenhuma parte se atribue hoje ao parlamento o seu conteúdo clássico pelo que toca ao primado do Legislativo.
Os factos desmentem as antigas definições.
A complexidade da vida moderna, a urgência das intervenções administrativas, a tecnicidade dos problemas, tudo concorreu para que a função legisladora se fôsse deslocando para o Govêrno.
O Govêrno é o órgão de deliberação e decisão por excelência.
E êste fenómeno de centralização é tam forte que se verifica até no seio do próprio Executivo. O Chefe do Govêrno detém todas as possibilidades.
Esta a realidade a que foi preciso dar solução jurídica. E a solução foi esta: constitucionalmente, usava-se da concessão de plenos poderes. Cito a Inglaterra, a França, a Bélgica.
Mas a nossa Constituïção de 1933 não levanta, por êste lado, qualquer obstáculo.
O Govêrno pode já legislar com relativa amplitude.
Tem, é certo de submeter à ratificação da Assemblea os diplomas que publicar, emquanto esta estiver em funcionamento.
Mas a ratificação, ainda que se considere simples formalidade, não é inútil nem prejudicial à autoridade do Estado.
É uma manifestação da acção fiscalizadora da Assemblea, como que um acto revelador da sua permanente vigilância.
Se, pois, a ratificação pode manter-se sem entravar a marcha da actividade governamental, dispensá-la representa uma abdicação.
Quanto à futura competência da Assemblea tudo se encaminha para que ela se torne cada vez mais em órgão de fiscalização.
Uma fiscalização sem conseqüências, visto que a conservação do Govêrno no Poder não depende das suas votações? Não!
O Govêrno não cai ante as votações da Assemblea, porque não sofre o efeito imediato da sua crítica. Mas a crítica pode ter repercussões decisivas na opinião pú-