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3 DE JULHO DE 1945
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tem todo o poder de controle tanto sôbre as receitas como sôbre as desposas públicas.
Com efeito, o que mostra a letra expressa da Constituïção?
É que, primeiro, não pode haver organização do orçamento sem a devida autorização da Assemblea Nacional e, depois, é ainda à Assemblea Nacional que pertence apreciar e julgar a forma como o orçamento foi executado.
A Nação exerce, pois, por intermédio da sua assemblea representativa, quanto à votação dos impostos e à aplicação das receitas — que é tudo quanto há de mais importante e basilar na vida do Estado —, uma dupla função: a de autorizar e a de julgar.
O Govêrno apenas organiza e executa. Mas só organiza nas directivas que os mandatários da Nação definem aqui, e executa, submetendo depois as contas ao exame da Assemblea.
Ao lado destas, as disposições novas que aumentam de noventa para cento e vinte o número de Deputados o permitem o alargamento do período do funcionamento normal da Assemblea dão a esta Câmara uma maior possibilidade de actuação, amplificam a sua capacidade de trabalho, tornam possível o recontro de maior número de pareceres e do ideas sôbre os problemas que se debatam, e de tudo só poderá resultar maior eficiência e proveito na acção da representação nacional.
Cito, Sr. Presidente, estes factos, acentuo estes preceitos, para demonstrar quanto está acautelada a acção política e fiscalizadora que é inerente, segundo a boa doutrina constitucional, a êste órgão de soberania da Nação. Podemos até afirmar, neste particular, que estamos em inteira conformidade com o que o mundo conhece de melhor o de mais adiantado nas modernas correntes do direito constitucional, como ainda há pouco provou aqui, com o brilho do seu espírito e com a alta competência que todos lhe reconhecem, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo no magistral discurso com que honrou o início dêste debate.
Infelizmente no nosso País, na apreciação desta ordem de problemas não raro se vai atrás de meros rótulos e de opiniões preconcebidas, deixando-se para os outros a leitura serena dos textos, a sua interpretação séria e o seu confronto com os textos correspondentes nas outras legislações.
E, assim, há doutrina que se critica e se ataca apenas pelo prazer de criticar e de atacar, sem se procurar averiguar qual a sua razão de ser, qual o seu processo evolutivo e quais os inconvenientes e males que, com a sua adopção, se procura evitar.
A êste propósito recordo, por exemplo, a celeuma que em determinados sectores tem levantado o facto de os membros do Govêrno não comparecerem às sessões da Assemblea Nacional e apenas tomarem parte, segundo a proposta que está sôbre a Mesa, nas sessões das comissões permanentes da Assemblea. A verdade é que esta prática, diga-se de passagem, é, por um lado, perfeitamente harmónica com as tendências até certo ponto presidencialistas que informam a actual Constituïção e, por outro, é posta como necessária pelas lições da nossa história parlamentar.
O que, porém, é curioso lembrar é que, pouco depois do advento da República, na Assemblea Constituinte de 1911, quando aqui se tratava de lançar as bases do um regime verdadeiramente democrático, como então se dizia, organizou-se uma comissão de entre os mais puros e indefectíveis corifeus da idea liberal para apresentar ao Parlamento um projecto de Constituïção Política. Ficou essa comissão composta de José de Castro, Magalhãis Lima, José Barbosa, João de Meneses e Correia de Lemos, tendo na sessão de 3 de Julho de 1911 apresentado o seu projecto, que ficou na história política de
Portugal como o projecto primitivo da Constituïção de 1911.
É interessante ler-se o artigo 41.° dêsse projecto de Constituïção, pois nêle se estatuía precisamente que os Ministros não podiam assistir às sessões de qualquer das casas do Parlamento, devendo apenas enviar-lhe relatórios acêrca dos assuntos pendentes e comparecer, para prestar informações o esclarecimentos, perante as comissões.
Entretanto, hoje, o mesmo princípio, pôsto na Constituïção, é tido como simplesmente abominável... ferozmente antidemocrático... perigosamente contrário a todas as boas normas... na lógica admirável dos nossos censores!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: a paixão política pode gerar destas cegueiras e destas incongruências. Pode ainda teimar em esquecer certas lições do nosso constitucionalismo, antigo e moderno, que, aliás, se acham escritas em caracteres que se não deformam nem apagam. Pode ainda ter a ilusão de que a Constituïção Política do Estado Português está redigida e é executada, não como realmente o está em toda a sua clareza e notoriedade, mas como desejariam os seus detractores que ela estivesse.
Mas o que a paixão política nunca conseguirá é fazer com que esqueçamos a fidelidade que devemos ao mandato recebido da comunidade nacional e impedir que tenhamos pela salvaguarda dos direitos imprescritíveis da Nação e dos seus mais puros interêsses o zêlo activo e permanente que está no fundo da consciência de nós todos. E, em boa verdade, podemos neste ponto reconhecer que, nos termos em que está redigida a Constituïção e em que, em última análise, ela ficará depois das alterações que vão ser-lhe introduzidas, os direitos da Nação sôbre a acção do seu govêrno e administração ficam bem rigorosamente salvaguardados.
«A nenhuma nação, por mais poderosa que seja, é lícito dominar o mundo» — proclamou há dias em S. Francisco da Califórnia o Presidente Truman. A nenhuma nação, por mais pequena que seja — acrescentarei —, é lícito renunciar a conduzir-se a si própria, só lhe competindo reconhecer como limites à sua soberania, na ordem interna, a moral e o direito e, na ordem internacional, os que derivem das convenções ou tratados livremente celebrados ou do direito consuetudinário livremente aceito.
Sr. Presidente: estas palavras, que neste momento soam aos nossos ouvidos como expressão oportuníssima e certa de uma grande norma de conduta universal, são ainda da Constituïção Política do Estado Português.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — O debate na generalidade sôbre a proposta de lei relativa às alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial continuará na ordem do dia da sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur Proença Duarte.
João Ameal.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.