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3 DE JULHO DE 1945
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A função fiscalizadora é a que, segundo a Constituïção, caracteriza essencialmente a Assemblea e é a que, no meu modo de ver, deve caracterizá-la.
É aquela que pode fazê-la viver e sem o exercício da qual difìcilmente poderia justificar-se a sua existência.
Que espécie de fiscalização? Compreendem-se perfeitamente estas duas formas de fiscalização: fiscalização feita num intuito de colaboração e fiscalização feita com espírito de partido.
São duas formas perfeitamente marcadas e diferenciadas, que basta enunciar para o espírito verificar, desde logo, que são diferentes.
A primeira é uma fiscalização em que se diverge da medida, mas pela qual se não procura pròpriamente atingir o Govêrno, autor dessa medida. Procura-se que a medida, seja substituída, sem contudo se entender que é necessário substituir o Govêrno. Pode, em certo momento, marcar-se a tendência para a substituïção do Govêrno ou de um Ministro, mas só quando êle, por actos repetidos, demonstrou não ter suficiente capacidade para governar, porque, de um modo geral, a fiscalização com o intuito de colaboração só quere afastar a medida ou uma certa orientação, sem nenhum empenho em substituir o autor da medida ou da orientação.
A fiscalização com espírito de partido é completamente outra. Então, de um modo geral, pode afirmar-se que todas as medidas são erradas, não por si mesmas, mas pela fonte de que provêm — e eu raciocino dentro da melhor filosofia dos partidos —, pois, por definição, se é o partido contrário ao meu que governa, não é capaz de realizar o interêsse nacional, já que êsse só o meu partido pode realizá-lo!
Mas se fiscalizar com espírito de colaboração é a função essencial da Assemblea, põe-se agora o problema de saber se o conjunto das alterações contidas na proposta tende a tornar eficiente aquela função.
Eu suponho que sim.
Não falo já do alargamento do número de Deputados, que tem sentido; não falo da possibilidade de prorrogar o tempo da duração da Assemblea, que tem sentido; mas falo do aditamento que se pretende ao artigo 91.°, que diz: «apreciar os actos do Govêrno e da Administração».
É evidente que neste aditamento ao texto constitucional só pode haver um sentido: é o de alargar os poderes de fiscalização da Assemblea.
E, Sr. Presidente, digo o mesmo a propósito da instituïção das comissões permanentes e das comissões eventuais. Ninguém dirá que quando a Constituïção prevê a possibilidade de comissões permanentes e eventuais isso não tem o sentido de uma fiscalização mais larga, ninguém dirá que não tem precisamente em vista alargar as suas funções como fiscalizadora da actividade do Govêrno.
Logo na disposição seguinte (artigo 96.°) se prevê a possibilidade de esta fiscalização ser feita por cada um e qualquer dos Deputados individualmente; essa faculdade não está em nada prejudicada. Está, ao contrário, esclarecido que a actividade individual de cada Deputado pode desenvolver-se, e, porventura, deve desenvolver-se, no sentido de uma intensa fiscalização parlamentar. A instituïção das comissões permanentes faz-se precisamente para tornar essa fiscalização mais ampla e consciente: para a tornar mais fácil e eficaz.
Numa proposta que estabelece que o Govêrno tem poder legislativo no mesmo plano em que o tem a Assemblea Nacional, a existência das comissões não tem em vista, é evidente, os pareceres dessas sôbre projectos ou propostas de lei.
Não se pode retirar à Assemblea o poder de fazer leis, porque, sem êle, comprometiam-se as suas faculdades fiscalizadoras. Deve ter êsse poder, mas raro poderá usá-lo, a não ser sôbre propostas do Govêrno, ou para definir as grandes orientações a adoptar por êste, porque a preparação da lei, no estado actual da vida dos povos, pressupõe um apetrechamento, uma aparelhagem técnica, de que as Assembleas não dispõem. Não pode a Assemblea organizar completamente a lei, mas pode definir os grandes princípios com base nos quais deve ser organizada, e a disposição da proposta que prevê a obrigação para o Govêrno de estabelecer, no prazo de seis meses, as condições necessárias à execução daqueles princípios é mais uma expressão de alargamento das funções da Assemblea ou, ao menos, um meio de tornar eficiente a sua actividade legislativa.
O mesmo princípio se exterioriza na alteração que alarga, em certas condições, a iniciativa da Assemblea às propostas e projectos que determinem aumento de despesa ou deminuïção de receita.
Parou-se em determinada altura. Parou-se — e eu respeito a opinião de quem entendeu dever parar — parou-se no desenvolvimento lógico do princípio da fiscalização. Os Ministros e Sub-Secretários de Estado podem comparecer perante as comissões, mas não podem vir à Assemblea assistir, intervir no movimento da actividade em que se desenvolve tal fiscalização. Parou-se; não se quis ir mais além. Respeito. Noto, no entanto, que a fiscalização há-de desenvolver-se num debate, e um debate sem intervenção de quem o provocou é naturalmente débil: perde em grandeza, o que é o menos, e perde também como fonte séria de esclarecimento público, o que é importante. Um bom debate parlamentar esclarece, desanuvia a opinião: limpa-a do boato insidioso, que morde, que amolece, que desmoraliza como as murmurações das pálidas soalheiras de inverno. Não se quis ir até aí. Respeito, mas tenho pena!
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alçada Guimarãis: — Sr. Presidente: Napoleão, que foi não só um génio militar mas também um génio político, disse que as Constituïções são mais obra do tempo do que dos homens.
Queria assim significar que o homem, ser de um dia, não pode construir para a eternidade.
À exactidão do conceito é inegável; era-o ontem e é-o hoje.
Na verdade, se tomarmos a Constituïção, no seu sentido generalizado, como a expressão da forma de organização política do Estado, temos de reconhecer que ela não pode abstrair da evolução que se fôr operando nas condições sociais, mas, ao contrário, há-de sentir a sua influência e reflectir o seu progresso.
Desta evidente necessidade - de as Constituições se irem ajustando sempre aos movimentos ideológicos dos povos nasceu a revisão.
A revisão é, pois, o processo não só de actualizar a Constituïção mas de lhe imprimir autoridade, aceite que só a poderá ter aquela que traduzir os verdadeiros sentimentos da Nação.
Todavia, esta imprescindível mutabilidade não deve, por sua vez, tornar-se em exagero. Uma certa fixidez dos preceitos constitucionais é indispensável para a segurança colectiva e para a própria dignidade das instituïções.
Daqui se pode tirar desde já uma conclusão: a de que a revisão só deverá fazer-se quando fortes razões se apresentem a justificá-la. Há-de existir um motivo substancial que a aconselhe, uma necessidade viva e reconhecida.
Vozes: — Muito bem!