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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 187
450 países e unidades governamentais, terá o duplo contentamento de verificar que Portugal e o seu Império ocupam nessa obra um lugar de extensíssimo relêvo e que pelo estudo comparativo dos textos constitucionais vigentes, no que toca a matéria social e económica, a nossa Constituïção pode colocar-se a par das mais notáveis.
A infiltração de princípios de política social e económica nos textos constitucionais tomou particular expressão, em Constituïções anteriores à nossa, na Constituïção de Weimar, de 1919, nas Constituïções da Polónia e da Jugoslávia de 1921 e da Roménia de 1923, e entre as Constituïções posteriores merecem destacar-se apenas a Constituïção do Brasil de 1937, com suas revisões posteriores, uma das quais de recente data, e a Constituïção da Irlanda de 1937 também.
Nas revisões constitucionais em curso, desde 1937 a 1942, designadamente as da China, Polónia, Canadá, Suíça e Austrália, é acentuada a tendência para formular vastos princípios de conteúdo social e económico.
Sr. Presidente: todos os mestres de direito público, de Chavegrim a Guetzevitch, de Jenks a Gurvitch, são unânimes em assinalar o fenómeno da transformação dos velhos moldes de Constituïções de natureza puramente política, em Constituïções de estrutura eminentemente económica e social, nas quais avulta a declaração dos chamados direitos sociais.
Sr. Presidente: para evitar inquietações injustificadas naqueles que desamam a democracia devo dizer desde já que estes direitos são, muitos dêles, alimentados à custa de severas restrições dos próprios direitos e garantias individuais.
O pendor do meu espírito não vai ao ponto de perfilhar o pensamento de Proudhon, que ao lado da Constituïção Política pretendia a existência paralela de uma Constituïção Social; mas não posso negar o valor educativo das declarações dos direitos sociais, como é assinalado por Gurvitch, mesmo quando representassem apenas, na afirmação dêste notável professor, um aspecto geral da renovação dos símbolos fatigados.
Na obra de Jenks insiste-se também na função sociológica e educativa das declarações constitucionais de política social e económica, função que e servida quer pelo teor solene da forma, quer pela impressibilidade do seu conteúdo na opinião pública e sua coesão, quer ainda pela garantia de unidade e sentido de acção do próprio Estado.
Mas na obra de Jenks pode ler-se também:
Uma declaração constitucional de política económica e social deve educar, deve unir e deve promover, por largo tampo, o fortalecimento da acção política. Se não consegue realizar estes objectivos,
é inútil, senão perigosa. Tornasse um foco de dissensão nacional, em vez de um facho de unidade nacional.
E acrescenta-se nessa obra:
A moderação é a essência da sabedoria e uma boa declaração constitucional de política económica e social deve representar um justo compromisso entre a aspiração e a sua realização prática.
Também para o Prof. Dicey, de Oxford, no seu livro Law and opinion in England, o valor da lei reside mais na relação directa do princípio que formula para com a sua imediata realização do que no maior ou menor efeito sôbre o sentimento do povo e opinião pública.
Sr. Presidente: decerto por uma questão de método, e fundado porventura em razões semelhantes às apontadas por Jenks e Dicey, é que o Govêrno, consciente dos empreendimentos sociais que já levou a bom têrmo e dos muito mais e mais profundos, que está em via de transformar em realidades, se dispensou de imprimir num texto constitucional princípios que, no seu entender, a própria Constituïção já consagrou com suficiente maleabilidade e as leis ordinárias se encarregaram de fixar minuciosamente, emquanto a actividade do Govêrno tem procurado construir.
Mas, Sr. Presidente, apesar de tudo, e no meu despretensioso entendimento, a inscrição no texto constitucional de certos princípios que vão tomando vulto e forma na consciência de todo o mundo, longe de entorpecer a acção do Govêrno, mais o fortaleceria, dando-lhe um sentido de sistematização que lhe tem faltado.
É que, Sr. Presidente, eu sou ainda daqueles que acreditam que as Constituïções devem ser consideradas como um poderoso instrumento de orientação política e de educação cívica, dirigido à inteligência dos govêrnos e ao sentimento e cultura dos povos.
A experiência histórica do século passado, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e a experiência do nosso século, com a Declaração dos Direitos da Criança, se nos ensinam o valor actuante dessas declarações de direitos, ensinam-nos também como a época do direito puramente individualista foi cedendo o passo ao império do direito social.
Sr. Presidente: em nome desta última experiência, que tam bons frutos já produziu e para a qual o nosso País tantos esforços empregou e continua a empregar, não me parecia, de todo em todo, desaconselhado que o texto da nossa Constituïção fôsse ennobrecido com o princípio de segurança social, que certamente corresponde nem mais nem menos do que àquela preocupação social de que nos fala o Sr. Presidente do Conselho, e que tem dominado toda a sua obra e o seu altíssimo espírito.
Proclamou também êsse princípio o Presidente Roosevelt, que o fez inscrever na Carta do Atlântico.
Proclamaram-no todas as resoluções e conferências internacionais, e, assim, aparece-nos consagrado na resolução da Conferência Internacional do Trabalho de 1941 relativa a medidas de emergência e de reconstrução post-guerra; na resolução da Conferência Internacional do Trabalho de 1941 que ratificou a Caria do Atlântico; na declaração das Nações Unidas de 1942; na recomendação preliminar sôbre os problemas do post-guerra formulada pela Comissão Jurídica Inter-Americana, de 1942; na declaração de Santiago do Chile de 1942; no relatório da delegação da Sociedade das Nações sôbre depressões económicas, de 1943; no acto final da conferência das Nações Unidas sôbre alimentação e agricultura, de 1943; na declaração de Filadélfia de 1944 e recomendações da Conferência Internacional do Trabalho dêsse mesmo ano, e finalmente na Carta das Nações Unidas, de 1945.
O plano Beveridge, de 1942, e o plano americano apresentado ao Congresso em 1943 pelo Presidente Roosevelt não são mais do que planos de segurança social.
Sr. Presidente: os objectivos fundamentais do plano de segurança social, desde a Proclamação das Liberdades, do Presidente Roosevelt, com passagem pela Carta do Atlântico, até à Carta das Nações Unidas, consistem concretamente em:
Alcançar um nivel de vida mais elevado;
Melhorar as condições do progresso económico e social;
Elevar a um nivel óptimo os serviços de saúde pública;
Garantir trabalho a todos, na medida da capacidade de cada um;
Tornar acessível a todos a instrução nos seus vários ramos e graus, e designadamente o ensino profissional, de conformidade com as aptidões de cada qual.