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4 DE JULHO DE 1945
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como aliás tem sido o inflexível norteador da minha actuação como Deputado.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Oliveira Ramos: — Sr. Presidente: o labor da Assemblea Nacional é hoje solicitado para apreciar e discutir a proposta do Govêrno sôbre a revisão da Constituïção Política e do Acto Colonial.
As ligeiras considerações que me proponho produzir dizem respeito apenas à revisão da Constituïção, e, quanto a esta, limito-me ainda a encarar a economia da proposta no plano social.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que ontem abriu esta discussão com o vigor da sua privilegiadíssima inteligência, abriu também o caminho da minha, intervenção, permitindo-me falar precisamente do que a revisão não abraçou.
Faz-se a revisão da nossa lei fundamental sob o signo de duas ideas neste momento dominantes na história dos povos e das nações de todo o mundo:
Segurança geral contra os riscos da guerra, na vida internacional;
Segurança social contra os riscos da paz, na vida nacional.
Aquela, a segurança geral, condição essencial para a realização desta; esta, a segurança social, condição necessária para que àquela se torne efectiva e duradoura. E tanto uma como outra assentam num conceito comum, de inspiração essencialmente cristã: o da solidariedade dos Estados na comunidade internacional e dos indivíduos entre si e para com o Estado na comunidade nacional.
Aquela, a segurança geral, quando queira tornar-se realidade, há-de ter por fundamento o inteiro respeito pela soberania de cada Estado e sua forma de govêrno; esta, a segurança social, há-de respeitar integralmente a dignidade da pessoa humana e servir o seu desenvolvimento, se quiser ser mais alguma cousa do que uma aliciante figura de retórica.
Uma e outra dessas ideas dominantes da nossa época acabam de ter solene consagração nalguns capítulos da Carta das Nações Unidas, que os homens de boa vontade de todos os cantos da terra ambicionam que seja a Nova Carta do Mundo.
Nenhuma revisão constitucional séria nesta ocasião possível ou aconselhável sem ter em conta a temperatura dêste Mundo Novo, em que havemos de continuar a viver a nossa vida.
E assim é legítimo preguntar: Em que medida a revisão da nossa Constituïção Política resiste a essa temperatura ou que estranho poder de aclimatação ela oferece, quando o texto da proposta de lei parece mostrar-se alheio àqueles grandes problemas que interessam ao destino da humanidade?
Sr. Presidente: não vem a proposta do Govêrno acompanhada de qualquer relatório que a justifique, como é de uso acontecer.
Melhor relatório não podia precedê-la do que o discurso do Sr. Presidente do Conselho proferido nesta Casa em 19 de Maio, por ocasião da entrega a V. Ex.ª da proposta de lei de revisão constitucional.
Quem, como Portugal, por imperativo da sua Constituïção e da tradição da sua política externa, preconiza a, arbitragem como meio de dirimir os litígios internacionais, e entende que lhe cumpre cooperar com outros Estados na preparação e adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao progresso da humanidade, tem de considerar-se apto a servir a cada instante a idea de segurança geral ou outra que melhor se acomoda à manutenção da paz no mundo, na medida em que a
dignidade nacional, tam ciosamente guardada e mantida, o consinta.
Êste aspecto do problema não tinha, assim, que ser encarado na revisão constitucional, agora em discussão nesta Assemblea Nacional.
Mas, Sr. Presidente, poderá dizer-se outro tanto no que toca à idea de segurança social, tomada, na definição da Comissão Jurídica Inter-Americana como constituindo um sistema de providências destinadas a elevar o nivel de vida dos cidadãos e a garantir a cada indivíduo, através dos mais leves, graves ou gravíssimos riscos que a própria vida, porque é vida, necessàriamente comporta, um grau de suficiência e tranqüilidade económicas que lhe permitam manter-se, e à sua família, livre do inquietante receio da necessidade e tornar-se capaz de desenvolver a sua personalidade e de aproveitar os benefícios de todo o progresso material e espiritual a que todo o homem, só porque é homem, tem direito?
Também a êste aspecto do problema dá resposta o Sr. Presidente do Conselho quando afirma que o Govêrno não viu, da sua parte, mesmo no que diz respeito a realizações sociais, necessidade de introduzir na Constituïção profundas alterações, uma vez que por via das leis ordinárias se poderá caminhar no sentido que mais e melhor se afeiçoe às conveniências do País.
É êste também o parecer da Câmara Corporativa.
Sr. Presidente: mas por muito temerário que me julguem, atrevo-me a discordar, tam sòmente, do método adoptado, com aquela independência de espírito que não fica mal nesta Casa e a ninguém.
Lê-se num passo do discurso do Sr. Presidente do Conselho:
A época que estamos vivendo — e o conflito mundial terá mais fortemente vincado — decorrerá sob o tríplice signo da autoridade, do trabalho e da preocupação social.
Por toda a parte em que se possa dizer que estamos em terra civilizada e cristã, as instituições... se basearão em princípios morais idênticos. Nenhuma nação se poderá eximir à autoridade forte; nenhum homem ao dever do trabalho; nenhuma actividade ou riqueza ao critério da sua utilidade social.
E o risco da falta de trabalho, a que corresponde a obrigação de facultá-lo e o recíproco direito de exigi-lo, e a preocupação social na satisfação do mínimo de necessidades de cada um, que o sistema de segurança social procura prover de remédio.
Diz-se com inteira verdade, para me servir da própria expressão do parecer da Câmara Corporativa, que a nossa Constituïção Política é programática, isto é, formula os princípios orientadores da futura actuação legislativa no domínio familiar, no económico e social, no moral e religioso, no militar, no financeiro, no administrativo.
Sendo assim, como é, para que deixar para as leis ordinárias aqueles princípios de política social que desde logo melhor ficariam, no texto da própria Constituïção?
Se assim é, para que desvalorizar, neste particular e neste momento, a estrutura social da nossa Constituïção de 1933, e não procurar integrá-la na tendência marcadamente social das modernas Constituições e das revisões em curso e em estudo?
Sr. Presidente: quem se der à tarefa de compulsar o interessante e recentíssimo trabalho de compilação que o eminente jurisconsulto Jenks preparou para a Organização Internacional do Trabalho, intitulado Providências constitucionais relativas a política social e económica; no qual se coligem textos legislativos de