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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 187
os liberalismos— não eram senão instrumentos, meios de propaganda, artifícios hàbilmente preparados, a mascarar e a iludir os verdadeiros objectivos da última guerra.
De facto, assim é, pois de outro modo se não compreenderia que, tendo vencido os aliados e entre êles a grande potência que é a Rússia, portadora de uma doutrina que se diz oposta ao totalitarismo, ela e a Alemanha estivessem aliadas e unidas, de princípio, tendo ambas invadido a Polónia, facto que deu origem à eclosão da mesma guerra.
Portanto, acentuemos que as causas da conflagração tinham em vista o domínio económico, social e político, expansão territorial, emfim, numa palavra, a hegemonia e não a ideologia.
Mas ao verificar-se que foram as nações aliadas as vencedoras, já não era lícito a ninguém convencer-se de que essa vitória podia alterar as Constituições, tanto do nosso País como dos outros povos da Europa. E porquê? Porque, como todos sabem, as doutrinas dos aliados logo bem cedo foram projectadas na chamada Carta do Atlântico, e assentavam no respeito da soberania e independência dos povos e na escolha do regime que mais lhes convém. Consequentemente, não podiam ser os aliados que viriam impor às nações livres alterações às suas Constituïções, votadas pela sua própria vontade.
Apoiados.
A nossa Constituïção de 1933 foi inspirada não só nas lições do passado e do presente, dentro e fora do País, mas também nas tradições, no sentimento e nas ideas integradas no povo português. E porque já tínhamos uma doutrina bem identificada com o sentimento popular, e porque já tínhamos uma fôrça bem vincada na alma nacional, nós felizmente não passámos a vida tormentosa que passaram quási todos os países da Europa, precisamente porque nesses países não havia uma doutrina assente nem uma fôrça consciente e unânime dos respectivos povos. Havia, pelo contrário, correntes entrechocantes em que os partidos se digladiavam, lançando as nações numa crise permanente.
Felizmente que, a tempo e horas, em 1933 — portanto, alguns anos antes desta guerra, durante a qual se anunciaram tantas «ordens novas» —, nós já tínhamos a nossa ordem! E felizmente que a tínhamos, porque, se assim não fôsse, se por desgraça nossa a actual guerra tivesse apanhado o nosso País na situação em que se encontrava em 1926, antes do 28 de Maio, certamente que nos acharíamos num estado semelhante àquele que verificamos nos outros países da Europa e que todos deploramos.
Apoiados.
Por isso, quando ouvíamos anunciar essas «ordens novas», um vago espírito de dúvida levou-nos a rever e a conferir os princípios fundamentais da nossa Constituïção para verificar se alguma cousa haveria que alterar a fim de nos pôr em actualização com os tempos novos que se anunciavam. Então, percorrendo uma a uma todas as disposições essenciais da nossa Constituïção, verificámos não só que tudo estava certo, que nada havia a alterar, mas que ainda era preciso reforçar, prestigiar, aquilo que estava consignado na Constituïção Portuguesa.
Apoiados.
Foi à sombra desta nossa ordem, a ordem portuguesa, estabelecida por nós tam pacìficamente, tem conscientemente, que nunca maia nos preocupámos com as outras, que nós ganhámos prestígio, consideração e respeito por parte dos outros povos, e, mais do que isso, fomos apontados como exemplo de um país pacífico, de um país em progresso, de um Govêrno sério, leal e compreensivo, que prestou toda a cooperação internacional que era possível, sobretudo à nossa aliada Inglaterra, à qual fizemos tudo quanto podíamos para lhe ser útil. Apoiados.
Portanto, Sr. Presidente, a nossa Constituïção, apesar de não ser saída da actual guerra, apesar de se não inspirar nas lições provocadas pela actual guerra, é uma Constituïção que corresponde ainda e corresponderá por muito tempo às conveniências da cooperação internacional, aos objectivos do interêsse nacional, às suas tradições e, em suma, ao bem-estar do povo português.
Porque ela contém os princípios adoptados por todos os povos civilizados em que imperam os princípios da civilização cristã e consigna todos os direitos e todas as garantias essenciais ao homem, protegendo o respeito pela dignidade humana, pela instituïção da família, pela opinião pública, ordem económica e social, pela educação, ensino e cultura, o que não era previsto nas Constituïções anteriores.
É certo, Sr. Presidente, que da actual guerra resultaram talvez mais prementes e mais candentes as questões económicas e as questões sôbre as classes trabalhadoras, a que já se referiu hoje aqui o nosso ilustre colega Sr. Dr. Oliveira Ramos no seu brilhante discurso; mas, até mesmo isso, como o Sr. Dr. Mário de Figueiredo ontem aqui demonstrou de uma forma eloqüentíssima e a meu ver irrespondível, não só consta dos textos constitucionais apontados por êle, mas ainda se projecta com uma progressão profunda na legislação ordinária, o que, podemos dizer, não foi pôsto em dúvida por ninguém, e avançamos mais, afirmando que a nossa legislação sôbre as questões económicas e sôbre as questões sociais se encontram num ponto difìcilmente mais avançado noutros países, em que essas questões mais ruìdosamente se agitam.
E para mim seria muito mais desagradável que houvesse na Constituïção princípios consignados como fachada e que não tivessem observância prática na vida da Nação, do que princípios, muito embora formulados em termos menos precisos e menos sonoros sôbre questões, como a do trabalho e da segurança social, que têm no entanto uma execução e um funcionamento admiráveis em todos os seus numerosos sectores, como podem verificar todos aqueles que examinarem os respectivos diplomas e a sua realização, tanto na vida económica como na vida social dos trabalhadores.
O Sr. Dr. Oliveira Ramos foi o primeiro, no final do seu substancioso discurso, a reconhecer o cuidado que esta questão tem merecido ao Govêrno e por isso congratulo-me mais pela conclusão das suas considerações do que pelos reparos, de que discordo, às deficiências que julgou encontrar.
Eis, Sr. Presidente, em traços largos, as razões que me levaram a não reclamar da proposta de lei em discussão outras disposições além daquelas que vêm à apreciação desta Assemblea.
Das alterações dignas de relêvo para mim são, pela ordem que vêm articuladas, as seguintes: a que eleva o número de Deputados de 90 para 120; a de a Assemblea poder apreciar os actos do Govêrno e da administração pública; a que fixa o prazo para o Govêrno regulamentar os decretos ou leis que necessitem de regulamentação, e a disposição do Acto Colonial que exige a intervenção de todos os membros do Govêrno para aqueles diplomas que pela disposição anterior cabia apenas ao Ministro das Colónias.
Basta a enunciação destas alterações para se deduzir a importância delas.
A primeira dá evidentemente mais larga representação da Nação nesta Assemblea e porventura facultará a criação de minorias na futura eleição. A segunda dá maiores poderes de fiscalização sôbre os actos do Govêrno, e isto é para mim de uma importância enorme.