17 DE JANEIRO DE 1947 273
Como, para além do inquérito da comissão parlamentar, a que preside o insigne Prof. Doutor Mário de Figueiredo, foi agora solicitado por um membro dessa comissão novo inquérito à actividade dos organismos representativos dos interesses em causa, desde já devemos afirmar sem o menor receio, que o desejamos, certos de um completo esclarecimento que tudo reponha em seu devido lugar.
Na parte que nos coube na defesa do interesse público e na dos interesses que, por vontade expressa dos industriais, nos estão confiados, cumprimos o melhor que podemos e sabemos.
No entanto, e para facilitar esse estudo, temos a honra de submeter à alta consideração de V. Ex.ª o seguinte:
a) A importação e a exportação das lãs estão reguladas pelas «portarias n.ºs 11:197 e 11:566 e para que uma e outra se realizem basta apenas a prévia licença da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
b) Os industriais realizam as compras segundo as suas necessidades e conforme a sua previsão quanto à oscilação dos preços no mercado externo, sendo ainda circunstancia ponderante na sua decisão o nível dos preços no mercado interno. Se estes são altos, a indústria defende-se naturalmente da exigência dos produtores e comerciantes de lã, adquirindo no estrangeiro matéria-prima que reputa melhor e mais barata.
A curva dos preços no mercado interno revela-nos que o quilograma da lã merina valia em 1939 17$ e em 1940 60$; revela-nos mais que a lã do Cabo e da Austrália em 1939 valia 27$ e em 1946 43$60. O ritmo da alta, como se observa, não sofre termo de comparação. Mas, se pusermos em paralelo os preços da lã nacional e estrangeira nos anos de 1930, 19:37 o 1939 anos em que os valores económicos se determinavam pela lei da oferta e da procura, verificamos que a lã nacional se cotava por menos 60 por cento do que a lã estrangeira. Assim, 1 quilograma de lã nacional, que não deveria, custar presentemente mais de 27$20, custa, todavia, 60$.
Como podia a indústria deixar de considerar os preços do mercado interno para ?e determinar no volume das suas compras no estrangeiro?
Devemos observar que a indústria, se não tivesse; de ter em conta as possibilidades económicas do consumidor, só conviria, como é óbvio, trabalhar com matérias-primas de alto preço, porquanto as suas percentagens de lucro incidem sobre o valor total do produto manufacturado. Mas a indústria, na sua própria defesa, tem de utilizar matérias-primas que se ofereçam a preços acessíveis para que possa manter o ritmo das suas vendas ao nível das exigências crescentes do mercado. Só assim, evita, o retraimento do consumidor, contribuindo, por esta forma, para a elevação do nível de vida da nossa gente. É
precisamente devido ao alto preço das lãs nacionais que o trabalhador dos nossos campos tem de pagar 1 metro de surrobeco ou casimira cardada a preços sensivelmente iguais aos que pagam as classes abastadas pelos melhores tecidos de lã estrangeira. Se a lã no mercado interno tivesse o preço que resultaria do livre jogo dos valores económicos, o tecido fabricado com lã nacional custaria menos 30 por cento. E, se concedermos que a lã nacional satisfaz a 50 por cento das necessidades da indústria, teremos que da totalidade dos tecidos produzidos (600:000 contos) a metade correspondente a aplicação da lã nacional deveria ter sofrido uma redução de 90:000 contos. Foi esta elevada quantia, acrescida do lucro do comércio, a arrancada à economia do consumidor em 1945!
Deve dizer-se, em abono da verdade, que só em 1946 (e até 30 do mês de Julho) se praticou uma política aberta de protecção, sobrecarregando cada quilograma de lã importada em 4$ e 2$ (conforme o seu estado de lavada ou suja), destinados à constituição de um fundo especial da Junta Nacional dos Produtos Pecuários para evitar a quebra brusca dos preços da lã nacional.
c) Esta não pode deixar de cotar-se de acordo com o seu valor de utilização. Manter-lhe um preço artificial seria condenável, por contrariar o interesse público. Assim o reconheceu o ilustre presidente da Junta Nacional dos Produtos Pecuários em circular que dirigiu aos representantes da lavoura em 6 de Dezembro de 1945, ao comunicar-lhes que era impossível satisfazer os seus desejos de aumento de preço.
Dessa circular transcrevemos os seus n.ºs 4.º, 5.º e 6.º:
4.º A produção nacional não conseguiu nunca, não .obstante os progressos realizados, satisfazer, em qualidade e quantidade, as necessidades do consumo, pelo que se recorreu sempre à importação. Nestas condições, torna-se difícil, senão impossível, evitar os reflexos dos preços do mercado internacional sobre o preço da lã de produção nacional.
5.º Durante a guerra, e mais por falta de transportes e execução do bloqueio, foi possível manter a lã nacional ao abrigo de qualquer concorrência e, portanto, melhorar o seu preço até onde o desequilibrado mercado interno actuou como único regulador.
Tornava-se bem claro que essas excepcionais condições; seriam radicalmente afectadas pela normalização do mercado internacional, a menos que fosse possível defender posições anormais, eleva não a protecção pautai para além do razoável.
6.º A política de protecção pautal não é viável nem defensável. Não é viável porque, independentemente da reacção dos países compradores dos nossos produtos de exportação, a nossa posição credora não permite ao Governo recorrer às pautas aduaneiras para defender a posição excepcionalmente alcançada pelas lãs de produção nacional.
Esta situação de facto é, por enquanto, irremovível. Portanto, a política de protecção pautai é inviável.
E indefensável porque a entrega de matéria-prima a indústria a preços bastante superiores aos do mercado internacional pode criar a esta condições de não aguentar concorrência dos tecidos estrangeiros. E já este seria um grande motivo de ponderação.
Considere-se agora que a carestia na matéria-prima leva à carestia do produto acabado e, portanto, ao sacrifício económico do consumidor, Temos assim um novo motivo, e este mais grave ainda, para se não considerar a política de protecção pautai.
De resto, é necessário encorar a normalização dos preços e salários e não deve contrariar-se essa tendência e necessidade por uma política artificial insustentável e das mais profundas e catastróficas consequências de ordem política, económica e social.
Portanto, a política proposta -constituição de um fundo de estabilização conseguido por meio de taxas administrativas é a única possível e a que, dentro do condicionalismo actual, evitará à lavoura sacrifícios incomportáveis.
d} Não há oficialmente conhecimento de existências de lã em poder dos produtores. A Junta Nacional dos Produtos Pecuários, entre cerca de 264:000 produtores, só um pequeno produtor se lhe dirigiu pedindo in-