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278 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74

simplesmente, se mandasse cumprir apenas o acórdão, não haveria agora tanto "dize tu, direi eu".

Vejamos as consequências da disparidade entro o texto do acórdão e o texto da portaria.

Houve pessoas que confiaram na assinatura honrada do homem de Estado que subscreveu a portaria de 29 de Junho de 1944 e que, em consequência disso, tomaram ou deixaram que fossem tomadas determinadas posições de accionistas.

Cerca de dois anos depois, o mesmo Estado que autorizara a emissão de acções julga-se compelido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a anular a primitiva portaria e, por consequência, a anular essa emissão. Tudo estaria certo, fossem quais fossem as consequências económicas, se a nova portaria anulatória se limitasse a isto, ou seja a cumprir uma sentença passada em julgado. O pior é que, pela sua redacção pouco clara, parece ir muito mais além e parece anular outras emissões, anteriores a 1944, realizadas ao abrigo do artigo 13.º dos estatutos, agora revogado. Portanto, há quem suponha que, apesar de o caso resolvido pelo acordo do Supremo se referir exclusivamente à portaria de 1944, a portaria de 1946 tem efeitos retroactivos tão vastos que até afecta emissões muito antigas, confirmadas por sentenças passadas em julgado!

Pergunto: chama-se a isto respeitar a lei?

As sociedades que moveram os processos contra a Garantia, e os perderam em todas as instâncias, são dirigidas por alguns bons amigos meus. Portanto, estou isento de qualquer suspeita nestas afirmações.

O Sr. Carlos Borges: - Estava sempre!

O Orador: - Mas é preciso dizê-lo.

Exemplos: houve um primeiro processo posto nos tribunais com o qual alguém pretendeu invalidar uma primeira emissão de acções. Pois desde 1.º instância até ao tribunal pleno foi dada razão à Companhia de Seguros Garantia, como é do conhecimento público, por haver procedido nos termos do artigo 13.º dos estatutos, muito anterior a 1944, e que não foi criado pelos actuais directores.

Um segundo processo, também anterior a 1944, resulta em nova vitória da Garantia nos tribunais, e a questão encontra-se encerrada, sem possibilidade de quaisquer dúvidas jurídicas.

Quando surge a portaria de 29 de Junho de 1944, os adversários da Garantia levantam novo incidente, desta vez no Supremo Tribunal Administrativo, e impugnam a sua validade. E a despropósito deste incidente, que juridicamente já não podia ligar-se aos anteriores, o que acontece? Na portaria aqui lida, do 24 de Dezembro de 1946, que se diz apenas executória de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publica-se matéria nova que parece anular outras sentenças transitadas em julgado 1 É isto não se encontra, nem podia encontrar, no acórdão de 21 de Novembro de 1946, que é tão sério e tão claro que a própria Garantia, entidade condenada por ele, declarou imediatamente a quem de direito que não só o cumpriria na íntegra, mas também iria mais longe do que ele determinava na reforma de estatutos a propor à assembleia geral.

Pergunto, meus senhores, se é possível a uma portaria ministerial anular sentenças dos tribunais passadas em julgado?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não, isso não é possível.

O Orador: - Mas é o que está lá. Por isso, já nada me parece impossível. Juridicamente, julgo que V. Ex.ª tem carradas de razão. No entanto...

O Sr. Mário de Figueiredo:-Repito: isso não é possível. Eu não conheço, senão por ouvir agora, o problema que V. Ex.ª está tratando, mas há uma coisa que posso afirmar: é que, com o anularem-se todos os efeitos de uma portaria, que também se anula, não se atingem os casos julgados proferidos com base na portaria anulada. Quanto ao resto, direi que se trata de problemas de grande delicadeza no terreno jurídico o não me pronuncio.

Mas há uma coisa sobre a qual posso pronunciar-me: os termos da portaria que V. Ex.ª acaba de ler não conduzem a que sejam atingidos casos julgados proferidos à sombra da portaria que a anula.

O Orador: - Muito bem, e muito obrigado pela sua bela lição de Direito. Eis a ocasião própria para chamar professor, embora ele não goste, ao meu querido amigo Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Permita-mo este tratamento, porque julgo ter-lhe dado nestes últimos meses de convívio algumas provas de amizade sincera ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não há dúvida.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Botelho Moniz para abreviar as suas considerações, porque já esgotou o seu tempo regimental.

O Orador: - Muito obrigado, e vou terminar.

Ao Sr. professor Mário do Figueiredo agradeço as suas explicações, verdadeiramente essenciais, que vão ficar registadas no Diário das Sessões e vão, com certeza, produzir efeito salutar. Oxalá elas tenham o condão de obrigar alguém a tomar mais cuidado e a ser mais claro nos seus actos futuros. Efectivamente, à portaria de 24 de Dezembro de 1946 seguiu-se um despacho resultante da reclamação ou pedido de esclarecimento da entidade visada. Datado de 13 de Janeiro de 1947, diz o seguinte:

"O despacho de 24 de Dezembro de 1946 mandou passar a portaria em causa de harmonia com o acórdão a que dava cumprimento. Consequentemente, dela não consta, nem podia constar, doutrina ou consequência jurídica que não tenha por fundamento a decisão executada, e, se esta pudesse carecer de esclarecimentos, não seriam da competência deste Ministério. Notifique-se aos interessados. Lisboa, 13 de Janeiro de 1947. Dinis da Fonseca".

O despacho de 24 de Dezembro mandou passar a portaria de harmonia com o acórdão. Portanto, se se verificar que a redacção da portaria não condiz com a letra e o espírito do acórdão, a portaria deve ser modificada ... porque o despacho de 24 de Dezembro não foi cumprido!

A parte final do despacho de 13 de Janeiro parece respeitar o acórdão, mas basta a recusa de esclarecimentos para que persista a possibilidade de baralhada.

Não seria mais simples e mais justo emendar a portaria?

Ora, Sr. Presidente, pela experiência que tenho da vida, já sei que, de vez em quando, nas vésperas da assembleia geral de organismos, quer comerciais, quer associativos, se nomeiam comissões administrativas para que essas assembleias gerais não se façam. E dizem por aí que os intuitos dos adversários da Garantia são realmente que se lhe nomeie uma comissão administrativa.

Para quo? Porque, existindo um recurso legal contra a portaria última, apresentado por aquela empresa, se fosse nomeada uma comissão administrativa, é claro que ela poderia deixar correr os prazos e o recurso ficar invalidado.