280 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74
Devo dizer a V. Ex.ª que, agora como então, dediquei a esse trabalho mais do que o meu tempo, a minha boa vontade e dedicação, pus nessa tarefa não só o cérebro, mas também o coração.
Por esse País fora muitos portugueses com igual dedicação e muito maior proficiência se dedicam à administração municipal, mas sinto que começa a vacilar o espírito que os anima, sinto e receio que, por falta de ambiento, vão rareando os voluntários e que, se prevalecerem as actuais circunstâncias, estamos deixando afundar estas instituições de tão gloriosas tradições, que importa manter o defender. A vida das câmaras municipais precisa ser atentamente olhada pelo Governo.
O municipalismo mergulha as suas raízes na dominação romana o começou a desenvolver-se principalmente depois do reinado de Afonso III.
No tempo do liberalismo, lembro-me de que houve várias reformas: a do 1822, a de 1832, a do 1836, a de 1842, de Costa Cabral, a de 1886 e a actual.
Em todas essas reformas houve como que um movimento pendular entro a centralização e a descentralização.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª esqueceu-se da de 1896, que é muito importante. Desculpe V. Ex.ª a interrupção.
O Orador: -Agradeço, como sempre, a alucidação do V. Ex.ª
Estamos agora na fase da centralização. Devo dizer a V. Ex.ª que não tenho nenhuma apreensão nem nenhum parti ^m - permitam-me V. Ex.ª o rancesismo - contra a centralização. O ponto é que ela não seja excessiva nem esterilizadora da iniciativa e da vontade de trabalhar do quem administra os municípios. Nós não temos tradições de bons administradores, infelizmente. Por isso suponho que as câmaras, entregues a si próprias, teriam talvez feito muitos erros.
Tive conhecimento, há muitos anos, de uma camará deste País onde por duas vozes se adquiriu a canalização necessária para instalar o fornecimento de águas e das duas vezes essa canalização desapareceu sem que a água corresse no chafariz respectivo. Por consequência, repito: a administração municipal entregue a si própria poderia cometer erros nefastos.
Mas centralização é uma coisa e a centralização excessiva outra; a centralização que nos obriga a dar constantemente satisfações dos nossos actos, a que nos obriga a pedir autorizações para tudo e para nada e nos aperta os "espartilhos" dos orçamentos, em que não pode fazer-se uma simples transferência de verba, essa centralização excessiva reputo-a inconveniente.
Tem-se complicado extraordinariamente a administração municipal, e eu pude bem avaliar isso, porque, tendo deixado a administração da câmara do meu concelho em 1926 e tendo voltado a ela por circunstâncias fortuitas em 1942, verifiquei que nestes dezasseis anos a administração municipal se tinha complicado de tal maneira que o presidente da câmara quase que não pode levantar cabeça da sua secretária, quase não pode dispor do tempo para tratar da sua vida, porque todo ele é absorvido pelos trabalhos da câmara.
Isto é um facto que suponho não pode ser contestado.
Claro que, nestas circunstâncias, quando um presidente da câmara se vê ilaqueado por todas estas dificuldades, quer andar e não pode; e evidentemente que isso, para quem tem algum espírito de independência, é absolutamente aborrecido.
Mas muito pior do que isso são as dificuldades financeiras que os presidentes das câmaras encontram na gerência da sua administração.
Nós temos visto o desenvolvimento das finanças e das receitas do Estado acompanhar largamente o feliz desenvolvimento da riqueza pública que temos podido observar nos últimos tempos. O Estado, cautelosa e inteligentemente, ao prever um necessário aumento de despesas, acautela-se com a devida antecedência com o indispensável aumento de receitas. Simplesmente, as câmaras municipais, que têm no máximo as suas percentagens sobre as contribuições do Estado e que, além disso, pouco mais têm a que recorrer, não podem prover ao aumento das despesas.
Não faz mal que cada um de nós traga aqui o exemplo da administração do seu concelho, porque isso é um apontamento o uma ilustração que podo, com facilidade, com mais facilidade, dar a perceber aos Srs. Deputados e ao Governo o ambiente em que se trabalha nas câmaras municipais.
Devo dizer a V. Ex.ªs que desde 1942 a 1945, isto ó, no período em que todas as despesas, mercê da guerra, subiram vertiginosamente, as receitas ordinárias da minha câmara municipal subiram apenas 18 por conto, havendo uma despesa de que todos nós temos conhecimento, que é o aumento de 35 por cento para os funcionários, nesse período. Além disso, subiu a mão-de-obra 40 por cento, subiram os materiais e os transportes tanto quanto é do conhecimento geral e o próprio Estado, através dos Hospitais Civis, aumentou as diárias respectivas de 13$60 para 21$, o que dá, por consequência, um aumento de 50 por cento.
Já que falei em Hospitais Civis, seja-me permitido dizer que essa sombra negra que pesa sobre uma grande parte dos municípios deste País é uma questão absolutamente sem solução e -pior do que não ter solução- prejudica a solução adoptada para os hospitais regionais.
Assim é, visto que o Governo manda descontar, através das secções de finanças, das percentagens que pertencem às câmaras municipais, 20 por cento das suas receitas para o pagamento das dívidas aos Hospitais Civis.
Por consequência, as câmaras municipais, que vêem desaparecer 20 por conto do uma parte das suas receitas que é a mais importante, não podem adoptar o recurso, que seria legítimo e que está no seu desejo, de fazerem desenvolver os hospitais locais, porque com isso aumentariam as suas despesas; pagar por pagar, continuam a mandar os doentes para os Hospitais Civis de Lisboa, e a situação continua sem solução, parecendo ter-se esquecido que o Governo, sempre de tão boas contas, não devia continuar a pôr no seu activo as dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis, visto que essas contas nunca serão pagas.
V. Ex.ª sabem que durante muitos anos houve relutância pelo hospital, mas, com o andar dos tempos e maior grau de civilização, isso já não sucede, e, antes, sucede agora justamente o contrário. Tenho quase a impressão de que o nosso habitante das aldeias enquanto não vai ao hospital fazer uma operação não descansa.
Outra tragédia é o abono de receitas aos doentes pobres. Alguns clínicos -que me perdoem os que estão ouvindo - já não sabem senão receitar especialidades farmacêuticas, e para nós, presidentes das câmaras, e para os doentes isso é igualmente gravoso, ficando sem saber se se deve aviar toda a receita, parte dela ou nenhuma, com o receio de que se vá esgotar a verba.
O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Permita V. Ex.ª que diga o seguinte: com as Misericórdias sucede a mesma tragédia, mas há clínicos nas Misericórdias que, chamados à ordem, passam a receitar medicamentos manipulados nas farmácias.
O Orador: - Tenho feito isso, mas é ir contra o hábito, ou, melhor, contra o desabito...
E, de resto, Sr. Deputado, ainda há outra circunstância: é que não são só os módicos municipais que recei-