O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

336 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 77

integração no grande objectivo da elevação cultural do povo português.

Quando o nosso ilustre colega Prof. Sousa Pinto foi Ministro da Instrução nomeou uma comissão encarregada de organizar o esquema geral do ensino em Portugal. Eu tive a honra de fazer parte desse organismo, mas, talvez por ser muito numeroso e porque faltasse depois a necessária continuidade nas directrizes do Governo, a sua acção malogrou-se.

Era, no entanto -parece-me hoje, a visão mais acertada das coisas aquela que presidiu à instalação dessa corporação de professores de todos os graus e ramos, com vista à instituição do que poderíamos chamar a Carta do Ensino. !Sem esse diploma, e considerado o ensino em toda a plenitude, pela sua conveniente e constante inserção em objectivos de educação nacional, não terá a nossa Revolução atingido o tini que se propôs, pois desde início se apresentou como residindo na conquista de uma mentalidade nova a verdadeira batalha pela ressurreição de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Era este o meu pensamento ao anunciar aqui em tempos um aviso prévio sobre "Política do ensino no Governo da Revolução Nacional", que, já agora, em face desta reforma e de outras que se anuncia virem a ser enviadas a esta Câmara, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne reservar para o próximo período legislativo.

Tendo preferido o Governo o método das reformas parcelares, cumpre-nos apreciá-las e introduzir-lhes as correcções que, em nosso entender, conduzirão a aumentar-lhes a eficiência ou a suprimir-lhes os inconvenientes.

Sendo, como disse, mais grato ao nosso espirito a análise de um esquema de conjunto, nem por isso poderemos dizer, no entanto, que o Governo seguiu o pior método. Já Léon Berard, no seu discurso célebre ao Conselho Superior de Instrução Pública de 15 de Janeiro de 1923, afirmava:

Há melhorias que não temos o direito de adiar sob o pretexto de que há coisas mais profundas a empreender. Seria condenarmo-nos voluntariamente a não fazer nada o subordinarmos tudo a reformas totais e profundas, cuja hora em que chegam ninguém poderá prever.

E Gustave lê Bon, na clássica Psychologie de l'Education dizia:

As reformas em bloco são absolutamente sem valor, e, quando um tirano as impusesse pela força, elas não poderiam durar, porque, para que pudessem manter-se, seria preciso reformar ao mesmo tempo a alma dos professores, a dos pais e a dos alunos. É preciso por de parte todos os pomposos projectos de reforma radical e não os considerar senão como uma inútil fraseologia.

Aceite assim como bom o método do Governo e aguardando que outras reformas parcelares venham a ser submetidas à nossa apreciação, seriadas devidamente, em ordem à construção de um conjunto harmónico, não se deixa, ainda assim, de formular reservas quanto ao processo.

É que, Sr. Presidente, a proposta de lei n.º 99 não é sequer uma reforma do ensino técnico, uma vez que exclui o grau superior, que tanto conviria, num ou noutro aspecto, pelo menos, considerar em conjunto com o elementar e médio. É verdade que o Governo lhe chama reforma do ensino técnico profissional, mas o ensino técnico superior não deixa de ser também profissional, e é assim que na proposta afloram nítidos certos pontos de fricção entre os limites profissionais dos diferentes graus de ensino. Outra falha inconveniente é ficar por definir, em face de uma reforma de ensino técnico, o ensino da arquitectura. É do nível do dos engenheiros ou do dos agentes técnicos ? Deixa de ser ensino técnico para ser antes ensino artístico ou entende-se que é ensino clássico?

Feitas tais reservas, porém, a proposta de lei n.º 99, que o Governo submeteu ao debate da Assembleia, excede em muito o mero plano administrativo que pejorativamente lhe vimos atribuído e constitui mesmo um dos diplomas que comportam maior alcance entre todos os que têm sido postos à nossa apreciação.

É que, por um lado, o aspecto eminentemente popular deste ensino profissional, elementar e médio, assume especial relevância depois de aqui termos aprovado a lei n.º 2:005 -lei do fomento industrial-, votada na esperança de um surto decisivo na vida industrial do Pais.

Por outro lado, o simples facto de o Governo nos enviar esta proposta pressupõe a intenção de dotar largamente esse ensino.

Neste ponto, o parecer da Câmara Corporativa manifesta certos receios quanto à extensão das dotações destinadas às convenientes instalações e ao necessário apetrechamento.

Seria, de facto, preferível que do relatório, quando não das bases, constasse um índice por onde pudessem avaliar-se os propósitos do Governo; "um número, cuja unidade poderia ser, indiferentemente, a dezena de escolas, o milhar de alunos ou a dezena de milhar de contos".

Teria sido preferível, mas a presença aqui da proposta envolve por si só, mesmo nesse aspecto, valiosa afirmação programática. Se bem que a grande falta não tem sido de legislação. Tem sido antes da sua execução conveniente. Há perto de cem anos já, em 1852, Sr. Presidente, o Porto sempre na vanguarda nas coisas do trabalho- lançava, através da Associação Industrial Portuense, a primeira escola industrial do País, que só dois anos depois era oficializada pelo Governo, que dez anos mais tarde viria a transformá-la no Instituto Industrial e Comercial do Porto. O decreto-lei de 24 de Dezembro de 1864 que determinou essa transformação introduziu na legislação portuguesa é ensino industrial, sendo justo citar o nome de João Crisóstomo de Abreu e Sousa o Ministro que o referendou.

Os Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto foram instalados desde logo; porém, as escolas industriais elementares só vinte anos mais tarde viriam a instalar-se.

Em 1886, na legislação de Emídio Navarro, marca-se mais nitidamente ao ensino técnico o carácter profissional e em 30 de Dezembro desse ano é publicada a primeira organização geral do ensino industrial e comercial. Em 1888 eram publicados os regulamentos respectivos e logo contratados na Alemanha, Áustria, Suíça e Itália muitos professores para virem exercer o ensino, sobretudo do Desenho, que entre nós se mantinha em lamentável atraso.

Em toda essa legislação é marcada às escolas industriais, nos seus diversos tipos, como finalidade única o desenvolvimento e melhor rendimento das indústrias. Foi em 1891, e em 1893 com a legislação de João Franco, que pela primeira vez se aponta a essas escolas uma nova finalidade de intenção acentuadamente social, como tão lucidamente o fez notar, em notabilíssimo relatório ao Ministro do Fomento, em Abril de 1911 o inspector António Arroio