O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

554-(4) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 88

da propriedade perfeita, não só alargando a faculdade de remição de ónus reais, mais também removendo obstáculos que na prática de algum ânodo a dificultam. Ao considerar, em geral, este objectivo, não pode a, Câmara Corporativa deixar de reconhecer que fortes razões apoiam, em grande parte, o intuito do projecto. Entende, porém, dever fazer-lhe alguns reparos de carácter genérico, pois, se aquele objectivo é, em princípio, louvável, só pode, no entanto, pôr-se em prática com muita prudência e espírito equitativo, a fim de evitar prejuízos injustos e de não causar a destruição de institutos que podem ainda ser muito úteis.

13. Como é sabido, embora de origem vária, as propriedades imperfeitas de que vimos tratando surgiram e desenvolveram-se em condições económicas muito diversas das actuais, e não é, por isso, de estranhar que a muitos respeitos constituam hoje encargos embaraçosos, ou antipáticos pelo menos, para os possuidores dos prédios onerados.
Na época presente, em que a liberdade de fruição da terra e dos seus produtos está fortemente limitada pelo Estado, em que a propriedade se encontra sujeita a pesados impostos, as propriedades imperfeitas que recaem nos prédios, limitando ainda mais os proventos dos que os fruem, são talvez mais onerosas do que no tempo em que "e constituíram, quando era maior a margem de utilização livre da terra deixada aos cultivadores.
A oneração dos prédios pêlos referidos direitos constitui também obstáculo às transacções da propriedade imóvel, hoje talvez mais frequentes do que outrora, e dificulta até, em alguns casos, as partilhas entre herdeiros, principalmente quando os encargos em questão são de montante elevado (como acontece com muitos direitos de quinhão).
Estes factos explicam em certa medida o chamado movimento de libertação da terra e a copiosa legislação que df. há um século a esta parte tem entre nós procurado favorecer a constituição da propriedade perfeita, e na qual procura integrar-se o projecto de lei n.° 91. Sem querer aprecia*1 a fundo essa corrente legislativa, a Câmara Corporativa tem, no entanto, de pôr em relevo alguns aspectos defeituosos e injustos que a caracterizam, com o fim de mostrar quanta prudência e senso de justiça deve orientar no futuro o legislador numa matéria em que até aqui quase têm imperado apenas preconceitos de inspiração liberal.

14. Eram numerosas e complexas as limitações da propriedade que ainda vigoravam nos princípios do século transacto, quando se deu o advento do liberalismo.
A multiplicidade e a consequente onerosidade dos encargos que, muitas vezes, recaíam sobre o mesmo prédio e os abusos realmente cometidos, em muitos casos, pêlos respectivos beneficiários, aliados à crise económica emergente das guerras civis, chamaram para tais formas de propriedade a atenção dos políticos do tempo, os quais, dominados pelo horror a tudo quanto recordasse o antigo regime e, em grande parte, inspirados por ideias já muito eivadas de socialismo e profundamente demagógicas, não procuraram estudar o assunto com imparcialidade e conhecimento perfeito dos factos, antes tomaram como ponto essencial da sua política a ideia feita da "libertação da terra".
A designação que a esta corrente se dá mostra bem quão unilateral era a orientação que a inspirava. Não era a propriedade privada no seu conjunto e em todas as suas modalidades o que os doutrinadores e os Governos queriam regularizar e favorecer; era a posse e fruição da terra, qualquer que fosse o título em que se estribasse, aquilo que se queria fortalecer e libertar de quaisquer peias, como se apenas a detenção material da terra constituísse verdadeiro direito e tudo o anais não passasse de espoliação dos fracos pelos fortes e opulentos.
Neste movimento havia muito também do desejo individualista de suprimir sistematicamente todos os poderes intermédios entre o indivíduo e o Estado (única realidade social colectiva reconhecida pelas ideias do tempo), a fim de que este pudesse exigir daquele todos os proventos necessários para sustentar os seus serviços, cada vez mais desenvolvidos e absorventes.
Assim se extinguiram todas as pensões e encargos estabelecidos nos forais (isto é, fundados em títulos genéricos); assim se tornou obrigatória a remição de foros, censos e quinhões pertencentes ao Estado e às corporações religiosas extintas (remição com a qual se pretendia, na realidade das coisas, angariar fundos para o Estado e evitar-lhe a perda daquelas pensões, que, pela complexidade das cobranças, podiam cair em esquecimento); e assim se foram dando vários golpes nas propriedades imperfeitas, existentes entre pessoas privadas, por título particular.
Dominado pelas ideias correntes, o Código Civil introduziu naquelas formas de propriedade alterações importantes, que em muitos casos lhes modificaram profundamente a fisionomia e lhes tiraram em parte o valor prático. Não foi, porém, o Código até ao ponto de permitir a remição obrigatória, aparte a do censo consignativo e do compáscuo. A forma simplista por que se encontram reguladas no Código algumas propriedades imperfeitas, que no antigo direito eram muito mais complexas - senão diferentes, até - do que as que vemos no Código, mostra, aliás, que este não se afastou da orientação que então dominava neste campo e não procurou conciliar com justiça e conhecimento da realidade os interesses em jogo.
Foi o decreto de 30 de Setembro de 1892, regulamentado pelo decreto de 14 de Dezembro do mesmo ano, que '.pela primeira vez admitiu a remição obrigatória de foros.
Do primeiro destes diplomas fez o visconde de Coruche severa crítica, da qual recortamos os seguintes passos, que - embora escritos com paixão - bem mostram quão melindroso e grave é o problema da remição das propriedades imperfeitas:

...o foro representa dois direitos distintos sobre a mesma propriedade única e indivisa pela natureza do contrato; estes dois direitos são o do senhorio e o do foreiro. Dar a ambos ou a qualquer dos dois o direito de desapossar um só deles contra vontade, para ficar o outro só em campo, equivale, quanto a mim, a substituir ditatorialmente o direito de propriedade e a boa fé dos contratos pelo direito de roubar.
...roubo é a acção do ladrão público que, com ousadia, violência e conhecimento do roubado toma o alheio contra vontade do seu dono; logo n remição obrigatória é coisa muito parecida com n lei do roubo, porque se faz violentamente contra vontade do dono ou dos donos da propriedade.

Por estas razões, considerava o mencionado autor a remição contrai ia à garantia constitucional da propriedade, e o decreto que à permitia "...uma arbitrariedade e uma violação das próprias leis constitucionais; é a anarquia, a desordem, a insubordinação e a subversão social estabelecida como princípio num decreto" (V. de Coruche, Propriedade, Enfiteuse e Agricultura, Lisboa, 1893, pp. 52 e 53).
Por estas e outras críticas, foi o citado decreto de 30 de Setembro de 1893 revogado pelo decreto n.° 11 de 10 de Janeiro de 1895. A remição obrigatória em favor do